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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Como o Spotify aumentou a exploração dos artistas

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A plataforma de busca e reprodução de música e podcast Spotify anunciou no final de novembro de 2023 uma série de mudanças na remuneração dos artistas. Os menos de meio centavo de dólar (U$ 0,0033) por reprodução agora serão exclusivos daqueles que possuem mais de mil reproduções mensais, fazendo com que os artistas com menores números trabalhem de graça para a plataforma. 

Caio Mago | Salvador


TRABALHADORES – No início dos anos 2000, ferramentas como o 4Shared, eMule, Ares e outras formas de download popularizaram o consumo de música via internet. Em seguida o Youtube e sites como BotaPagodão.net permitiram que os usuários acessassem as músicas de forma mais segura, correndo menos riscos de instalar um programa malicioso em seus computadores. Apesar disso, ainda faltavam formas de remunerar os artistas pela distribuição, antes monopolizada pelas grandes gravadoras, que controlavam desde a gravação até a venda dos discos.

Como de costume, o capitalismo se adaptou e surgiram as primeiras plataformas de reprodução online (streaming) paga, e o Spotify foi uma das que mais se destacou. Vendendo a praticidade de encontrar qualquer música em um aplicativo só e ouvi-la gratuitamente apesar dos anúncios, logo se tornou hegemônica e tinha um discurso que oferecia condições mais justas: o ouvinte consome os anúncios ou paga a mensalidade e o dinheiro é repassado para os artistas. Infelizmente, não é tão simples assim.

Para distribuir uma música (fonograma) o artista precisa recorrer inicialmente a uma distribuidora. Essa empresa faz o contato entre o artista e as plataformas digitais e também a arrecadação dos royalties (a parcela do valor faturado pela plataforma que é destinada ao artista) e, no caso de o plano escolhido pelo autor ser gratuito, a distribuidora se apropria também de uma porcentagem desse valor.

Caso o artista não possua cadastro em uma sociedade arrecadadora, como a Associação Brasileira de Música e Artes (ABRAMUS) ou a União Brasileira dos Compositores (UBC), a distribuidora irá gerar o código ISRC e assim se apropriar também do valor dos direitos autorais e conexos, relativos à execução pública da obra.

No final, o dinheiro que chega para a conta dos artistas envolvidos na gravação é mínimo se comparado com a quantia gerada nas plataformas de streaming. Um relatório feito pela revista Business Insider calculou em 2020 que seriam necessárias 300 reproduções para que um artista recebesse um dólar de remuneração, sendo necessário para quase todos os artistas manter dupla ou tripla jornada de trabalho para continuar sustentando seu ofício.

A resposta da empresa

O diretor executivo e fundador do Spotify Daniel Ek, que não é músico, respondeu publicamente às reclamações dos artistas dizendo que eles é quem deveriam gravar mais se estivessem insatisfeitos. Isso reproduz uma lógica neoliberal que só serve às grandes gravadoras, responsáveis pelo esvaziamento da música enquanto arte e sua transformação em mero produto industrializado para consumo rápido e lucro.

O capitalista, que já ocupou cargo de direção no polêmico programa de download de arquivos μTorrent, denunciado por minerar criptomoedas nos computadores sem autorização de seus usuários, é também proprietário de empresas de tecnologia para vigilância e guerra e fez vista grossa para o negacionismo do apresentador de podcasts Joe Rogan durante a pandemia e também para as suas declarações racistas e misóginas durante os programas. 

Frente às importantes mudanças nas leis de direitos autorais no Uruguai, o CEO declarou que seria insustentável pagar valores mais justos aos artistas e encerrou as atividades no país, o que parece irreal para a empresa que detém o monopólio da distribuição de músicas no mundo e lucra exacerbadamente com o trabalho de milhões de artistas. Por trás do discurso de liberdade e democratização da indústria musical, o que vemos é um modelo de uberização da música, similar ao que aconteceu com as entregas e as corridas de taxi com os aplicativos.

A falsa democratização

Hoje praticamente qualquer pessoa consegue gravar uma música e distribuí-la na internet para que seja ouvida em quase todas as plataformas de música. Isso traz uma ilusão de liberdade, de poder e de igualdade de condições entre os artistas e as gravadoras, já que estas já não mais possuem o monopólio da gravação e distribuição. Entretanto é necessário ir mais a fundo e observar alguns detalhes nessa questão.

Os home studios (estúdios em casa) montados com equipamentos geralmente muito baratos e de baixa qualidade e a pirataria de ferramentas de produção musical funcionam como um controle quebrado nas mãos de um filho caçula, que pensa que está jogando com seus mais velhos, mas está escorado do jogo.

Enquanto os artistas independentes passam sufoco para conseguir espaço nas playlists, as gravadoras conseguem com facilidade se comunicar com as plataformas e as distribuidoras e, entre outras coisas, subir as músicas de seus artistas em tempo recorde (a exemplo de Donda, disco de Kanye West finalizado em cima da hora e distribuído imediatamente) e alcançar as melhores posições nas playlists com mais ouvintes.

Para se ter ideia, o tempo médio para publicar uma música na distribuidora OneRPM é de dois a três dias úteis, isso se não for identificado algum problema na imagem de capa, e o processo de curadoria das playlists é uma loteria. Se antes as gravadoras controlavam fisicamente a produção e distribuição dos fonogramas, hoje usam de suas relações políticas e econômicas para obter grandes benefícios na frente da cena independente.

Quando um artista como Billie Eilish cuja produção musical foi caseira recebe premiações, os jornais burgueses fazem questão de contar sua história como se fosse parte de uma nova geração de músicos. Tal propaganda ignora a ação da gravadora por trás da assessoria, pós-produção, distribuição e publicidade, feitos com uma quantidade de dinheiro que um artista independente nunca vai sentir sequer o cheiro em toda sua vida, sem contar no privilégio de se dedicar integralmente à música – realidade distante para os que precisam vender sua força de trabalho, reféns de um sistema que não enxerga arte e cultura como necessárias, a não ser que consigam aliená-las e transformá-las em fonte de lucro.

Os problemas apresentados refletem uma realidade dentro do mercado de trabalho da cultura: precarização, vínculos frágeis ou inexistentes de trabalho e uma ditadura dos grandes grupos corporativos, que controlam quem terá destaque, quem viverá de arte e quem será sabotado pelos algoritmos.

A solução para isso é a organização de todas as categorias de trabalhadores da cultura, o que possibilita movimentações de massa que mobilizem todo o conjunto da sociedade em torno do debate da valorização e visibilização do trabalho por trás da produção cultural e sua importância, além do estabelecimento de condições mais justas de trabalho e remuneração e da superação do sistema capitalista o qual permite que 1% da população se aproprie da riqueza gerada pelo trabalho suado dos outros 99%.

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