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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Batalhas de rimas como organização cultural e política da juventude

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As batalhas de rima são muito mais do que apenas eventos culturais de lazer. São espaços extremamente enriquecedores e politizantes, nos quais a vivência de rua mistura nossa ancestralidade à atualidade em rimas cada vez mais criativas. 

Higor Paula e Izabel Cardoso | Belém (PA)


CULTURA – Nos últimos tempos, por todo Brasil, houve um perceptível crescimento de popularidade acerca das batalhas de rima, atraindo principalmente jovens de periferia que encontram na arte de rimar uma forma de se expressar. Também conhecidas como duelos de MCs ou batalhas de freestyle, as batalhas de rima são muito mais do que apenas eventos culturais de lazer. São espaços extremamente enriquecedores e politizantes, nos quais a vivência de rua mistura nossa ancestralidade à atualidade em rimas cada vez mais criativas. 

Os artistas que se arriscam nesse duelo devem improvisar versos que façam o público clamar pela sua vitória. Isso se dá pela identificação com a vivência do rapper, pela mensagem que ele passa ou simplesmente por ter conseguido arrancar riso da plateia afetando seu adversário, afinal, diversão também faz parte da cultura.

Assim, tendo em vista que um dos nossos principais objetivos enquanto revolucionários, sendo artistas ou militantes, é alcançar um grande número de pessoas com nosso trabalho, esta matéria visa compreender como as batalhas podem ser locais de boa convivência entre política e arte, enquanto meio de expressão e libertação do nosso povo.

“O Hip-Hop salvou a minha vida”

Desde sua origem, nos guetos de Nova York, o movimento Hip Hop conquistou o mundo com o RAP. As batalhas chegam ao Brasil por volta dos anos 90, com a febre das Disstracks, faixas que tem como função atacar e criticar algo ou alguém. Esses eventos tomaram forma e, mais recentemente, ganharam ainda mais popularidade por meio das redes sociais.

Mesmo buscando atacar o seu adversário, via de regra os rappers fazem isso ao improvisar o que chamam de “ideologia”. Estes, por sua vez, são versos que abordam problemas reais como racismo, pobreza, crime e o abuso de drogas. Como essas rimas são mais valorizadas do que insultos — inclusive havendo modalidades próprias para isso—, estes duelos se tornam lugares propícios para expressão ao estimular o crescimento pessoal e artístico dos participantes.

Muitas das batalhas nascem de maneira orgânica e organizada, com regras e um código moral implícito, seguindo a conduta da cultura Hip Hop. Há assim uma maior liberdade para que os artistas improvisem rimas como preferirem. Ao mesmo tempo, as regras evitam maiores problemas, como preconceito e ofensas pessoais, no intuito de criar um espaço acolhedor para todos.

A arte liberta

Uma boa forma de explicar como é possível relacionar política e arte são justamente as rimas improvisadas nessas rodas. As vivências de luta, expressas nas rimas pelos artistas, são uma clara demonstração de como a falta de políticas públicas afeta a vida de milhões de jovens que vivem sob esse sistema capitalista. A fome, a miséria, o racismo e drogas são assuntos frequentes nas letras, problemas ainda persistentes mesmo nos governos ditos “progressistas”.

Tal como Don L, uma nova leva de artistas revolucionários vem surgindo, fruto da desilusão com a realidade inalterada em que vivemos. Para falar mais sobre isso, conversamos com um dos artistas que consideramos parte dessa leva: o rapper nortista Sumano. Com rimas intensas e críticas contando com um grande repertório histórico e cultural, o rapper lançou recentemente o álbum “Nortes”.

A Verdade: No seu trabalho, podemos ver que você cita diversas figuras históricas revolucionárias, além de claro, citar uma revolução ocorrida aqui na nossa região norte, a Cabanagem. Por que você resolveu utilizar esses elementos?

Sumano: Porque eu sou fruto desses processos, e não os conheci na escola formal, os livros não falavam disso. A TV não fala disso, e os poucos conteúdos mais acessíveis tratam esses fatos de forma deturpada ou romantizada ao extremo. Quisemos ser uma das poucas experiências artísticas a falar de nós para os nossos e para o Brasil, por que até o atual momento a nossa história é contada por outros, e somos descritos a partir do olhar do estranho. E o rap tem em seu escopo esse paralelo entre arte e a realidade de forma mais incisiva, dando margem para a transformação ou não dela.

Como você esperava que as pessoas recebessem sua mensagem?

Sumano: Eu, enquanto artista preto, ribeirinho da Amazônia, quis contribuir com a cultura e a arte brasileira através do rap, com base nas minhas percepções do lugar que pertenço. A intenção é que os ouvintes se aprofundem no que tá sendo dito e cheguem a novas reflexões para que essas temáticas sigam em debate independente se for por meio do nosso disco.

Agitação nas batalhas

Uma boa forma de nos aproximar da cultura Hip-Hop é simplesmente estar presente e fazer parte dessas rodas culturais. Por mais que sejam eventos abertos, é importante utilizar dos espaços que tem o “mic aberto” para realizar nossa agitação e propaganda. Mic aberto significa que com a permissão dos organizadores você pode anunciar algo a todos, podendo ser utilizado, por exemplo, para divulgação de projetos, ações e eventos.

Um exemplo de aproximação foi a Batalha da Ocupação aqui em Belém, realizada em uma ocupação do Movimento de Mulheres Olga Benário. Esse evento reúne desde artistas que duelam até artistas que apresentam suas próprias criações no formato de “Pocket Shows” ou recitações. Ao ser realizada em conjunto com organizadoras de batalhas locais, a Batalha da Ocupação tem potencial para se tornar um evento renomado na cultura popular.

Como meio de compreender melhor como essas batalhas mudam a vida dos artistas que vivem essa cultura diariamente, entrevistamos Eloise Sousa, de vulgo Kaipora MC, artista local de Belém e militante da Unidade Popular, que com frequência disputa nas batalhas da capital paraense:

A Verdade: Nas batalhas a gente vê que você concilia sua vivência junto a sua militância, aproveitando do espaço para realizar agitação política, como e por que você faz isso?

Kaipora MC: Eu utilizo principalmente minha habilidade de rimar para fazer essa agitação durante as batalhas, aproveitando o local de evidência. Quando estou na batalha sei que tenho atenção de toda a plateia e do meu adversário, aproveito disso para transmitir a nossa linha política, por entender que as batalhas fazem parte da cultura Hip Hop e que é uma cultura que nasce com um viés político de resistência.

De que forma as batalhas surgem para que você possa expressar a sua arte?

Kaipora MC: Antes de me entender como MC, eu já era militante da Unidade Popular, quando encontrei a cultura Hip Hop e as batalhas de MC’s as coisas se complementaram, pois senti que tinha encontrado um lugar onde poderia me expressar livremente, utilizando a arte do freestyle como uma ferramenta de transformação social e colocando em prática uma arte revolucionária que a muito tempo vivia em mim. Então as coisas naturalmente se conciliaram, visto que nós somos o partido do povo preto e periférico que busca uma nova sociedade.

Kaipora MC faz parte do coletivo Nortx Ground, junto com Sara Nortx e Djay, também militante da Unidade Popular e organizadora da Batalha da Ocupação. Recentemente o coletivo lançou sua primeira faixa autoral intitulada “Chora Boy”, iniciando sua caminhada na indústria musical do RAP, o single está disponível no YouTube pelo canal “Banca Da Nortx”.

“A prática é o critério da verdade”

Incentivar nossa cultura por meio de eventos, ações e atividades são fundamentais para que nossa militância chegue até o povo. Devemos garantir que nosso trabalho seja levado a sério, assim como nunca subestimar o poder popular que reside nas Batalhas. Parcerias pontuais são sempre bem-vindas, assim como é preciso caminhar para um futuro em que estejamos de maneira contínua nesses espaços, atuando para sermos reconhecidos como parte essencial desse movimento.

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