Numa sociedade individualista, a criação de uma criança é um peso individual; na sociedade socialista, a criação de uma criança passa a ser uma construção coletiva.
Tami Tahira, educadora e militante do Movimento de Mulheres Olga Benario
Se já sabemos que as jornadas de trabalho para a nossa classe são extenuantes – em contratos terceirizados ou informais para mais da metade da população com um salário que não corresponde ao mínimo necessário para viver – então podemos imaginar qual o nível de exploração que recai sobre as costas das mães, a quem é relegada a carga de trabalho do cuidado de crianças. Frente a isso, qual é o dever dos comunistas na luta por um novo mundo em relação às mães e às crianças?
Superar o individualismo para coletivizar o cuidado com crianças
Às mulheres, o destino social imposto no sistema capitalista é a maternidade como obrigação individual. O cuidado diário e intenso que deveria ser provido pelo Estado é suprido pela mulher com seu trabalho produtivo (na venda de sua força de trabalho) e improdutivo (cuidados domésticos e familiares) que a leva à exaustão física e mental em duplas e triplas jornadas de trabalho.
Na União Soviética, outras políticas foram implementadas para garantir a participação da mulher na construção de uma sociedade igualitária. Alexandra Kollontai relata em “O Comunismo e a Família” (1920): “Já existem casas para as crianças em fase de amamentação, creches, jardins de infância, colônias e lares para crianças, enfermarias e postos de saúde para os doentes ou que precisam de cuidado especial, restaurantes, refeitórios gratuitos, roupas e calçados para as crianças dos estabelecimentos de ensino. Tudo isso não demonstra suficientemente que a criança sai do marco estreito da família, passando o peso de sua criação e educação dos pais à coletividade?”.
Numa sociedade individualista, a criação de uma criança é um peso individual; numa sociedade socialista, a criação de uma criança passa a ser uma construção coletiva em que todos se responsabilizam por alimentação e lavanderias coletivas, por educação de qualidade e acessível perto do trabalho da mãe. Essa era a realidade da URSS, em que a cada 3h de jornada de trabalho a mãe tinha 45 minutos para ir à creche amamentar seu filho.
Devemos esperar o socialismo para começar a cuidar das crianças?
A resposta categórica é não. Além de ser necessário desmantelar as ideias individualistas e opressoras do antigo mundo para dar lugar às novas desde já, coletivizar o cuidado das crianças é, na realidade, um catalisador da conquista do socialismo, já que as mulheres poderão se dedicar mais e melhor à atividade política e lutar com mais combatividade pela libertação da nossa classe.
Se já são exploradas vendendo sua força de trabalho – se dedicando aos cuidados domésticos e familiares conciliando por muitas vezes com os estudos – quem, senão as mães que vivem longas jornadas de trabalho, serão as mais interessadas e fervorosas lutadoras para acabar com o capitalismo? É necessário criar condições para que esse ímpeto revolucionário possa se desenvolver e formar quadros entre as nossas mães trabalhadoras.
Como cuidar coletivamente?
No dia a dia, a responsabilidade de assumir a frente pelo cuidado das crianças é principalmente ideológica: todos os militantes, da base à direção, do mais recente ao mais antigo, podem e devem ter como uma grandiosa tarefa assumir um turno de creche nas atividades militantes para garantir uma participação de qualidade às mães.
Não é uma atividade menor cuidar da criança de outra militante, pelo contrário: a formação de nossas crianças seguindo os princípios da nossa organização é revolucionária.
Paulo Freire disse: “Educar é um ato político. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra”. As creches que fazemos em nossos congressos e reuniões são tão políticas quanto as atividades em si.
Se a atividade é um encontro de lideranças indígenas, por exemplo, por que não fazer uma creche colocando músicas dos artistas originários de hoje em dia e desmistificar a ideia racista de “índio” de um currículo escolar datado? Pode-se pegar o mapa do território e descobrir com as crianças quais são as terras originárias ou falar de indígenas em contextos urbanos – assim, se constrói terreno para que a retomada e a demarcação de terras seja um assunto presente na vida da criança.
Se é uma atividade do Movimento de Mulheres Olga Benario a creche pode apostar em perguntar às crianças o que pensam da divisão de brinquedos de menina e de menino levantando repertório para identificar quais assuntos precisam ser aprofundados para quebrar estereótipos de gênero.
Bola é brinquedo de menino e panelas são brinquedos de menina? Que então, na creche, se ensine a brincar com a bola em diversos jogos para que todos tenham familiaridade com a dinâmica e se entenda que brinquedo é de criança. Que se pergunte como normalmente são divididas as tarefas da cozinha na escola e na casa dos amigos para se comparar com como é a dinâmica na família da criança e nesses espaços de militância.
Se entre os nossos pais e mães, entre a nossa militância, as tarefas não forem equilibradas, não teremos condições de formar pelo exemplo, camaradas! As crianças são sujeitos de direito, com capacidade de comunicar, criticar, pensar e podemos aprender no trato com elas.
Devemos organizar nossos militantes em turnos para dividir o trabalho do cuidado. É preciso chegar antes da atividade começar para pegar o contato da responsável pela criança e receber as orientações (se é permitido o uso de telas, quais as restrições alimentares, qual a frequência da amamentação, se faz uso de algum medicamento, quais brincadeiras mais gosta – pois cada criança é única), ter paciência e formar outro militante mais novo nesta atividade para que mais e mais pessoas possam assumir as creches com a responsabilidade que devem ser construídas.
Isso tudo é coletivizar o cuidado com as crianças. Nossas mães não serão vencidas pelo cansaço! A construção da creche é tarefa de todos que lutam por um mundo justo.