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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Sangue de Merong demarca as terras Kamakã Mongoió

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Somente cinco dias após sua morte, o Cacique Merong Kamakã Mongoió teve direito à sua cerimônia fúnebre com a dignidade da sua luta, no lugar onde ele escolheu para ser plantado, no território Kamakã, no povoado de Casa Branca, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Polícias Civil e Federal investigam o caso, que tem indícios de emboscada.

Redação MG


 

Merong foi plantado!

Resgatando a memória de Galdino Pataxó – indígena queimado vivo enquanto dormia numa parada de ônibus em Brasília, em 1997 – iniciou-se a cerimônia que ocorreu, no último dia 09 de março, de semeadura do corpo do cacique Merong Kamakã Mongoió, cinco dias após sua morte.

Reafirmando os valores dos povos originários, reafirmou-se a justeza da luta pela demarcação de todas as terras indígenas e que esta é parte da sobrevivência e resistência dos povos originários.

Essa valoração dignifica a sua relação com a terra como parte fundamental da vida e que, sem ela, não é possível organizar a comunidade, a cultura, os valores e prover os alimentos necessários à sobrevivência de todos e todas que ali habitam.

Foto: Luiza Poeiras

Sem a demarcação imediata de todas as terras indígenas e o devido respeito à organização e cultura dos povos originários (como estabelecem os artigos 231° e 232° da Constituição) e sem garantir à proteção a saúde e aos territórios, mais lideranças indígenas seguirão sendo assassinadas.

“A justiça existe para punir os pequenos e isso é um absurdo! Onde estão os direitos das crianças? Cadê o ECA para proteger a menina de nove anos que está sendo processada pela Vale S/A?”, disse um primo do Cacique Merong.

Segundo o advogado Marco Antônio, “a decisão judicial, ao atender o pedido da mineradora Vale para impedir o sepultamento do Cacique Merong, praticou uma violência institucional e representou absoluta falta de empatia e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Uma criança de nove anos de idade figura enquanto parte no processo de reintegração de posse, sem seus representantes legais, e foi intimada por oficial de justiça. É outra violência. Isso viola o art. 227° da Constituição Federal. Temos que lutar para garantir o respeito aos costumes e a organização social e política dos povos indígenas, é um direito”.

Seguindo os ritos da cerimônia, o Cacique Karaja dos povos Pataxó do Sul da Bahia tomou a palavra e, além de render homenagens a Merong, denunciou a mineradora Vale S/A, afirmando que “esta tem interesse no território brasileiro e os governos se enganam em pensar que a Vale está aqui para ajudar. Foi a Vale quem enterrou viva mais de 270 pessoas”.

Foto: Luiza Poeiras

Ao resgatar, durante a cerimonia, a história do povo Pataxó, o Cacique relembrou que todo o território de Minas Gerais é Pataxó. A região sempre foi território de passagem para os indígenas que se deslocavam pelo território brasileiro, desde o Sul da Bahia.

“Assim, o minério que aqui existe é nosso, é nosso direito esse território e, não vamos sair. Queremos nossas terras legalizadas, nós não invadimos o Brasil, nós somos daqui”, finalizou.

Ainda durante as homenagens, o Cacique Arapoanã, da retomada dos povos Xucuru Kariri, também na região de Brumadinho, declarou “foi cortado o tronco, mas não a raiz, Merong está plantado aqui. Eu sempre digo que a única luta que se perde é aquela que se abandona, e eu não vou abandonar a luta”.

Estiveram presentes na cerimônia várias organizações de luta, entidades religiosas da igreja católica, lideranças populares, partidos políticos, parlamentares e os povos indígenas de diversas partes de Minas Gerais e do Brasil, tais como: Kamakã Mongoió, Pataxó Hã Hã Hãe, Xucuru Kariri, Xokleng, Pataxó, Kiriri, Borun Kren.

Foto: Luiza Poeiras

Leonardo Péricles, presidente nacional da Unidade Popular (UP), partido do qual o Cacique compunha suas fileiras, declarou: “Nós não vamos esquecer tamanhos crimes que esse Estado brasileiro vem fazendo com nossos povos originários. Como os Caciques aqui lembraram, tem 524 anos que existe essa luta, os povos estavam aqui há pelo menos dez mil anos. Assim, ninguém tem autoridade para dizer que eles estavam invadindo nada. No mínimo, quando fazem uma retomada, estão reavendo aquilo que lhes pertence”.

“Estamos aqui também para exercer o nosso luto que, como aprendemos com nossos irmãos, se faz lutando. Queremos exigir da Justiça e do Governo Federal a demarcação dessa terra que já está demarcada com o sangue do Merong e com a nossa luta. Por fim, quero dizer que nós vamos vingar o Merong e todos os nossos milhões de irmãs e irmãos que pereceram pela violência desse estado burguês e nós vamos fazer isso retomando o poder nessa Pátria! Os povos indígenas são cabeça nessa luta, junto conosco os trabalhadores da cidade”, afirmou Péricles.

Foto: Luiza Poeiras

Ao final da cerimônia, que durou toda a manhã de sábado (09), Rogério Kamakã, irmão do Cacique, afirmou: “Estamos aqui dentro hoje para pedir às autoridades para que venham demarcar essa terra. Ou precisa de mais alguém aqui enterrado? Porque a gente não vai sair daqui. Merong foi plantado aqui e, se precisar, a gente vai ser plantado junto com ele, mas ele não sai daqui de dentro!”.

Desde o seu assassinato e a pressão que a empresa Vale S/A vem fazendo contra o território, muitos vieram prestar sua solidariedade para o povo Kamakã Mongoió. Os familiares e parentes, os povos indígenas de todo o Estado de Minas e da região Sul da Bahia estão presentes na retomada Kamakã para homenagear o Cacique, mas também reafirmar o caminho da luta e afirmar que do território não sairão, sobretudo agora que o território já foi demarcado com o sangue de Merong, que, agora, está plantado.

“Eu sou um índio, um guerreiro, eu venho da mata caçar. E quando chego nesse pé de serra, eu vejo as araras voar. Olha o canto dessa arara, é um canto de muita beleza. Eu não posso destruir as coisas da nossa natureza” – canto Kamakã Mongoió.

Irregularidades no processo

Após ter sido encontrado por sua mãe, que acionou ajuda enquanto tentava reanimar o filho, uma ambulância chegou, mas não houve sucesso nas tentativas de reanimação de Merong, quando foi constatado o óbito.

A Polícia Civil foi a primeira a chegar ao local. Porém, não respeitando o que determina a lei – já que, por se tratar de um território indígena, toda diligência deve ser conduzida pela Polícia Federal – recolheu o corpo, o que impossibilitou a Polícia Federal de realizar a sua própria investigação, tendo que realizar de forma colaborativa com a Polícia Civil, para averiguar qual a situação exata que levou à morte de Merong, inclusive porque há indícios de que se trata de assassinato, fruto de uma emboscada.

Além disso, após ser anunciado o velório para a tarde do dia 05 de março e o sepultamento para a manhã do dia 06, a Justiça acatou prontamente um pedido liminar da Vale para suspender o sepultamento no território Kamakã.

No entanto, com o rito milenar dos povos originários de plantar os seus, quando se encantam, o corpo de Merong foi enterrado ainda na madruga do dia 05, reafirmando que o território Kamakã Mongoió já está demarcado com o sangue do seu cacique.

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