A família decidiu antecipar o sepultamento por conta da dor, apesar de não saber que havia uma liminar judicial que determinava que o corpo de Merong não poderia ser enterrado na terra indígena. Porém, após repercussão negativa sobre a decisão, devido ao apoio popular, a mineradora Vale recuou de seu pedido.
Redação MG
LUTA POPULAR – Na noite de ontem (5), saiu uma decisão liminar da Justiça Federal, à pedido da mineradora Vale, para que o camarada e líder indígena Merong Kamakã Mongoió não pudesse ser sepultado (plantado, semeado) no território em que vivia e habitava. Porém, o sepultamento ocorreu, e o camarada Merong Kamakã foi plantado na terra que lutou e derramou seu sangue.
A Unidade Popular estava presente, solidarizando-se com todos que estavam também prestando suas homenagens e solidariedades. Nas palavras de Leonardo Péricles, presidente nacional da partido, “é da tradição dos povos indígenas plantar aqueles que se foram para que permaneçam vivos, como sementes, como adubo para a luta que continua. E nós estamos aqui para prestar todo nosso apoio e para reafirmar que o que morreu foi essa decisão liminar, pois o camarada já foi plantado no território. Nós precisamos lutar para que esse território seja demarcado, é um absurdo que uma mineradora assassina como a Vale possa buscar fazer qualquer coisa neste território. Não podemos admitir que a vale tente tomar esse território, pois essa terra é terra indígena”.
Ainda não se sabe a causa oficial da morte do líder indígena, no entanto, a comunidade Kamakã Mongoió já vinha sofrendo, nos últimos meses, ameaças por parte de seguranças privados e policiais militares. A área indígena fica numa região de interesse da mineradora Vale, que continua a explorar diversos territórios em Minas Gerais que são reivindicados pelos povos indígenas.
Intervenção do MPF
Em manifestação contrária ao pedido da empresa, o Ministério Público Federal entendeu que a decisão de impedir o sepultamento serua uma violação das regras do direito aplicável à matéria.
Segundo o que diz o art. 231 da CF/88: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Segundo a Convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em seu art. 5.º, explica: “Na aplicação das disposições da presente Convenção: a) os valores e práticas sociais, culturais, religiosos e espirituais desses povos deverão ser reconhecidos e a natureza dos problemas que enfrentam, como grupo ou como indivíduo, deverá ser devidamente tomada em consideração; b) a integridade dos valores, práticas e instituições desses povos deverá ser respeitada; c) Políticas para mitigar as dificuldades enfrentadas por esses povos, diante das novas condições de vida e trabalho, deverão ser adotadas”.
Ainda segundo informação do Ministério Público Federal (MPF), a República Federativa do Brasil já foi condenada pela Corte Interamericana de Diretos Humanos no caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil (24 de novembro de 2010). A condenação do Estado brasileiro resultou, entre outros, no reconhecimentos de violações de direitos e deveres de reparações, o registro de que o desaparecimento de pessoas implica à própria vítima desaparecida e aos seus familiares, respectivamente, indubitável afronta à preservação da dignidade do corpo do finado, e obstáculo à construção da memória deste pelos seus entes vivos, em virtude de se verem privados da honra de executar seus costumes e fés pessoais para se despedirem, como culturalmente acham que devem fazê-lo.
O MPF relata que não foi chamado a se manifestar do pedido da Vale, o que o impediu de cumprir com seu papel de fiscal da ordem e não há qualquer decisão que imponha, aos indígenas Kamakã Mongoió, rrestrições no que toca à ocupação que já exercem sobre a área há mais de um ano. Informa ainda que o Juízo da ação sequer deferiu liminar para desocupação da área e somente designou audiência de conciliação.
Por fim, o MPF entendeu que, além da perplexidade com a decisão que expediu a liminar, a decisão é omissa na medida em que não demonstra qual o dano irreversível adviria para a empresa Vale – e para a destinação por ela pretensamente dada à área – ao realizar um sepultamento.
“Qual a incompatibilidade entre um possível sepultamento em terras que são destinadas a compensação ambiental e, portanto, a se tornarem área de proteção? Se se pretende ali “plantar ou semear” um corpo, segundo a tradição indígena, e futuramente houver decisão determinando a definitiva reintegração da autora na posse, nenhum prejuízo a ela haverá no fato de estar ali “plantado” o corpo de alguém que morreu naquele chão”.
A decisão do Judiciário significaria nefasta violação do direito dos Kamakã Mongoió de realizar o funeral e o sepultamento do cacique Merong com observação dos ritos tradicionais. A imposição de outro modo de sepultar Merong Kamakã representa violação irreparável aos direitos indígenas às suas tradições e crenças.