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sábado, 21 de dezembro de 2024

Como a política de juros altos tem afetado a rotina das famílias brasileiras

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A alta taxa de juros gera malefícios significativos para as famílias brasileiras, aumentando o custo do crédito, encarecendo o custo de vida, promovendo o alto índice de endividamento e contribuindo para a desigualdade econômica e social.

João Pedro Souza | Redação – PE


BRASIL – Nos debates sobre os rumos da política e economia brasileira, a questão das elevadas taxas de juros se destaca como um tópico recorrente. Esse fenômeno impacta significativamente a realidade das famílias brasileiras que recebem baixos salários, em seus empregos formais e informais, além dos desempregados que vivem de “bicos” para sobreviverem.

É fato que, segundo o IBGE, o índice de desemprego foi de 7,5% até novembro de 2023, o menor nível para esse período desde 2014, quando estava em 6,6%. Porém, o Brasil é um país continental e a população desempregada ainda soma em torno de 8,5 milhões de pessoas. Um número alto que é importante ser considerado.

Além disso, mesmo para quem tem um emprego, a situação não está fácil. Com o salário mínimo no valor de R$ 1.412,00 para 2024, muitas famílias vivem com dívidas e a maioria dos brasileiros realiza verdadeiros malabarismos para pagar todas as contas e, ao mesmo tempo, colocar comida na mesa.

A questão central reside no fato de que as taxas de juros elevadas, como a taxa SELIC, impactam negativamente o cotidiano das famílias de baixa renda, ao passo que favorecem exclusivamente os rendimentos dos setores bancários. Só em 2023, instituições financeiras de grande porte, tais como Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander, reportaram lucros combinados na casa dos R$ 96,9 bilhões, um volume tão alto que supera o Produto Interno Bruto (PIB) de diversos países.

Entendendo a SELIC e seus efeitos na classe trabalhadora

Para começarmos a entender um pouco mais sobre juros altos, é essencial compreender a taxa SELIC, que representa a taxa básica de juros do Brasil, estabelecida pelo Banco Central (BC). Instituída há cerca de 45 anos pelo Banco Central, a SELIC tinha como propósito inicial aumentar a transparência nas transações da dívida pública do Brasil. Contudo, seu papel se expandiu significativamente, tornando-se uma ferramenta para a estabilidade dos preços na economia capitalista. Dependendo das condições econômicas vigentes, a taxa pode sofrer ajustes para mais ou para menos, afetando diretamente o custo de vida e a aquisição de produtos e serviços pela população.

A taxa SELIC é o alicerce para os juros cobrados em operações de crédito, como empréstimos e leasing, além de ser um dos motores para a rentabilidade de diversos investimentos no mercado financeiro. Para tal finalidade, o Banco Central manipula essa taxa visando controlar a inflação: quando a inflação aumenta, a SELIC tende a subir como uma medida para frear o crescimento dos preços. 

Historicamente, observa-se uma tendência de aumento na taxa SELIC, o que acaba por dificultar o acesso da população, principalmente da classe trabalhadora, a bens e serviços essenciais, impactando diretamente na qualidade de vida das famílias mais pobres. É interessante analisar a trajetória da taxa SELIC ao longo dos anos, como, por exemplo, no período entre 2010 e 2022, para compreender melhor suas flutuações e os impactos na economia e na sociedade brasileira. Vejamos.

Taxa Selic demonstra juros altos.
Fonte: PNAD

Altas taxas de juros aumentam o endividamento e desigualdade, impactando no consumo e na qualidade de vida das famílias brasileiras

A estratégia de manutenção das taxas de juros em patamares elevados, conforme apresentado no gráfico acima, tem repercussões severas na vida da classe trabalhadora brasileira. A alta carga de juros, em modalidades como o cheque especial, retira diretamente recursos das camadas mais pobres da população e engordam cada vez mais o lucro dos bancos. Diante dessa realidade, muitas famílias recorrem ao parcelamento de suas compras no cartão de crédito. 

Essa alternativa frequentemente aprisiona no ciclo vicioso dos altos juros do crédito rotativo no Brasil, reconhecidamente os mais elevados do mundo. Trata-se de um cenário propício a um acúmulo contínuo de dívidas, tornando a população com dívidas impagáveis, conforme destaca a matéria intitulada: Banqueiros dobram lucros dos créditos rotativos e endividam pobres.

Em uma análise da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), revelou que no ano de 2022, aproximadamente 77,9% das famílias brasileiras encontravam-se endividadas, um dos patamares mais altos registrados. Veja gráfico abaixo:

Pesquisa da CNC registra aumento do endividamento de famílias principalmente entre 2019 e 2022 / Reprodução/CNC
Pesquisa da CNC registra aumento do endividamento de famílias principalmente entre 2019 e 2022 / Reprodução/CNC

A alta taxa de juros gera malefícios significativos para as famílias brasileiras, aumentando o custo do crédito, encarecendo o custo de vida, promovendo o alto índice de endividamento e contribuindo para a desigualdade econômica e social. 

O resultado: famílias endividadas e com baixo ou nenhum crédito, não conseguem comprar e se veem incapazes de cobrir despesas básicas, como a compra mensal de alimentos e o acesso a bens e serviços, pressionados pelo aumento constante dos preços dos alimentos encontrados nos supermercados e grandes redes de varejo. 

Políticas de juros baixos são questionadas face aos desafios do mercado de trabalho à procura por alternativas sociais mais justas

Os economistas liberais buscam apresentar a redução da taxa de juros como uma medida para combater a inflação de preços e outros itens de consumo. A ideia por trás dessa abordagem é que taxas de juros mais baixas poderiam estimular a economia, um aumento na geração de empregos e, por consequência, na renda das pessoas. Contudo, essa solução levanta questões importantes sobre a natureza do emprego após a Reforma Trabalhista de 2017.

No Brasil, uma grande parcela da população está empregada no setor de serviços e empregos informais que oferecem remunerações limitadas. Essa característica do mercado de trabalho brasileiro complica ainda mais a situação, pois mesmo que haja um aumento no número de empregos devido à taxa de juros mais baixa, a natureza precária e mal remunerada desses empregos pode não resultar em uma melhoria significativa na renda dos trabalhadores e trabalhadoras, limitando assim, os efeitos positivos esperados de uma política de redução de juros.

Na verdade, a concretização de uma política que assegure o pleno emprego e promova um aumento geral dos salários demanda a adoção de uma estratégia econômica que priorize a organização e o planejamento em setores estratégicos da economia brasileira. Essa abordagem visa garantir impactos positivos tanto no incremento da renda quanto no consumo das famílias, além de contribuir para a estabilização nos preços. Uma economia planejada em áreas estratégicas pode assegurar um desenvolvimento sustentável e inclusivo, que atenda às necessidades da população.

Além disso, é essencial que a questão da inflação e as taxas de juros sejam abordadas como uma responsabilidade direta do Estado, por meio de políticas eficazes que visem seu controle e estabilização, mas sem prejuízo de acesso ao consumo de bens e serviços da classe trabalhadora. Há um mito persistente de que medidas estatais como uma maior emissão de moeda circulando na sociedade e o consumo de bens e serviços das famílias, levariam a um aumento descontrolado dos índices inflacionários, necessitando do controle via taxa SELIC. No entanto, essa visão ignora o potencial de políticas de incentivos do mercado interno bem elaboradas e implementadas para equilibrar a economia, controlar possíveis aumentos da inflação, e promover o crescimento e a justiça social.

Sendo assim, é necessário nos organizarmos para podermos lutar em prol de uma economia que priorize as necessidades e interesses dos trabalhadores e trabalhadoras, em detrimento dos interesses dos banqueiros e especuladores financeiros que, frequentemente, exercem influência significativa no acesso ao crédito, além do aumento e diminuição das taxas de juros. A construção de um movimento organizado que reúna a classe trabalhadora, em seus sindicatos, organizações sociais e academia são importantes para promover um debate amplo e inclusivo sobre as direções da política econômica e monetária do país.

A mobilização em torno de uma agenda econômica voltada para a justiça social, igualdade e sustentabilidade é um passo crucial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, na qual o bem-estar da classe trabalhadora seja colocado no centro das decisões políticas e econômicas do Brasil.

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