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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

A vitoriosa guerrilha camponesa de Trombas e Formoso

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Em Goiás, a construção de Brasília e a rodovia Belém-Brasília nos anos 1940 e 1950 impulsionaram a colonização e a grilagem de terras, resultando em conflitos violentos entre posseiros e latifundiários. A resistência camponesa em Trombas e Formoso, liderada por comunistas, culminou em vitória com a legalização das terras em 1962.

Natanael Sarmento | Diretório Nacional da UP


LUTAS DO POVO BRASILEIRO – O processo capitalista do Brasil foi de industrialização tardia e dependente, especialmente a partir dos anos 1930. Todavia, da Colônia até meados dos anos 1950, o país foi hegemonizado econômica e politicamente pelos senhores latifundiários, os barões do café, do leite, do cacau, do açúcar, dos minérios.

A economia era fundamentalmente primária e destinada à exportação, com uma população de cerca de 50 milhões, espalhada difusamente nas vastidões do imenso território nacional. A maioria do povo, camponeses e trabalhadores assalariados, explorados sempre na condição subalterna da cidadania, meros figurantes da “grande política” do poder Estatal.

As capitais e algumas cidades de médio e grande porte, consideradas polos regionais, formavam o núcleo urbano. A maioria do povo habitava as vastidões dos grandes sertões. Estes rincões possuíam culturas e vida próprias, costumes locais.

No Estado de Goiás, localizado na região Centro-Oeste e com uma área maior do que a Finlândia, não possuía, sequer, um milhão de habitantes. A colonização de terras devolutas desse estado ganhou enorme impulso nos anos 1940, em virtude da estratégia geopolítica de integração do Centro-Oeste com o restante do país, dentro das ações chamadas “frentes pioneiras” do Governo Juscelino Kubitschek.

Com a decisão da construção de Brasília, da fixação da Capital Federal no Planalto Central e da construção da rodovia Belém-Brasília, são dados os estímulos necessários para atração de mão de obra à região. Há um processo migratório de atração de trabalhadores para as grandes construções (submetidos a condições análogas às de escravidão). 

Grilagem

Grilagem é a usurpação de terra, o esbulho legalizado mediante a fraude de títulos de aquisição de terras conquistadas com terror, assassinatos, ameaças, expulsões das famílias camponesas de seus sítios e outras trapaças. Nesse período (anos 1950 e 60), com a valorização das terras pelas obras, banalizou-se a grilagem.

O procedimento é padrão: primeiro, os latifundiários cercam as áreas dos povos originários (indígenas ou posseiros de roças e lavradores pobres). Em seguida, através de seus jagunços, avançam os marcos, fazem ameaças, expulsam os que ali já moravam. A legalização da propriedade e a obtenção do timbre do cartório civil de registro público completa a obra pelo conluio das classes dominantes e seus serviçais registradores (prefeitos, deputados, juízes, promotores, advogados, delegados, etc.). Toda grilagem é ato que conta com apoio de gente do “alto escalão”. Portanto, o problema menor era “legalizar” as terras griladas.

Nessa luta desigual, os verdadeiros detentores dos direitos da terra, os pobres camponeses e roceiros, são vulneráveis e, frequentemente, usurpados. São obrigados a gerar mais-valia, em condições subumanas de trabalho, e submetidos às taxações descabidas sobre o que produzem, explorados em contratos de arrendamento.

No uso da velha prática do trabuco, destacou-se um certo pau-mandado chamado de Seabra. Ele arregimentava jagunços para espalhar o terror nas roças da região. Praticavam todo tipo de violência, ameaças, coação, torturas, destruição e incêndio de plantações, e, se nada funcionasse, matavam o posseiro e seus familiares.

Ilustra bem o depoimento do comunista Antônio Granja, que participou da luta e esclarece as diferenças: “Nos anos 1950/51, os posseiros tentaram legalizar suas terras delimitadas e plantadas, mas tudo foi inútil, vez que as autoridades sempre se revelavam favoráveis aos grileiros”.

Os posseiros trabalhavam durante décadas na terra, construíam benfeitorias, mas não conseguiam a regularização do título de propriedade. Foi necessária uma luta guerrilheira, com derramamento de sangue nos pequenos povoados de Trombas e Formoso, Município de Uruaçu, para esse direito ser reconhecido. Essas duas localidades foram zonas de operações guerrilheiras e protagonizaram uma das mais significativas lutas de resistência camponesa da história brasileira contra o latifúndio.

Comunistas

Os comunistas seguiam a linha política revolucionária do “Manifesto de Agosto” e exerceram papel de vanguarda naquela luta de resistência camponesa do Centro-Oeste brasileiro. Deslocam para a região de conflito agrário quadros experimentados nas lutas camponesas, como José Porfírio de Souza, líder do movimento assassinado pela ditadura militar nos anos 1970, além de outros militantes do Partido: João Soares, Geraldo Tibúrcio (o Geraldão), Antônio Granja (membro do Comitê Central) e Ângelo Arroyo, assassinado na Guerrilha do Araguaia.

Tanto a juventude quanto as mulheres comunistas tiveram importante participação no movimento. Camponeses e camponesas, jovens, adultos e velhos, confiavam no Partido e conduziam sua política de vanguarda combativa para os demais camponeses. O Partido comunista teve protagonismo nos atos preparatórios da guerrilha, durante os combates e depois, nas tratativas de pacificação. Atuava nas duas frentes, na luta armada e na frente institucional, nas batalhas jurídicas e políticas. Difundia a propaganda e fazia denúncias, na imprensa, sem esquecer da resistência e da autodefesa armada necessária à vitória dos posseiros.

Articula-se o apoio de parlamentares estaduais e federais, leva-se ao conhecimento dos centros urbanos mais distantes a perspectiva da luta pela terra dos camponeses. A militância da juventude estudantil tem atuação nas cidades e no campo.

No plano organizativo, os comunistas articulam a criação da Associação dos Trabalhadores Agrícolas de Trombas e Formoso. Essa entidade aglutinou e dirigiu o movimento, promoveu ações judiciais em defesa dos posseiros. Com o aprofundamento das lutas, a Associação treinou e abasteceu a luta armada: foi o Estado Maior da guerrilha e do poder popular.

A diretoria, hegemonizada pelos comunistas, contava com José Porfírio (presidente), João Soares, José Ribeiro, Geraldão e Granja. Foram os criadores dos Conselhos do Córrego, a modalidade das assembleias em comunas, forma embrionária do poder popular. Nos conselhos, a população debatia e deliberava sobre o que fazer em cada situação, como prática efetiva ao longo de todo período de luta de resistência, fundamental ao trabalho de ligação e abastecimento na fase da luta armada.

Autodefesa 

Os latifundiários achacavam posseiros com cobrança de “taxas” de 30% da produção e a subscrição de “termos de renúncia de posse”. A tal subscrição dos latifundiários visava a, claramente, impedir ações de usucapião e o registro da propriedade a que tinham direito os posseiros. Na execução dessas “diligências”, os grileiros sempre estavam acompanhados do aparato policial e de jagunços pagos pelos fazendeiros.

Inúmeros posseiros cederam diante de tantas ameaças e deixaram a região. Saíram de mãos abanando, temendo perder a vida e a dos seus familiares. Porém, outros tantos resistiram, negarem-se a deixar para trás o trabalho de toda a vida: casa, plantações e criações. Buscaram apoio e o receberam junto à Associação dos Lavradores.

No roçado do Coqueiro Velho, do posseiro Nego Carreiro, os grileiros não esperavam a reação do camponês e, antes de o sargento Nelson sacar sua arma, Carreiro acertou-lhe um tiro de garrucha na cabeça e o outro na orelha de um soldado. Foi o suficiente para que a tropa de valentões corresse em debandada.

Depois do conflito em Coqueiro Velho, houve diversas batalhas cruentas entre 1954 e 1957. Os confrontos armados dos fazendeiros, grileiros, polícias militares, de um lado, e camponeses, do outro, registrou mais de cem mortos. Os camponeses se deslocaram das áreas de Formoso para as bandas de Trombas. As forças reacionárias e repressivas estatais detinham superioridade militar. A imprensa reacionária alardeava o eterno “perigo comunista”.

A chamada Batalha de Tataíra foi o principal foco da guerrilha, o palco do combate mais cruento. A pretexto de fazer justiça pela morte do farmacêutico Joaquim Alencar, que espionava e sabotava os guerrilheiros, os oligarcas organizaram uma forte expedição com tropas da polícia e jagunços privados. Utilizaram dois caminhões carregados com tropas, usando crianças e mulheres da população local como escudo, para arrefecer o ataque dos guerrilheiros. Mais de cem mortos foram contabilizados nessa luta histórica.

Vitória

A correlação de forças local e a conjuntura nacional nesse período do Governo JK fazia a balança pender para os camponeses. O governador de Goiás correu para encontrar a solução e evitar maiores danos. Era favorável à legalização das terras para os posseiros para suspender a luta armada e pacificar a situação, e, assim, viabilizar os investimentos das grandes obras. A instabilidade provocada pela guerrilha era risco efetivo de prejuízos, de atrasos, ou mesmo de suspensão e mudança de planos nas obras estruturantes da região. No ano de 1956, expediu-se a ordem expressa de retirada das tropas militares e deu-se início a um acordo com os camponeses.

Vitória da luta! Os posseiros de Trombas e Formoso pegaram em armas pelo direito à vida, à terra e ao trabalho.

Cioso pela paz, o senhor governador utilizou aviões para jogar panfletos, anunciando a pacificação dos ânimos. Na negociação de paz, assegurou-se a posse e a criação de uma delegacia com atribuição de garantir os termos do acordo subscrito. O triunfo da luta camponesa completa-se em 1962, com a distribuição dos títulos de posse para os posseiros de Trombas e Formoso.

Fontes: 

A Práxis do Guerreiro, a história de Antônio Ribeiro Granja; Dino Oliveira Gomes; Edições Fundação Astrojildo Pereira, 2006.

A Revolta de Trombas e Formoso; Maria Esperança Fernandes Carneiro; site da UFG.

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