O aborto no Brasil é legalizado em casos de estupro, risco à vida da gestante e fetos anencéfalos, mas mulheres enfrentam barreiras para acessar esse direito. O Conselho Federal de Medicina proibiu abortos após 22 semanas, mesmo legalizados. Movimentos de mulheres têm lutado pela legalização mais ampla, e o apoio popular cresceu.
Movimento de Mulheres Olga Benario
MULHERES – O aborto é a prática de interromper uma gestação e é legalizado em três casos no Brasil: gravidez fruto de estupro; risco de vida à gestante; feto anencéfalo (quando ocorre ausência do encéfalo, região do cérebro que faz parte do sistema nervoso central). Ainda assim, mesmo nestes casos, muitas mulheres e crianças são impedidas de acessar esse direito fundamental para suas vidas.
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma norma na qual proíbe médicos de realizarem o aborto em gestantes com mais de 22 semanas de gestação, mesmo amparado em lei para esses três casos. Além disso, houve a recente suspensão, por parte do Conselho Regional de Medicina (Cremesp), de duas médicas de São Paulo que realizavam o procedimento de aborto legal.
Esses não são casos isolados. Vários ataques fascistas têm dificultado o acesso ao aborto legal, seja com propostas de lei seja com o sucateamento e o fechamento de serviços públicos onde são realizados abortos. Mas isso não é nenhuma novidade: na Constituição da Alemanha nazista havia uma lei que proibia os médicos de falar sobre os métodos do procedimento de aborto; já na Itália fascista a contracepção era proibida, pois o papel das mulheres deveria ser de esposa e mãe.
Por outro lado, os movimentos de mulheres têm fortalecido a luta pela legalização do aborto de forma mais ampla, construindo frentes de luta e alcançado mais mulheres. Resultado disso é que a pesquisa mais recente do Datafolha sobre o tema mostra que cresceu a porcentagem das pessoas que defendem a descriminalização do aborto. Em 2018, era de 33% e, neste ano, passou para 42%.
Questão de saúde pública
A proibição do aborto não impede que ele seja feito: uma a cada sete mulheres de até 40 anos já realizaram aborto no Brasil. Em 2021, 43% das mulheres que realizaram o aborto de forma insegura precisaram ser hospitalizadas. A cada dois dias, uma mulher morre em decorrência de um aborto realizado de forma insegura, sendo a quinta principal causa de morte materna. Somente em 2019, mais de 21 mil meninas, entre 10 e 14 anos, tornaram-se gestantes fruto de estupro. De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2008 e 2017, foram gastos R$ 486 milhões com internações decorrentes de complicações com aborto.
Portanto, legalizar o aborto é uma questão de saúde pública em defesa da vida de mulheres e crianças que se colocam em risco interrompendo uma gestação indesejada.
Legalizar o aborto aumenta sua prática?
Atualmente, o aborto é legalizado em 77 países. Vejamos alguns exemplos:
– Estados Unidos: em 1973, a taxa das jovens de 15 a 17 anos que realizavam aborto era de 17 a cada 1.000 e, em 2016, passou para 4;
– França, onde é legalizado o aborto até a 12ª semana desde 1975: a taxa por mil mulheres era de 19,6, em 1976, e diminuiu para 15,7, em 2019;
– Uruguai, onde é legalizado até a 12ª desde 2012: 40% das mortes maternas estavam associadas a abortos realizados de forma insegura; a taxa caiu para 8% na última década, além do número de gestações indesejadas caírem para 11% na faixa etária de 20 a 34 anos;
– Portugal, em que é permitido o aborto até a 10ª semana, desde 2007: de 18 mil abortos realizados em 2008, passou para menos de 15 mil em 2017.
Estes dados revelam que a legalização do aborto não faz com que o número de abortos realizados aumente. Principalmente porque a legalização do aborto também é associada a outras políticas, como maior divulgação e distribuição de métodos contraceptivos.
Mas como legalizar o aborto?
Na Argentina, em que o aborto é legalizado desde o final de 2020, a luta pela legalização contou com uma frente ampla com movimentos de mulheres, partidos progressistas e diversos grupos religiosos que, há anos, realizam encontros presenciais massivos. Entre um encontro e outro, eram realizadas atividades para conversar com a população argentina sobre a legalização do aborto e trazer mais mulheres e apoiadores. Já na França, onde o direito ao aborto se tornou constitucional a partir deste ano, 85% da população é a favor da legalização do aborto. Portanto, para que o aborto seja legalizado, é necessário um amplo movimento de massa que dispute a consciência do povo.
Além disso, somente a legalização do aborto não resolve. É necessário lutar por educação sexual nas escolas, acesso gratuito e ampla divulgação de métodos contraceptivos.
Por último, vale lembrar que a União Soviética foi o primeiro lugar do mundo a legalizar o aborto, em 1920. Isto porque, no regime socialista, foi assegurado que o papel das mulheres não era só ser mãe e trabalhar em tarefas domésticas. O cuidado dos filhos era responsabilidade social e não caía somente sob os ombros das mulheres, como acontece no capitalismo. Estas e outras medidas permitiram que as mulheres pudessem trabalhar fora de casa e participar da vida política, decidindo o rumo de suas próprias vidas e também de toda a sociedade. Portanto, lutemos pela legalização do aborto e também pela sociedade onde, de verdade, seremos livres!