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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Independência para quem?

A “Independência” de 1822, na verdade, foi um pacto de elites que resultou na manutenção da estrutura econômica do colonialismo, deixando um legado de submissão às potências econômicas internacionais. A verdadeira Independência virá com a conquista do socialismo no Brasil, por meio da luta popular

Natanael Sarmento* | Recife (PE)


Como demonstrado na primeira parte deste artigo, publicada na última edição de A Verdade (nº 298), o Brasil foi palco de inúmeras lutas e revoltas populares antes da dita Independência de 1822. No entanto, as narrativas historiográficas das classes dominantes omitem as questões materiais essenciais e as lutas de classe.

Minimizam o processo de exploração e opressão dos escravizados (indígenas e negros), dos camponeses e dos operários em narrativas legitimadas em artigos, livros e “pesquisas científicas” sobre a Independência do Brasil. Registram causas e consequências com alguma veracidade naquilo que não contraria os interesses centrais das elites. Criam e sedimentam a “cultura hegemônica” difundida pelos aparelhos ideológicos da burguesia: mídias digitais, radiofônicas, televisivas, imprensas, igrejas, escolas, universidades, etc. Ressaltam “causas externas e internas”: mudança da família real para o Brasil (omitem a fuga vergonhosa); progressos econômicos e políticos da Corte no Brasil: abertura dos portos (ocultam a sujeição à Inglaterra); ressaltam a elevação do Brasil ao status de Reino Unido de Portugal. Fazem apologias à criação do Banco do Brasil, escolas, teatros, bibliotecas, à expansão territorial. Ocultam que as classes abastadas foram os maiores beneficiados desse “progresso”. Escondem o sangue derramado de quem pagava a conta: o trabalho escravo nos engenhos de açúcar, fazendas de café e minas. Não enfatizam a natureza exploradora da usurpação das riquezas nacionais apropriadas pelas elites dominantes.

Nessa toada, o episódio de 07 de setembro de 1822 ungiu à condição de herói o príncipe regente D. Pedro I. Nas “margens plácidas do rio Ipiranga”, arrancou as insígnias lusitanas, brandiu a espada sob céu da pátria e gritou: “Independência ou Morte!”. D. Pedro I é aclamado imperador, defensor perpétuo do Brasil, pela Graça de Deus. Seria o fim dos laços coloniais entre Brasil e Portugal? O Brasil passou, de fato, a ser uma nação independente?

Tratado de Panos e Vinhos

As classes dirigentes de Portugal não desenvolvem seu país. Transferiram a maior parte do ouro extraído no Brasil para os ingleses e, deles, se tornam dependentes. Na escala da exploração, a Inglaterra explorava Portugal, que explorava o Brasil.

“O Tratado Methuen” do comércio bilateral anglo-luso foi popularizado com o nome de “Panos e Vinhos”. Assinado em 1703, vigorou até o segundo quarto do século XIX, extremamente prejudicial para Portugal. Na prática, Portugal perdia a soberania e se tornava colônia Inglesa. A economia portuguesa se afundava: os lusos exportavam produtos primários, açúcar, fumo e depois, o vinho, para a Inglaterra. Os britânicos exportavam manufaturas, tecidos e produtos industrializados. A balança comercial nessa troca de valores desiguais não se equilibrava. Sem desenvolver a própria indústria, Portugal consumia quase todos os produtos da Inglaterra. Restava aumentar a produção e a exportação de vinhos. Os portugueses ocupam a maioria das suas terras agrícolas com vinhedos. Reduzem a produção local de grãos e cereais, sendo obrigados a importar tais produtos para o abastecimento interno.

A dívida lusa só aumentava e disparou com os gastos relativos ao aparato da proteção da armada inglesa na fuga de D. João VI e sua Corte para o Brasil, em 1808, na invasão napoleônica. Cada vez mais dependente da Inglaterra, Portugal usava o ouro do Brasil para amortecer a dívida com os ingleses. A maior parte do ouro brasileiro vai parar nos bancos da Inglaterra.

A escolta da família real (1808) e a expulsão das tropas napoleônicas de Portugal (1810) elevam enormemente a dívida lusitana com a Inglaterra, “nação amiga”. A crise econômica e política dos lusos endividados pela guerra, enfrentando a crise de produção e escassez de alimentos, alta dos preços, agitava o país. Ademais, os “amigos ingleses” apresentavam a fatura da amizade imperialista. Para “proteção” dos portugueses, deixam as tropas militares estacionadas no país e nomeiam como chefe militar e governante em Portugal o general inglês William Carr Beresford. O exército lusitano ficou subordinado ao comando dos ingleses.

Revolução do Porto

As elites prejudicadas – burguesia, clero, militares e nobreza não exilada no Brasil perdia poder, dinheiro e prestígio. A relação mercantil direta entre Brasil-Inglaterra afundava a economia portuguesa. Com o “patriotismo” abalado, essa elite lusitana esboça reações para a “regeneração lusitana”. Usam a retórica da nação ocupada por estrangeiros e sob a regência de monarca absolutista exilado no Brasil.

Os movimentos conspiratórios das elites portuguesas têm natureza liberal, no sentido de mais poder para a burguesia e limitação de poderes do rei, e restauradora de privilégios perdidos. Pretendiam: afastamento do inglês Will Carr Beresford; fixação da sede da monarquia no país; constituição para limitar os poderes absolutos do rei; manutenção do sistema colonial, inclusive no Brasil, que perderia o status de Reino Unido e voltaria a ser colônia da Metrópole Portuguesa.

Em 1817, ocorreu o ensaio geral da rebelião, a “Conspiração de Lisboa”. O Quartel de Artilharia é sublevado sob o comando do general português Gomes Freire de Andrade. Mas o motim deu com os burros n’água. Os ingleses que controlavam Lisboa reprimiram violentamente o levante. O general lusitano foi fuzilado, aumentando a revolta e as articulações.

Em 24 de agosto de 1820, os militares dão início à revolução, na cidade do Porto. Tomam a Câmara Municipal e formam a Junta Provisória do Governo Supremo do Reino. No Manifesto da Nação aos Povos Soberanos da Europa, proclamam os objetivos da revolução de regeneração econômica e independência de Portugal; de instituição de governo monarquista-constitucional. Convocam as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa visando à elaboração da Constituição. A historiografia registra como revolução liberal, mas Estado burguês permaneceu absolutista e repressor contra a maioria dos portugueses pobres, dos escravos e libertos pobres das suas colônias. No rol das resoluções da Revolução do Porto, constava a exigência de restabelecimento da sede da administração do reino em Lisboa e a volta imediata do rei D. João VI para jurar a nova Constituição.

As notícias da Revolução do Porto demoram mais de um mês para chegar ao Brasil. Com a corda no pescoço – permanecer rei dos portugueses com poderes limitados, ou ser deposto pelas Cortes – não restava outra alternativa a D. João VI, senão voltar a Portugal.

Deixa no trono brasileiro o filho D. Pedro I, português de nascimento, então com 22 anos. Consta que D. João VI, na partida para Lisboa, antevia a possibilidade de movimento de independência das classes dirigentes do Brasil. E aconselhou ao seu herdeiro sucessor: “põe essa Coroa na tua cabeça antes que algum aventureiro lance mão!”. Peculiar independência. Proclamada pelo monarca da mesma dinastia que reinava na Metrópole com a qual rompia.

Independência para quem?

O “grito do Ipiranga” foi melodia para as classes dominantes do Brasil: burguesia, oligarquias escravistas. Não soou nas senzalas, nos rincões dos nativos caçados e usurpados de suas terras. Nem pelos pobres libertos, brancos, negros ou mestiços. Escravos, camponeses, trabalhadores pobres permaneceram como antes. A “independência” manteve os privilégios das classes abastadas do Brasil.

O Brasil “independente” manteve velhas estruturas econômicas e políticas. Permaneceu agrário, latifundiário, exportador primário, escravista, colonial e monarquista. Endividado e obrigado a pagar a dívida externa para obras estruturais do desenvolvimento nacional. Importador de produtos industrializados e técnicos e exportar de produtos primários. O tratado anglo-brasileiro de “Aliança, Comércio e Amizade” estabelecia cláusulas de sangria e monopólio no comércio das manufaturas inglesas e sobretaxação dos produtos de outros países, aprofundando a dependência econômica e técnica.

O que mudava com a chamada “Independência” em 07 de setembro de 1822? O Brasil retirava a corda do pescoço da forca lusitana e colocava a da forca “neocolonial dos banqueiros” ingleses. Na condição de devedor dos credores ingleses, o Império do Brasil foi coparticipante do genocídio no Paraguai. Guerra de rapina imperialista, ordenada pelos ingleses e executada pelas novas colônias “independentes formalmente” (Brasil, Argentina e Uruguai).

Além disso, o custo do reconhecimento da independência do Brasil pela Inglaterra foi o pagamento da dívida astronômica contraída por Portugal, no valor de 3,1 milhões de libras, além de montanhas de ouro e metais preciosos, toneladas de café, açúcar.

Duzentos e dois anos depois da “Independência”, nossa nação permanece enforcada pelos banqueiros donos do mundo. Saqueiam quase metade do Orçamento da União no pagamento dos juros e “serviços” da dívida pública. Soberania alienada a credores que ditam os rumos da economia e submetem o país à cartilha dos países imperialistas. Aumentamos também a dependência econômica, científica e tecnológica. Ampliamos as desigualdades sociais e regionais. Aumentamos a distância entre pobres e ricos.

Degradam as empresas estatais para desvalorizar e pavimentar privatizações do patrimônio público, na pilhagem burguesa das privatizações. A Fazenda Pública Nacional financia as operações para salvar capitalistas falidos. A burguesia defende o Banco Central independente do Estado e dependente deles, dos banqueiros, que visam a lucros fabulosos com juros escorchantes para o povo, também endividado.

A alternativa do poder popular e socialista é única saída para a nação. Imediata suspensão do pagamento dessa dívida não contraída pelo povo, com auditoria revolucionária, capaz de expropriar os expropriadores e reverter em benefício da maioria pobre todas riquezas produzidas pela classe trabalhadora.

*Natanael Sarmento é do diretório nacional da Unidade Popular

Matéria publicada na edição nº 299 do jornal A Verdade

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