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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Por que falta acesso ao cinema para a classe trabalhadora?

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O sucesso do filme Ainda Estou Aqui levantou um importante debate sobre a produção cinematográfica brasileira. Porém, precisamos perguntar por que o cinema ainda é tão caro e distante da realidade da maioria dos trabalhadores de nosso país.

Gabriela Calixto | Recife


CULTURA – Com o estrondoso sucesso de “Ainda Estou Aqui” de Walter Sales, o cinema voltou a ser um assunto em alta no cenário brasileiro. O filme, além de ter levado milhões de brasileiros para as salas de cinema, tem destacado nossa cultura lá fora e a nossa história política recente. Ainda assim, o hábito de ir ao cinema é algo extremamente caro e pouco acessível para a maioria das nossas população.

Em um mundo marcado por jornadas exaustivas de trabalho, o ato de consumir um filme se torna um meio de escapismo e reflexão, conectando pessoas e histórias em que muitas vezes, refletem suas lutas diárias e seus desejos. Assim, é preciso olhar para o impacto do cinema na vida da classe trabalhadora como algo que transcende o entretenimento: ele é um espaço de pertencimento, uma ferramenta de educação e um instrumento de resistência cultural.

No entanto, sabe-se que nesse sistema capitalista exploratório, o acesso à cultura e educação é completamente negligenciado a classe trabalhadora. Devido ao alto preço dos ingressos, gastos com alimentação e transporte, a constância em consumir filmes em uma sala de cinema fica em segundo plano para pessoas de baixa renda – em segundo não, em último. Entretanto, a falta de acesso da classe trabalhadora a essa importante atividade cultural, não é de hoje, mas faz parte de um projeto de transcende décadas e vem desde a sua origem.

Dos Vaudevilles aos Nickelodeons

A história do Cinema começa com as transmissões dos irmãos Lumière, que em 28 de dezembro de 1825 fazem as primeiras exibições, suas ideias envolviam criar curtas que mostrassem as pessoas fazendo atividades do cotidiano, com os mais famosos sendo “A saída dos operários da fábrica” e “A chegada do trem na estação”. Com o desenvolvimento da tecnologia os projetores ganharam fama e se espalharam, surgindo especialmente nos Estados Unidos as pequenas salas de cinema, chamadas de Nickelodeons, fazendo alusão ao valor do ingresso (níquel, o centavo americano) e ao formato (Odeon, teatro coberto). Passando de tudo, desde de desenhos animados a comerciais essas salas de entretenimento tornaram-se uma febre e a percussora do Cinema como o conhecemos.

Antes da ascensão dos Nickelodeons, o entretenimento da classe trabalhadora se dava, entre outros meios, através dos vaudevilles, um tipo de espetáculo teatral criado na França, muito popular entre o final do século XIX e início do século XX especialmente nos EUA, que consistia em apresentações curtas e variados, incluindo esquetes cômicos, números musicais, dança e até performances de mágica e ilusionismo. Seu formato acessível e sonoro controlado por grande parte do proletariado urbano, que encontrava nos vaudevilles uma forma de lazer acessível.

Com a chegada do cinema, muitas das características dos vaudevilles foram incorporadas às primeiras produções cinematográficas, especialmente as curtas cômicas e as apresentações burlescas.

Com o surgimento dos Nickelodeons  entre os anos de 1905 e 1915, e seu estrondoso sucesso, passa a surgir também uma indústria em torno desse entretenimento, visando aos poucos a sua elitização.

Os Nickelodeons fizeram sucesso entre a classe proletária. Porém, as suas salas eram completamente precarizadas, com cadeiras de madeira duras, sem qualquer tipo de acolchoados. Elas eram muito quentes e úmidas, e o cheiro de cigarro era forte e constante, já que na época simplesmente não existiam as proibições de se fumar em locais fechados, por exemplo. Apesar disso, o cinema era uma forma de entretenimento popular entre o proletariado, já que seu ingresso era muito barato, custando apenas cinco centavos de dólar, com um ingresso que lhe garantia permanência indeterminada nas salas, já que com apenas um ingresso, era possível assistir todas as obras em cartaz.

Os nickelodeons representaram um passo muito importante na democratização da cultura e educação da classe trabalhadora, contudo, esse acesso veio para evidenciar que, desde o início, o acesso dos mais pobres a atividades culturais é cheio de limitações e empecilhos.

O cinema como indústria e o Código Hays até os dias de hoje

Com o evidente potencial lucrativo dos cinemas, as grandes empresas de entretenimento passaram a investir mais na qualidade dos espaços, elevando o preço dos ingressos e mirando em um público-alvo. Surgem os grandes estúdios como os de Hollywood e cria-se com isso os primeiros passos de uma indústria cultural.  A partir daí, o cinema deixou de ser um espaço popular, e se tornou apenas um grande jogo de negócios, sendo altamente rentável e priorizando espectadores com maior poder aquisitivo. As pequenas salas do Nickelodeon agora batia de frente com as grandes salas dos grandes estúdios.

A partir da década de 1920, Hollywood consolidou seu domínio no cinema global, criando um sistema de estúdios que ditava como seria a produção, distribuição e exibição da época, consolidando o star system, modelo de contrato que exigia exclusividade nos contratos para atores em determinados estúdios, prática que foi banida 1948 por ser considerada abusiva, e os blockbusters (ou arrasa-quarteirões), filmes que conseguem, por meio do marketing, estratosféricas bilheterias, como é o caso do filme dos Vingadores, Ultimatum, de 2019, que rendeu uma bilheteria mundial de U$$2,7 bilhões, apesar de sua qualidade duvidosa.

Juntamente a isso, o cinema Hollywoodiano foi submetido ao Código Hays, nos anos 30, uma espécie de censura prévia que foi um conjunto de regras de caráter machista, racista, xenófobico, misógino e homofóbico que proibia conteúdos considerados “imorais” com o intuito na verdade de vender uma falsa imagem de uma suposta perfeita vida americana, onde, claro, seus filmes não podiam trazer questionamentos nem nada que incomodasse o status quo.

Essa regulamentação não apenas refletiu os interesses da elite conservadora, que obviamente envolviam distanciar as classes marginalizadas dessa importante atividade, mas também restringir narrativas à sociedade e ao sistema capitalista. Com isso, o cinema perdeu sua força como instrumento de resistência e reflexão, tornando-se um mero produto comercial e controlado pelas elites.

Ainda nos tempos atuais, percebe-se como o mundo audiovisual ao todo é dominado pelo modo de produção capitalista, onde as produções que vão para o circuito dos cinemas e grandes streamings são justamente as que tiveram a maior quantidade de capital investido. E, produções realmente boas, ficam de escanteio, por não terem dinheiro para se promover. Pode-se notar esse fato também quando vemos a falta de representatividade nas prestigiadas premiações, onde minorias são esnobadas e deixadas de lado. Por outro lado, mesmo quando uma produção foge desses padrões da indústria e apresentam uma crítica ao próprio sistema, tratam logo de a colocar em um pedestal, como um diferencial, um ponto fora da curva, numa tentativa escancarada de tentar esvaziar seu sentido. O maior exemplo disso é o fato que só tivemos um filme de língua não-inglesa ganhando a categoria de Melhor Filme do Oscar em 2020, exatamente com “Parasita” de Bong Joon-ho, cineasta sul coreano.

O acesso ao cinema sempre foi moldado pelas dinâmicas de classe e pelo lucro dos grandes estúdios. Desde os Nickelodeons até os multiplexes de hoje, a classe trabalhadora enfrenta barreiras para consumir essa forma de arte de maneira plena. No entanto, o cinema também pode ser um espaço de resistência, como demonstram movimentos de cinema independentes e iniciativas que visam democratizar o acesso à sétima arte. Por isso, devemos construir lutas para que artistas recebam mais incentivos para realizar esse tipo de trabalho, para que possamos ter mais cursos e formação nessa área, bem como o direto a montar cineclubes, documentários e outras iniciativas que fortaleça essa área, para que a classe trabalhadora tenha cada vez mais acessos a essa atividade tão importante

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