“A decisão de reintegração de posse contra a Ocupação de Mulheres Inês Etienne Romeu, em Cabo Frio (RJ), não apenas representa uma violação dos direitos humanos como também expõe a insensibilidade e o autoritarismo do prefeito, que se recusa a ouvir as mulheres.”
Chantal Campello | Cabo Frio (RJ)
A decisão de reintegração de posse contra a Ocupação de Mulheres Inês Etienne Romeu em Cabo Frio (RJ), recentemente solicitada pela Prefeitura e concedida pela Justiça, não apenas representa uma violação dos direitos humanos. Expõe também a insensibilidade e o autoritarismo do prefeito, que se recusa a ouvir as mulheres que, há meses, buscam nesse espaço a dignidade e a segurança que o Estado, através das políticas públicas, deveria garantir. Em vez de promover o diálogo, a solução encontrada foi a repressão, uma escolha equivocada e cruel diante de um problema que se arrasta há décadas.
Brasil afora, as ocupações realizadas pelo Movimento de Mulheres Olga Benario desempenham um papel fundamental na luta contra a violência de gênero e na promoção de políticas públicas eficazes para as mulheres. Essas iniciativas transformam imóveis abandonados em espaços de acolhimento e apoio, oferecendo atendimento psicológico, jurídico e social a mulheres em situação de vulnerabilidade.
Além de fornecer suporte direto, as ocupações servem como centros de organização popular, onde são promovidas atividades culturais, cursos de formação e debates sobre os direitos das mulheres. Essas ações não apenas conscientizam, mas também mobilizam a comunidade para enfrentar as desigualdades de gênero.
Em suma, as ocupações do Movimento de Mulheres Olga Benario exemplificam uma estratégia eficaz de resistência e construção do poder popular.
A luta das mulheres na Região dos Lagos
Os índices de violência na Região dos Lagos são alarmantes e refletem um cenário de desamparo para muitas mulheres. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio de Janeiro apresenta uma média de 5,2 feminicídios por mês, e a região não está imune a esse cenário. Em Cabo Frio, os índices de violência contra mulheres são especialmente altos, com denúncias de agressões físicas e psicológicas registradas em número crescente. A falta de políticas públicas efetivas para enfrentar essa violência só aumenta o ciclo de medo e vulnerabilidade.
Por isso, localizada no cidade de Cabo Frio, a Ocupação Inês Etienne Romeu denuncia a situação grave que vivem as mulheres na Região dos Lagos.
“Esse espaço tem sido um refúgio para nós. Aqui, encontramos força, apoio e uma perspectiva de vida. Muitas de nós fomos vítimas de violência, e não apenas violência física, mas violência psicológica, onde a sociedade e o próprio Estado viraram as costas. Aqui, não somos só um número. Somos mulheres com voz e com história. E é isso que o prefeito e quem decide por essa reintegração de posse não vê. Não estamos invadindo, estamos buscando um futuro. Esse espaço é de acolhimento, de luta e de construção de uma nova realidade”, afirma Dona Conceição, de 73 anos, acolhida da casa do Movimento de Mulheres Olga Benario.
A cidade sofre com uma escassez de serviços essenciais de acolhimento e suporte à mulher, como casas-abrigo e centros de atendimento psicológico e jurídico. A ausência de programas habitacionais e a falta de uma abordagem integrada no enfrentamento da violência só agravam a situação. Porém, em vez de agir em conformidade com as necessidades das mulheres, a administração municipal opta pela repressão.
A organização das mulheres como caminho para a libertação
A luta das mulheres da Ocupação Inês Etienne Romeu é uma demonstração clara de que somente por meio da organização popular e da construção coletiva de um novo modelo de sociedade é que será possível combater a violência e garantir direitos básicos para todas as mulheres. O movimento das mulheres vai muito além da resistência contra a repressão e a opressão. É uma força transformadora, que exige não só moradia, mas justiça, igualdade e a criação de um Estado que respeite as especificidades e as necessidades de sua população mais vulnerável.
Somente a organização das mulheres, sua união e sua luta incessante por uma sociedade mais justa, sem violência e com respeito à dignidade humana, poderá derrubar as estruturas que perpetuam a desigualdade. O poder público, ao se omitir e adotar posturas autoritárias como a reintegração de posse, não faz mais do que aprofundar o ciclo de opressão que essas mulheres enfrentam diariamente.
Reintegrar a posse da casa e propor a demolição da Ocupação Inês Etienne Romeu, sem oferecer alternativas viáveis para a continuidade do trabalho e sem garantir políticas públicas efetivas para as mulheres e sem escutar suas vozes, é uma decisão política equivocada. Ao contrário, é urgente que o município de Cabo Frio, assim como todo o Brasil, invista em políticas públicas que garantam a segurança e respeito às mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade.
Além disso, a coordenadora da ocupação, Pétala Cormman, enfatiza a importância desse espaço não apenas como um abrigo, mas como um símbolo de poder popular.
“Construir esse espaço é construir um verdadeiro poder popular. Este é um espaço de mulheres que se levantam, que não aceitam a violência e a marginalização, mas que também sabem que a luta não termina dentro dos muros da nossa casa. Queremos ampliar esse poder, queremos que nossa voz ecoe para além desse espaço. O que buscamos é uma mudança social verdadeira, onde mulheres, especialmente as mais vulneráveis, possam ser respeitadas e garantir seus direitos em todas as esferas da sociedade.”
Diante das ameaças constantes de despejo e da criminalização da nossa ocupação, o Movimento de Mulheres Olga Benario reafirma sua decisão de não aceitá-las passivamente. A luta das mulheres por dignidade e uma vida sem violência continua firme, baseada na organização coletiva e na solidariedade. A resistência é uma escolha política, e ocupar é uma forma legítima de exigir direitos negados historicamente à classe trabalhadora e às mulheres pobres.