UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Honestino Guimarães, presidente da UNE assassinado pela ditadura militar

Leia também

Conheça a história de Honestino Guimarães, herói da luta contra a Ditadura Militar Fascista.

Leo Ribeiro e Raissa Studart | Brasília


“A perseguição dos exploradores não me intimida”

HERÓIS DO POVO BRASILEIRO – Honestino Monteiro Guimarães, Gui, nasceu no dia 28 de março de 1947 em Itaberaí, interior de Goiás, filho de Benedito e Maria Rosa, irmão de Luiz Carlos e Norton. Honestino e seus irmãos foram ensinados desde cedo a estudar muito, cultivar a solidariedade com o povo desassistido pelo governo local e soprar velas de aniversário em cima de um bolo com a bandeira da União Soviética.  

Com a construção da nova capital no governo Juscelino Kubitschek e as promessas de estabilidade financeira que chegavam por ondas de rádio, os Monteiro Guimarães seguiram o mesmo caminho percorrido por tantas outras famílias dos interiores brasileiros e se despediram para sempre da vida caipira. Em 1960, fixaram-se no centro de Brasília, numa casa do primo de Honestino.  

Luta estudantil 

Sempre bom aluno, Honestino se destacou rapidamente na nova escola, o Centro de Ensino Médio Elefante Branco. Lá, fundou o grêmio estudantil, que carrega seu nome até hoje. Organizou com amigos a distribuição de um jornal dos estudantes, a fim de suscitar o pensamento crítico referente à situação do país e do sistema educacional, porém as atividades foram interrompidas pelo secretário de educação do DF que visitava o colégio, e logo tratou de interditar a circulação do jornal. Consequentemente, Honestino e seus amigos levantaram piquetes para impedir a entrada do secretário e o liberaram somente quando o último exemplar do jornal foi vendido. 

Dois anos mais tarde, Honestino e o irmão são admitidos no Colégio Integrado de Ensino Médio (CIEM), fundado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira com o objetivo de inaugurar um inovador sistema de ensino que buscava exercitar a autonomia do aluno. Lá, Honestino funda o grêmio e ajuda na criação do Conselho de Representantes. A experiência secundarista chegava ao fim com a aprovação em primeiro lugar no curso de Geologia. Honestino teria sua primeira aula como aluno da UnB em 1966.

Liderança universitária 

O incêndio da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, foi um dos primeiros atos do golpe militar, demonstrando a disposição dos militares em reprimir os estudantes. Na UnB, a impossibilidade legal de se formar um Diretório Central dos Estudantes (DCE) livre foi driblada pelos estudantes através da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (Feub). Um ano depois que Honestino entrou na graduação, ocupou o cargo de presidência da entidade, denunciou a opressão imperialista americana, organizou passeatas e panfletagens. 

A Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho de 1968 no Rio de Janeiro, foi uma forte resposta ao assassinato do Edson Luís. Um mês depois, era Brasília que entrava em ebulição com uma grande manifestação em 28 de julho lotando a Avenida W3 Norte. A ditadura aumenta seu grau de perseguição e Honestino não teria sequer mais um mês de paz. Em agosto do mesmo ano, o Exército invade o campus universitário e o prende junto a outros 60 colegas. 

Ainda preso, faltando apenas um trimestre para se formar, em setembro de 1968, Honestino foi expulso da Universidade em decorrência da sua atuação política. Pouco tempo depois, em fevereiro de 1969, foi expedido o decreto 477, que justificava a expulsão de estudantes e professores que realizassem qualquer ato “subversivo” como passeatas ou distribuição de panfletos.

Vida clandestina 

Após quatro meses preso, é solto e, às vésperas da instauração do AI-5, em dezembro de 1968, Honestino e Isaura fogem para o Estado de Goiás. O jovem casal não podia passar muitos dias no mesmo lugar e, dependendo de amigos para garantir moradia e alimentação, foi de Goiás para São Paulo. 

Ele assumiu a vice-presidência da UNE em 1969, na gestão de Jean-Marc von der Weid, e dois anos mais tarde, em 1971, foi eleito presidente. Cumpria, na clandestinidade, suas tarefas na UNE e militava na Ação Popular Marxista-Leninista.

Em meio a um mundo de incertezas e temores, nasce sua filha Juliana, em 1970. A clandestinidade seguia necessária na luta contra a ditadura, de modo que Honestino e Isaura decidem se separar pouco depois de se tornarem pais. Gui cada vez mais se preparava para caso fosse preso e torturado. Mesmo correndo riscos, não deixava de ir aos grupos de estudos, de produzir poesias e de participar de assembleias estudantis.

Em janeiro de 1973, esteve junto da mãe pela última vez. Entregou uma denúncia, batizada de “Mandado de Segurança Popular”, documento a ser distribuído às entidades de promoção dos direitos humanos, a fim de que pudesse gerar alguma comoção para garantir a sua integridade física. O Mandado compunha uma denúncia ao aparelho de repressão, das injustiças a que estava submetido, além de compartilhar seus ideais e suas motivações para a luta. 

 No dia 10 de outubro de 1973, Honestino saiu para encontrar um camarada e nunca retornou. Três dias depois, sua mãe, Maria Rosa recebeu a notícia, em código, por telegrama, “Honestino foi internado no Rio”. Na mesma madrugada, ela contatou Gusto, novo parceiro de Isaura, para a divulgação do Mandado, mas nenhum jornal aceitou publicá-lo. Quando se discutia qual o maior legado deixado por Honestino, Maria Rosa jamais hesitou: “Ele não deixou a UNE morrer”.

Em 1979, na cidade de Salvador (BA), no congresso de reconstrução da UNE, com mais de 10 mil participantes, foi colocado um gigantesco painel com a sua foto e deixaram, na mesa que presidia os trabalhos, uma cadeira vazia em sua homenagem.

Memória, Verdade e Justiça 

As ameaças por participar do movimento estudantil eram grandes. Honestino sabia dos riscos envolvidos e se preparou física e mentalmente, como relatou em sua carta: “A perseguição dos exploradores não me intimida. Recebo-a como uma evidência de que é justo o caminho que trilho”.

Honestino era um quadro revolucionário marxista, com profunda convicção na luta e com clareza do papel das massas no processo de derrubada da ditadura e da construção do socialismo: “Sei que a luta será longa e árdua. Mas acredito firmemente na força da atuação coletiva das massas. E esta luta sem a real participação das massas trabalhadoras não nos levará a nada”.

Sua integridade e compromisso com a revolução brasileira é evidente pelo fato de que, mesmo sob tortura, não revelou os segredos da organização: sua prisão não gerou outras e o apartamento em que morava com sua namorada, Rosa, nunca foi encontrado pela repressão. 

Os processos correram em sigilo por décadas. Para a família, todos aqueles anos em luto pareciam uma angústia infinita. “Sem liberdade pela metade” foi a palavra de ordem durante a votação da Lei da Anistia. Reparação pode ser diferente de justiça, ou de liberdade, mas, para a família de Honestino, até as reparações pareciam vir sempre pela metade. Vinte e dois anos depois de seu desaparecimento, sua mãe recebe a certidão de óbito de Gui, que não indicava a causa da morte, nem o médico atestante ou o local do corpo. 

No dia 28 de março de 2025, Honestino faria 78 anos, e o legado das suas lutas por uma sociedade justa e democrática vive em todos nós. É por isso que, junto de sua família e de todas as outras famílias de mortos e desaparecidos políticos, lutamos pela revisão da Lei da Anistia. Sem uma justiça de transição, não será consolidada a democracia e estaremos sempre reféns das forças armadas e suas tentativas recorrentes de golpe. É necessária a punição dos golpistas e torturadores de 1964 e de hoje para que nunca mais se repita tamanha violência contra o povo brasileiro. 

Os fascistas militares achavam que assassinando Honestino acabariam com seus ideais. Erraram! Honestino vive! Cada dia está mais vivo e suas ideias estão cada vez mais presentes nas novas gerações. Desde 1997, seu nome estampa o histórico DCE da UnB, além do Museu Nacional da República Honestino Guimarães, localizado no coração de Brasília, e até a ponte que carregava o nome do ditador Costa e Silva hoje leva o seu nome. 

Honestino se manteve firme até os últimos momentos, como demonstra em sua carta: “Tenho vivido estes anos por um ideal que vem se mantendo aceso, creio, jamais se apagará – a luta pela causa do povo”.

  • Referência: Almeida, Betty. Paixão de Honestino Guimarães. Brasília: Editora UnB, 2016. 

Matéria publicada na edição n° 311 do Jornal A Verdade.

 

More articles

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos