Dados sobre renda centrados numa média podem enganar os desavisados, mas, quando comparados, escancaram as profundas desigualdades socioeconômicas do Brasil. De um lado, uma massa trabalhadora imensa lutando para sobreviver, enquanto uma pequena parcela de super-ricos vive no luxo e propagandeando que o Brasil é “um país de todos”.
Rafael Freire | Redação
EDITORIAL – No último mês de setembro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad Contínua), apontando um crescimento de 3,8% na renda média mensal do brasileiro em comparação a um ano atrás. O valor chegou à casa dos R$ 3.484,00.
Se quase 90 milhões de brasileiros (aposentados, trabalhadores formais e informais) possuem renda de até um salário mínimo por mês (R$ 1.518,00), então fica a pergunta: quem puxa essa média para cima? O percentual de 0,1% mais ricos da população brasileira possuem uma renda média de R$ 95 mil mensais (Fundação Getúlio Vargas), o equivalente a 158 beneficiários da faixa mínima (R$ 600,00) do Bolsa Família.
Dados sobre renda centrados numa média podem enganar os desavisados, mas, quando comparados, escancaram as profundas desigualdades socioeconômicas do Brasil. De um lado, uma massa trabalhadora imensa lutando para sobreviver, enquanto uma pequena parcela de super-ricos vive no luxo e propagandeando que o Brasil é “um país de todos”.
Lucros dos bancos
Vejamos agora quem realmente conseguiu “aumento de renda” (lucros extraordinários) no Brasil nas últimas décadas.
| Governo | Lucro inicial | Lucro final | Crescimento anual |
| Lula | R$ 6,1 bilhões | R$ 39,0 bilhões | 26,11% |
| Dilma | R$ 39,0 bilhões | R$ 54,5 bilhões | 5,73% |
| Temer | R$ 54,5 bilhões | R$ 65,6 bilhões | 9,71% |
| Bolsonaro | R$ 65,6 bilhões | R$ 95,8 bilhões | 9,92% |
| Fonte: Bloomberg | |||
Esses foram os lucros somados apenas dos quatro maiores bancos de capital aberto que atuam no país (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander). Em 2024, eles bateram o recorde e lucraram R$ 114 bilhões.
E sabe como esses bancos lucram tanto? Primeiro, explorando seus funcionários e demitindo-os para explorar ainda mais os que ficam, como denunciou A Verdade, em sua última edição (nº 321), a demissão em massa de mil trabalhadores do Itaú.
Em segundo lugar, cobrando juros extorsivos das famílias trabalhadoras. De fato, mais de 78 milhões de brasileiros estão inadimplentes, segundo o Serasa. Já a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) aponta que mais de 43% da população adulta do país está com contas atrasadas, e o tempo médio de atraso só cresce. A própria CNDL, entidade que representa os capitalistas do comércio, reconhece que os juros são um dos principais responsáveis por esse cenário. “A gente tem uma taxa de juros que ficou num patamar muito alto [taxa Selic de 15% ao ano]. As famílias têm menos espaço para outras compras ou para poder quitar dívidas que já estavam feitas antes”, afirma a entidade.
Os brasileiros com idades entre 41 e 60 anos representam a maior parcela da população endividada (35,3%). Na sequência, estão as faixas etárias de 26 a 40 anos (34%); acima de 60 anos (19,2%); jovens entre 18 e 25 anos (11,5%).
Levantamento da plataforma Gigu, que auxilia motoristas de aplicativos a calcular a lucratividade de suas corridas, apontou que 92% desses trabalhadores estão endividados, sendo que, em 68% dos casos, as dívidas comprometem as despesas essenciais com alimentação, moradia e as contas de casa. Em São Paulo, maior cidade do país e com alto custo de vida, eles chegam a trabalhar 60 horas por semana, mas sua renda não passa dos R$ 4.000,00 por mês, e, muitas vezes, param de trabalhar por não conseguirem fazer a manutenção dos seus veículos. Em Maceió, capital de Alagoas, a renda média mensal cai drasticamente para R$ 1.800,00.
Portanto, dentro da lógica do sistema capitalista, todo e qualquer aumento na renda da classe trabalhadora brasileira é prontamente corroído pela inflamação dos itens básicos (alimentação, transporte, moradia, saúde, vestuário, etc.) e pela extorsão dos bancos.
Como definiu o revolucionário russo V. I. Lênin, os bancos se fundiram ao capital industrial e se transformaram em imensos monopólios capitalistas:
“A operação fundamental e inicial que os bancos realizam é a de intermediários nos pagamentos. É assim que eles convertem o capital-dinheiro inativo em capital ativo, isto é, em capital que rende lucro; reúnem toda a espécie de rendimentos em dinheiro e colocam-nos à disposição da classe capitalista. À medida que vão aumentando as operações bancárias e se concentram num número reduzido de estabelecimentos, os bancos convertem-se, de modestos intermediários que eram antes, em monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou de muitos países. Esta transformação dos numerosos modestos intermediários num punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais da transformação do capitalismo em imperialismo capitalista.” (Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo)
É exatamente o caso da família Moreira Salles, que detém um terço das ações do Itaú Unibanco e é dona da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), com um monopólio de 75% do nióbio mundial. Trata-se de um metal de grande resistência e condutividade, utilizado na produção de um décimo de todo o aço do mundo para a melhoria da qualidade da liga metálica, sendo aplicado no setor automotivo, aeroespacial, de construção, em baterias e em equipamentos de saúde. A família possui ainda vastas plantações de laranja e de cana-de-açúcar, além de ter comprado, em 2017, a Alpargatas, dona da marca de sandálias Havaianas.
Das 12 pessoas mais ricas do Brasil, segundo a revista Forbes, quatro são membros dessa família. A soma das fortunas desses magnatas é de quase US$ 131 bilhões (R$ 693 bilhões). O brasileiro mais rico é Eduardo Saverin, cofundador da rede digital Facebook, com declarados US$ 34,5 bilhões (R$ 183 bilhões).
Solução é a luta
Não há outra maneira de o povo trabalhador sair desse buraco em que os ricos querem nos aprisionar, senão a luta coletiva, organizada, da nossa classe. Foi o que fizeram milhares de pessoas no Brasil no mês de setembro.
No dia 07 (Dia da “Independência”), cerca de 5 mil pessoas atenderam ao chamado do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) (ver pág. 8) e realizaram uma Jornada Nacional de Ocupações em 15 estados. Em Recife (PE), as famílias realizaram a Ocupação Gregório Bezerra num prédio abandonado do INSS.
Maria Aparecida Ferreira, 38 anos, é auxiliar de serviços gerais numa loja de automóveis, trabalhando na escala 6×1, de segunda a sábado. Seu marido trabalha como lavador de carros num lava-jato, e a renda somada é de dois salários mínimos. Moram na casa onze pessoas (além do casal, são cinco filhos, três netos pequenos e a mãe idosa). “Pago aluguel há 18 anos, hoje 650 reais, mais 400 de água e energia, fora as despesas com alimentação e remédios para os bebês e minha mãe doente. É muito difícil viver assim porque, hoje, a gente paga o aluguel e, amanhã, já tá devendo. Depois que conhecemos o MLB e viemos pra Ocupação, temos apoio na alimentação coletiva e estamos lutando por nossa moradia própria. A sociedade nos oprime e não temos direito a se alimentar bem, à saúde, ao lazer, como diz a Constituição”, relata Aparecida.
À luta também foram milhares de brasileiros no dia 21 de setembro no ato nacional contra a PEC da Impunidade e o perdão às penas da organização criminosa encabeça pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus generais fascistas. Seguramente, foram mais 600 mil pessoas em, pelo menos, 60 cidades. Em São Paulo e no Rio de Janeiro os atos contaram com mais de 100 mil pessoas, cada. No Rio, importantes artistas participaram, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Ivan Lins. Belo Horizonte (50 mil); Fortaleza e Recife (40 mil, cada); Brasília, Salvador, Natal e Porto Alegre (20 mil) estiveram entre os maiores atos do país. Na Paraíba, houve atos na capital João Pessoa e em Patos, cidade de origem do presidente da Câmara Hugo Motta, onde, inclusive, seu pai é o atual prefeito.
A PEC da Impunidade previa que deputados, senadores e presidentes de partidos só poderiam ser processados e julgados com autorização do Congresso Nacional. Na prática, era uma forma de impedir que políticos corruptos fossem processados e condenados na Justiça. Fruto dos atos, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado rejeitou por unanimidade a PEC uma semana depois que os deputados a aprovaram, junto com o regime de urgência do projeto de perdão aos golpistas de 08 de janeiro de 2023.
Mas engana-se quem pensa que toda essa gente foi às ruas apenas contra dois projetos legislativos, mesmo que de grande importância à nação. As graves contradições vivadas pelo povo brasileiro, fruto da exploração capitalista; as ameaças imperialistas, especial dos EUA; a crescente consciência antifascista; enfim, o acirramento da luta de classes são elementos centrais na realidade nacional e devem ser desenvolvidos para uma correta ação das organizações revolucionárias rumo à construção do poder popular e do socialismo.
Editorial publicado na edição nº322 do Jornal A Verdade.