A luta pela paz na Colômbia

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TIMOLEÓN JIMÉNEZ
TIMOLEÓN JIMÉNEZ
O processo de diálogos pela paz iniciados com o intermédio do governo cubano, na cidade de Havana, se encontram em um encruzilhada em virtude da política do governo colombiano. Além de não ceder nas reivindicações sociais levantadas pela insurgência, o governo se nega a declarar um cessar-fogo e quer fazer a paz debaixo de bomba e tiro.
No dia 18 de novembro, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) capturaram um general de brigada, o oficial de mais alta patente em poder da guerrilha em cinquenta anos de insurgência. As FARC mostraram que não estão mortas ou enfraquecidas, ao contrário do que diz a propaganda do governo. Como forma de boa vontade com o processo de paz, o general Ruben Darío Alzate foi libertado pela guerrilha no dia 30 de novembro.
Abaixo, reproduzimos a carta do comandante do Estado Maior das FARC, Timoleón Jimenez, endereçada ao general Alzate. Nela, estão expressos os desafios atuais da insurgência e luta histórica dos camponeses colombianos por uma verdadeira democracia e pela justiça social.

Senhor General de Brigada Rubén Darío Alzate

A grande imprensa e o colunismo marrom colombianos, cada dia mais próximos em virtude do monopólio da propriedade das grandes mídias, tentam construir manchetes de impacto sobre o conflito colombiano. Puseram agora na moda aquela que, em relação ao seu caso, fala do primeiro general em serviço ativo que cai nas mãos da FARC em cinquenta anos de guerra.

Trata-se de um caso excepcional e raríssimo, ainda que também possa indicar que a agudeza da confrontação começa a afetar as mais altas hierarquias de mando militar, algo impensável até agora. Claro que esta última interpretação não resulta do agrado do governo atual, que prefere colocar a responsabilidade no azar ou, inclusive, a sua própria negligência pessoal.

O primeiro em fazê-lo foi, curiosamente, o Presidente Santos, talvez afetado pelo fato de que foi o senador Uribe quem se encarregou de publicar a notícia. Antes de expressar algum tipo de preocupação pela via ou liberdade de um general da República, exigiu explicações sobre seus motivos para estar se expondo de tal modo.

Sem reparar que este questionamento punha em evidência uma verdade inocultável. Ninguém que baixe a guarda um segundo, nem sequer o comandante de uma força multidisciplinar de combate, ainda que na sua área de operações, se encontra a salvo de uma ação da guerrilha na Colômbia. Esta é uma desalentadora mensagem à confiança dos investidores.

Foi dito que o senador Uribe pode se mover com liberdade graças a mais de 300 integrantes dos corpos de segurança do Estado, trabalhando vinte e quatro horas para protege-lo. Uma radiografia exata de sua segurança democrática. Algo muito sério deve acontecer em um país em que só se sente seguro quem está rodeado por dezenas de escoltas fortemente armadas.

Dias atrás, na zona rural de Tame, uma patrulha da Força-tarefa Quiron também foi surpreendida pelas FARC, que capturou a dois soldados profissionais. Um tenente e quatro policiais do posto de polícia da ilha de Gorgona, no Pacífico, pereceram duas semanas depois, em uma ação relâmpago das FARC que surpreendeu pela sua audácia.

E só menciono ações militares amplamente registradas pela mídia. Você e eu sabemos que são muitas as que se apresentam por todo o país, de cuja realização se evita dar conta. Não querem afugentar os capitais, nem dar protagonismo a um tal FARC que insistem em apresentar como vencida. Sua captura contribuiu, sem dúvida, para pôr as coisas em um lugar mais justo.

Em primeiro lugar, com relação a nossa diminuição. Não vou aqui quantificar nossas forças, mas é inegável que são maiores do que as que afirma todo dia o senhor ministro da defesa. Você teve a oportunidade de marchar com unidades nossas em meio da enorme perseguição ordenada e sabe bem que, tampouco, estão integradas por seres perversos descritos nos informes oficiais.

Conversou tranquila e largamente com vários de nossos mandos e combatentes, depois de ser detido e conduzido por eles. Estou seguro que o tema da paz e as conversações de Havana fizeram parte dos intercâmbios. Pelo que dizem nossos militantes a respeito, você também não pareceu intolerante e rude, mas alguém com quem se pode conversar.

Um general da República e seu objetivo de alto valor sentados frente a frente, em meio ao inverno implacável da selva chocoana, talvez seja uma metáfora do que podia ser a Colômbia em um cenário de reconciliação. Se o capturado fosse um dos nossos, as coisas teriam sido muito distintas. O desejável, se queremos a paz, é que as coisas deixem de ocorrer desse modo.

Por outro lado, sua detenção também abriu espaço para outras realidades. É certo que presidente Santos reagiu precipitadamente ao suspender os diálogos de paz, condicionando a volta à mesa de negociação a sua pronta libertação. Mas, também, enviou paralelamente um preposto secreto para apresentar alternativas. É claro que não se trata igual a um general e a uns soldados.

Já havíamos constatado isso com os policiais e militares que permaneceram vários anos em condições de prisioneiros de guerra, a espera de uma troca por prisioneiros nosso. A opção então foi difamar nossas propostas e ações, sem se preocupar com o drama dos detidos, condenados a um prolongado cativeiro. Havia sido muito diferente se houvesse um diálogo a respeito.

Na realidade, tudo na Colômbia seria muito diferente se a oligarquia liberal conservadora dominante aceitasse dialogar em busca de soluções pacíficas e democráticas aos diversos problemas gerados na Colômbia rural. Ficaram para a história as múltiplas petições impulsionadas pelos camponeses da colônia agrícolas de Marquetália.

Todavia, seguimos destinados a abastecer de recursos energéticos, mineiros e de biodiversidade aos grandes centros da economia mundial, ao mesmo tempo em que somos receptores das mercadorias produzidas por eles, até ao extremo de que os alimentos locais e a economia camponesa que os produzia no passado, estão condenados a desaparecer em benefício da importação.

Interesses alheios a nossa realidade, como a guerra fria, impuseram a doutrina de segurança nacional às forças armadas colombianas, com suas correspondentes sequelas de violações dos direitos humanos e o levantamento aramado, situação que se agravou ainda mais com a imposição das chamadas guerras contra as drogas e o terrorismo, que não era, nem de perto, nossas.

É fato comprovado que a noção de narco-guerrilha, idealizada pelo embaixador estadunidense Lewis Tambs, em 1984, quando vinculou sem o menor respaldo probatório as FARC com o famoso complexo cocaineiro de Tranquilandia, não tinha outro propósito senão dissimular a aliança entre o Pentágono, a CIA, e as máfia colombianas para dotar de armas os “contra” da Nicarágua.

Mas ainda que o próprio congresso estadunidense tenha descoberto e publicado a trama que vinculava o governo de Ronald Reagan e a Lewis Tambs com os cartéis de Medellin e Cali, em um negócio sujo que enriqueceu ao extremo personagens como Gonzalo Rodriguez Gacha e Pablo Escobar, fomos nós das FARC quem carregamos o famoso apelido.

Triste papel correspondeu às forças armadas colombianas, convertidas em um simples apêndice dos EUA. Autora de fenômenos criminosos, como os desparecimentos forçados, as execuções extrajudiciais, o paramilitarismo, o despejo e o desterro de centenas de milhares de compatriotas, apenas para servir aos interesses geopolíticos dos EUA.

Nós das FARC-EP estamos empenhados, desde sempre, na reconstrução e reconciliação nacional, sobre bases de soberania, independência, desenvolvimento econômico e justiça social. Fomos obrigados a fazer a guerra e estamos dispostos a deixá-la  se realmente se garantam em nosso país o debate livre e aberto de ideias, sem ódios nem perseguições,. Se se abre a democracia real.

Cremos, general Alzate, que alguma voz sincera deva brotar do seio das forças armadas, após meio século de falidas operações para exterminar a oposição política. As velhas concepções de guerra total devem ceder ante outras noções de segurança que enfatizem nos verdadeiros interesses nacionais, os das grandes maiorias, não os das elites enriquecidas e egoístas.

Nosso comandante Manuel Marulanda Vélez sempre mostrou interesse por dialogar com os mandos militares sobre o tema da paz, o qual nunca se permitiu sob a desculpa de que as forças armadas não são deliberantes. Vocês sabem tão bem como nós que não é assim. Sua voz pesa e define muitas coisas. É tudo o que poderíamos falar sobre isso.

TIMOLEÓN JIMÉNEZ

COMANDANTE DO ESTADO MAIOR CENTRAL DAS FARC-EP

Montanhas da Colômbia, 30 de novembro de 2014