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domingo, 22 de dezembro de 2024

“A classe trabalhadora precisa dessa alternativa”

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O jornal A Verdade entrevistou Manoel de Souza Pereira, trabalhador de São Paulo, nascido no Piauí, e que iniciou sua trajetória de luta no movimento sindical. Hoje, Manoel constrói a Unidade Popular (UP) como alternativa para melhorar a vida dos trabalhadores que, como ele, sofrem com a terceirização e o desemprego.

A Verdade – Companheiro, conte um pouco da sua história.

Manoel de Souza Pereira Nasci no Piauí, em 1965, e, em 1986, vim para São Paulo. Saí da roça e vim para uma indústria de laticínios, semianalfabeto e sem escolaridade. Aqui conheci um coletivo escolar formado por professores e trabalhadores operários, onde concluí o ensino médio. Comecei a colocar em prática no dia a dia da fábrica o que aprendia na escola.

Com quatro anos de trabalho, fui mandado embora depois de uma greve, em 1990. Depois de uns cinco meses desempregado, fui trabalhar no setor chamado de tráfego, entrega. Fiquei mais dois anos até que começou a terceirização no Brasil. Fui terceirizado e continuei lá até 1998. A empresa entrou em crise e fiquei um ano desempregado. Depois arrumei outro emprego, onde fiquei até 2014.

Você foi demitido em uma greve, depois na terceirização e na crise do governo FHC. Como foi sua inserção no movimento sindical?

O contato foi logo na primeira indústria, enquanto eu ia conhecendo a cidade, saído da roça, comecei a participar na categoria de laticínios. Com a terceirização eu continuei na mesma atividade, mas mudou o sindicato para cargas secas e molhadas. Estranho que ninguém conhecia o sindicato, mas eu fui atrás e me associei. Em 1999, fui para a categoria de abrasivos, uma empresa muito difícil, na organização do trabalho, muito complicado. Aí fui fazer parte da diretoria do sindicato, desenvolvendo um trabalho na fábrica.

E como foi o trabalho sindical nessa fábrica?

Foi um trabalho bem difícil, porque o sindicato era queimado, com poucos associados, uma das lutas mais difíceis que travei porque a própria estrutura interna do sindicato não apoiava. Foram uns dez anos para dar o primeiro passo rumo a uma conscientização. Mas foi muito satisfatório, porque mesmo que ninguém acreditasse, veio a ocorrer e isso confirmou que a gente tem que acreditar no trabalhador porque uma hora ele acorda.

A empresa nunca tinha tido uma greve e fez a primeira em 2013. Toda a preparação, criação da comissão de fábrica, essas coisas. A gente conseguiu mobilizar o trabalhador para lutar contra o atraso de salário e outras irregularidades. Em 2014, tivemos uma greve com quase 100%, aí o patrão resolveu fechar a empresa, só que ainda não estávamos organizados para administrar e assumir a fábrica, acabou todo mundo indo para a parte judicial. Mesmo assim foi uma experiência muito rica para mim.

Você é morador do Jardim Pantanal, um bairro do extremo da Zona Leste de São Paulo, da periferia, que ficou conhecido no Brasil por causa das enchentes na década de 2000. Como foi sua ida para lá, você continuou a luta de que maneira?

Eu peguei um terreno e comecei a construir. Ainda estava no coletivo da escola operária que comentei e começamos a organizar a luta com toda energia para organizar os trabalhadores por melhorias no bairro, abrir as ruas que não existiam, infraestrutura como água e luz, que era tudo gambiarra. Já em 1995, começamos um trabalho mais organizado, fui envolvendo o pessoal da escola operária na comunidade e um trabalho que deu muito certo com alfabetização de jovens e adultos, esportes, junto com as crianças. Montamos um conselho e organizamos debates na comunidade, um espaço mais livre, montamos uma entidade chamada “Espaço Cultural”.

O pessoal foi se afastando e eu me afastei em 2001, e se tornou o “Instituto Alana”. Mas foi um trabalho que organizou o pessoal para cobrar do governo, para melhorar a consciência. Quando saí da entidade fiquei com o trabalho que eu coordenava de lazer, futebol aos domingos, que mantemos até hoje, completando 18 anos em julho, um coletivo autossuficiente. E é um ambiente bom de morar, mais valorizado, com mais visibilidade e parcerias.

Com toda essa trajetória de lutas nas fábricas, na periferia da Zona Leste, como você conheceu a UP e começou a participar das atividades?

Quando eu me afastei desses trabalhos que comentei, eu comecei a participar das manifestações de rua, já em 2015. Eu nunca tinha participado dessa parte, aí gostei e procurei conhecer pessoas e também estava sem nenhuma organização e fui procurar conhecer algumas. Num desses atos, por acaso, em uma panfletagem na Avenida Paulista, o companheiro Senese e eu nos conhecemos. Ele falou um pouco da UP, eu também falei da minha experiência de organizar os trabalhadores.

Nós conseguimos marcar uma data aqui na vila e eu comecei a participar das coletas no Brás, onde conheci uma companheirada com muita energia e conhecimento, muita vontade, muitos jovens. Comecei meio tímido pela falta de prática, mas logo fui me desenvolvendo e achei muito importante. Depois trouxemos aqui para a periferia e deu muito certo, por ter uma linguagem próxima do trabalhador, a proposta de organização, etc.

Você chegou e já se destacou entre a militância, além da energia, pelo grande número de assinaturas coletadas individualmente.  Como você faz para conseguir tantos apoios?

Eu comecei a fazer outro setor que eu imaginava que seria muito legal, que é nas filas de procura de emprego, no CAT (Centro de Apoio ao Trabalhador). Eu confio nesse trabalho, na conversa, no momento da abordagem do trabalhador. Está sendo uma experiência muito legal, com uma receptividade muito boa, estou aprendendo muito como chegar e conversar. Sem contar as coletas aqui no bairro que tem pegado muitas assinaturas, às vezes sozinho e, em outras, o companheiro João tem me ajudado.

Deixe um recado para os companheiros e companheiras de todo o Brasil que estão lutando para construir a UP e que, com certeza, vão se estimular ainda mais com seu exemplo.

O que eu posso dizer é que é muito legal acreditar nesse trabalho e ir para cima, porque o momento é muito bom e a classe trabalhadora precisa dessa alternativa. Então para todo mundo manter o foco, essa energia toda, porque, no meu ponto de vista, vai dar muito certo se mantiver motivado, junto, com essa solidariedade que eles têm. Com essa garra que têm, você sente isso. Vai ser uma vitória muito importante. A gente espera ser recompensado com o reconhecimento dos trabalhadores. O momento é propício, com o abandono do Estado e da sociedade em relação à classe trabalhadora. Um grande abraço!

Lucas Marcelino, São Paulo

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