Ludwig Feuerbach defendeu uma filosofia que construísse e desenvolvesse o ser humano. Lutou contra a opressão do homem e queria uma vida digna, sem pobreza, mas aqui e agora na Terra.
Glauber Ataide
Correspondente do A Verdade na Alemanha
Foto: Reprodução/Jornal A Verdade
FILOSOFIA – Seria difícil encontrar um movimento emancipatório do século XIX que não tenha sido influenciado, de uma forma ou de outra, por Ludwig Andreas Feuerbach. Entre esses, os dois autores que mais projetaram seu nome foram Karl Marx e Friedrich Engels.
Os pais do socialismo científico, no entanto, tornaram-se tão grandes que, involuntariamente, acabaram também ofuscando o filósofo sem o qual sua obra não teria sido possível. Compreender a obra de Feuerbach é importante hoje não apenas para mergulhar no caldo cultural do qual surgiu o marxismo, mas também para melhor compreender as lutas do presente que, na maioria das vezes, ainda são as mesmas enfrentadas por eles.
Os Anos de Formação
Ludwig nasceu em 28 de julho de 1804, em Landshut, Alemanha. Sua família era protestante e carregava os valores progressistas do pai, o famoso jurista Paul Johann Anselm von Feuerbach. Teve sete irmãos, sendo vários deles bem-sucedidos em suas áreas de atuação: havia um arqueólogo, um matemático, um jurista, um linguista e um filósofo, de modo que os Feuerbach eram praticamente uma sociedade científica em família.
Foto: Reprodução/Jornal A Verdade
Concluiu o ensino médio em Ansbach, em 1822, e, no ano seguinte, começou a estudar teologia em Heidelberg. Ele se tornava, no entanto, cada vez mais crítico das lições dos teólogos e seu ceticismo aumentava em relação a tudo que acreditara até então. Neste momento, ele muda de curso e vai estudar Filosofia. Na cidade de Berlim, ouve com entusiasmo as lições de Hegel, mas, nos últimos anos de seu curso, vai para Erlangen e se torna crítico deste. Uma forte tendência para o concreto, para os sentidos e para a percepção se desenvolve em seu pensamento.
Em 1829, Feuerbach obteve permissão para lecionar na Universidade de Erlangen, onde ficou até 1832. Durante este período, foi publicada, anonimamente, sua obra Reflexões sobre a morte e a imortalidade (1830). Nesta obra ele se opõe à crença na imortalidade e deixa claro já ter rompido com o cristianismo.
No início dos anos 1830, ele conhece Bertha Löw, filha de um empobrecido fabricante de porcelanas. Em 12 de novembro de 1837, eles se casam e se mudam para um castelo da família dela em Bruckberg.
Ao mesmo tempo em que exercia sua atividade como filósofo e docente, Feuerbach também buscava um equilíbrio na natureza, encontrava-se com camponeses e sentava com estes nas tavernas. Ele escreveu: “Lógica eu aprendo em uma universidade alemã, mas Ótica – a arte de ‘ver’, isso eu aprendo em um vilarejo alemão”. Os anos em Bruckberg foram muito produtivos e, neste período, apareceram suas obras mais importantes.
Antropologia ao Invés de Teologia
A crítica à religião e o materialismo antropológico de Feuerbach ocupam o centro de seu pensamento. Uma das principais tarefas de sua filosofia é construir, formar, desenvolver o ser humano. Feuerbach se colocava contra a opressão do homem e defendia uma vida digna, sem pobreza e necessidade, mas aqui e agora. A ideia religiosa da imortalidade, para ele, não era nada mais que o desejo de ter uma vida melhor. Feuerbach também se posicionava a favor do direito das mulheres em uma época em que o patriarcalismo era ainda mais forte e dominante.
Em 1841, Feuerbach publicou sua principal obra, A essência do cristianismo. Neste livro ele afirma que Deus é uma projeção das principais qualidades humanas. Se os seres humanos são capazes de amar, então Deus é todo amor; se são capazes de bondade, então Deus é todo bom; se possuem alguma força, então Deus é todo-poderoso, se podem conhecer alguma coisa, então Deus conhece tudo (onisciente). Ao se projetar em Deus, porém, o homem não se reconhece mais nele. Deus é encarado como um ser externo, independente do homem e com vida própria. Embora Feuerbach não utilize este termo, ele opera aqui com o conceito hegeliano de alienação (Entfremdung), que também seria apropriado por Marx no contexto de sua crítica ao capitalismo. No último capítulo, ele conclui: “Nesta obra provamos que o conteúdo e o objeto da religião são totalmente humanos. Provamos que o segredo da teologia é a antropologia, que o segredo do ser divino é o ser humano”.
O método do ateísmo de Feuerbach foi de fundamental importância para Marx e Engels. Em uma carta de 1843 a Arnold Ruge, Marx escreve que “a nossa finalidade não pode ser outra que não a de Feuerbach com sua crítica à religião, ou seja, trazer as questões religiosas e políticas na forma humana autoconsciente”.
Os Convites de Marx a Feuerbach
Friedrich Engels afirmou que apenas quem sentiu o “efeito libertador” de A essência do cristianismo, de Feuerbach, pode entender o que se passou à época: “O entusiasmo foi geral. Todos nós éramos, naquele momento, feuerbachianos. A exaltação com que Marx recebeu a obra e o quanto esta lhe influenciou – apesar de todas as reservas críticas – podem ser lidos em A sagrada família.
A admiração de Marx por Feuerbach aumentou ainda mais quando, dois anos depois, este publicou Fundamentos da filosofia (1843), obra na qual define o homem como um ser social. A essência do homem não se encontra em um indivíduo isolado, mas na comunidade, na unidade do homem com o homem. Nesta obra Feuerbach afirma que individualismo significa finitude e limitação, e que vida em comunidade significa liberdade e infinitude.
O jovem Marx tenta então trazer o renomado filósofo para contribuir no seu recém-fundado jornal Deutsch-Französischen Jahrbüchern (Anais Franco-Alemães). Em uma carta de 3 de outubro de 1843 escreve Marx: “Honrado senhor! Você foi um dos primeiros escritores que expressaram a necessidade de uma aliança científica franco-alemã. Você é, por isso, um dos primeiros a auxiliar um empreendimento que busca efetivar esta aliança. Toda contribuição sua será muito bem-vinda!”
Foto: Reprodução/Jornal A VerdadeJUVENTUDE – O jovem Karl Marx era um grande entusiasta do método materialista de Feuerbach.
Feuerbach respondeu à carta de Marx imediatamente, mas recursou a proposta. Ele disse que sentia muito não poder contribuir no momento com o tema proposto por Marx, que era uma crítica à filosofia de Schelling, o filósofo conservador que havia sido escolhido pelo governo para substituir e tentar sufocar a influência de Hegel na Alemanha.
Esta recusa, contudo, não impediu que Marx escrevesse posteriormente uma segunda carta, tentando ganhar Feuerbach para um trabalho conjunto na incipiente filosofia revolucionária do proletariado. Em 11 de agosto de 1844, alguns meses antes de redigir as famosas onze Teses a Feuerbach, escreveu Marx: “… espero ansiosamente por uma oportunidade em que eu possa lhe demonstrar a alta consideração e – perdoe-me a palavra – o amor que tenho por você. Nestes escritos você deu – não sei se de maneira consciente – um fundamento filosófico ao socialismo, e os comunistas entendem estes trabalhos desta maneira”.
Feuerbach respondeu também a esta segunda carta de Marx, embora não tenha atendido a seu pedido. Segundo Georg Biedermann , a razão das recusas de Feuerbach em trabalhar com Marx e Engels é que ele não podia seguir os dois jovens pensadores em um caminho que correspondia tão pouco às suas inclinações enquanto filósofo. As causas reais e mais profundas eram de natureza fisiopsicológica, como o próprio Feuerbach esclareceu em outro contexto: “Ir para um outro objeto totalmente novo contradiz as leis fisiopsicológicas às quais a idade… está submetida”. Dizendo de outra forma, Feuerbach considerava que, em 1843 já tinha realizado seu objetivo de vida com sua crítica da religião e alcançado o topo de sua atividade teórica . A capacidade de se dedicar bem a um objeto de estudo se desgasta ao longo de alguns anos ou décadas e não está mais disponível uma segunda vez. Feuerbach não podia, naquela idade, mudar completamente de sua linha de investigação para acompanhar dois pensadores mais jovens e do calibre de Marx e Engels.
Engajamento Político
Em 1848, na Revolução Alemã, Feuerbach se posicionou ao lado dos revolucionários, o que mais tarde lhe trouxe problemas com as autoridades. No fim deste mesmo ano, a pedido de vários estudantes, ministrou as palestras A essência da religião em Heidelberg. Um público entusiasmado ouvia suas palestras, e na galeria do salão, ao lado dos ouvintes previamente inscritos, diversos operários e trabalhadores também podiam acompanhar as palestras gratuitamente.
Após a derrota da Revolução de 1848, Feuerbach se mostra resignado e volta para Bruckberg. Ele passa a ser vigiado pela polícia e sua casa chega a ser revistada. Em 1860, empobrecido após a falência da fábrica de porcelanas herdada da família de sua esposa, ele é obrigado a deixar a cidade, sem dinheiro nem mesmo para o transporte dos móveis, e se mudar para Rechenberg, hoje parte de Nuremberg.
Ao passar dos anos, Feuerbach se sentia cada vez mais ligado ao proletariado, e estudou O Capital, de Marx. Assim como Feuerbach havia influenciado Marx, este agora também lhe trazia contribuições, e seu pensamento ético claramente incorpora as descobertas marxistas do campo da economia política. Feuerbach reconhecia agora que a moral e a virtude possuíam estreita relação com as condições materiais de vida: “A virtude precisa, tanto quanto o corpo, de alimentação, roupas, luz, ar, espaço. Onde os homens vivem amontoados uns sobre os outros, por exemplo, nas fábricas inglesas ou nas moradias populares […], onde não podem nem mesmo compartilhar o oxigênio em quantidades suficientes […], lá não sobra espaço para a moral, sendo ela apenas um monopólio dos senhores donos de fábricas, dos capitalistas. […] O fundamento da vida é também o fundamento da moral”.
O Presente Não é o Fim da História
Feuerbach faleceu em 13 de setembro de 1872. O Partido Social Democrata, ao qual Feuerbach havia se filiado dois anos antes, conclamou assim os trabalhadores para seu funeral: “Trabalhadores! Companheiros! O grande lutador pela libertação do povo em relação à escravidão espiritual, o famoso pensador, o instruído filósofo Ludwig Feuerbach caiu para a morte… e… nem a situação política e nem a situação social, pela qual ele nos é conhecido, vos impedirá de nos estender as mãos para uma manifestação de massas contra o sacerdócio!”.
Foto: Reprodução/Jornal A Verdade
Dois dias depois de sua morte, seu corpo foi levado por uma multidão de pessoas – a maioria trabalhadores – e um mar de bandeiras vermelhas ao cemitério Johannisfriedhof em Nuremberg. Entre seis e dez mil pessoas compareceram ao seu funeral, o que correspondia a aproximadamente 10% da população da região à época.
Todos os anos, no dia de sua morte, trabalhadores ainda deixam buquês de flores em seu túmulo. E assim como Feuerbach continua vivo na memória da classe trabalhadora do século XIX, a obra do pensador alemão continua acesa na teoria do socialismo científico. Certamente, a teoria de Feuerbach não teria ido tão longe sem o materialismo histórico fundado por Marx e Engels; mas sem sua filosofia, sem seu princípio antropológico que proclamava que o homem é o ser supremo para o homem, a concepção materialista da história também não teria sido possível.
Muito bom esse artigo sobre o Fauerbach. Eu sou espírita e monista ubaldiano, além de marxista, e fiz 3 anos de filosofia e 2 de física no ínicio da década de 80, mas não se formei e segui a vida fora da “academia”. No momento voltei a estudar (Economia) e estou filiado à UP-DF.
Tenho entre minha lista de estudos necessários exatamente o Fauerback, cujo pensamento espero esmiuçar e esse artigo deu dicas preciosas. Devo dizer que não vejo nenhuma contradição entre ser espírita, monista ubaldiano e ser marxista e apreciar os estudos de filósofos materialistas. Explico: o espiritismo é doutrina monista, isto é, admite o princípio único, logo, não renega o papel da matéria no mundo. De forma alguma é uma doutrina filosóficamente idealista, embora admita a existência do Espírito e a existência de Deus.
A questão da religião pode ser melhor entendida por uma frase atribuída ao filósofo pré-socrático Heráclito: ” se os homens fossem leões, Deus teria juba”, ou seja, a religição é uma instituição humana, logo sofre a influência do pensamento de seus criadores, do mo9mento histórico, da cultura. Não fosse isso, não existiria tantas religiões, em que cada uma cria o “seu Deus”.
Penso que no futuro não haverá mais religiões, mas apenas uma espiritualidade fundada na razão e na ciência… e que enquanto existir capitalismo no nosso planeta, as atuais religiões coninuarão, cada uma num nível diferente, refém da ideologia e não libertarão seu pensamento teológico das amarras dos preconceitos, dos interesses da burguesia, burocracia religiosa etc. Assim disse o Cristo Jesus: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.