UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Os passos e compassos na vida do trabalhador

Relato de trabalhadores informais evidenciam o desemprego crescente no país.

Denise Maia


Foto: Raphael Assis/Jornal A VerdadeVULNERABILIDADE – Em busca de sobrevivência, trabalhadores são obrigados a se arriscarem nas ruas, sem direitos trabalhistas.


BRASIL – Cresce no país o trabalho informal. São empregados sem carteira assinada, sem direitos e sem vínculo empregatício que garanta a sua contribuição à Previdência Social. Mais de 24 milhões estão nas suas bicicletas, motocicletas ou só com seus próprios pés entregando comida e realizando outros serviços através de aplicativos.

Com o desemprego em torno de 13,4 milhões, a alternativa para garantir a sobrevivência do povo pobre é cada vez mais estreita. A informalidade foi o viés na saída da curva do desespero.

Atualmente, o salário mínimo apontado pelo Dieese para sustentar uma família de quatro pessoas deveria ser de R$ 3.928,73, mas o salário pago pelo governo é de R$ 998,00.

Na falta de perspectiva de melhores dias, vários trabalhadores informais passam longas horas pedalando suas bicicletas e concentrados no celular, aguardando a chamada do aplicativo para a próxima entrega.

O Jornal A Verdade foi às ruas conversar com alguns desses profissionais. Relatar um pouco das suas histórias, seus anseios e suas frustrações em tempos turvos.


Rafaela Ferreira Lopes, 28 anos, solteira, formada em Engenharia de Produção. Foi aprovada para a Universidade Federal Fluminense (UFF) no Governo Lula. Até o Governo Dilma, trabalhava como estagiária numa empresa. Desde janeiro de 2018, está desempregada. A família reside em Minas Gerais. Rafaela divide apartamento com uma amiga no Centro do Rio de Janeiro. Sempre procura emprego na área, envia currículo, faz entrevista, mas não surge nada. Com a crise econômica, dos 40 alunos que se formaram com Rafaela, apenas dois trabalham na área. Alguns atuam como analistas em multinacionais. O restante se vira como pode. “Não tenho muita escolha, preciso fazer dinheiro. Pagar as contas básicas para sobreviver”. Para tanto, trabalha cinco vezes por semana com aplicativos para entregar comida. “Dizem que o trabalhador recebe por entrega, o que não acontece. Na realidade, quando os produtos saem do mesmo comércio para entregar em diferentes lugares, o valor pago não se refere a cada entrega”. Vejamos, se cada entrega valer R$ 6, duas viagens deveriam valer R$ 12. Mas o valor pago pelas duas entregas é de R$ 8. Não existe uma tabela. Nas viagens realizadas durante um mês Rafaela consegue tirar entre R$ 800 e R$ 1.200. Com esse dinheiro, ajuda nas despesas do aluguel, luz, gás e telefone. Questionada sobre o que pensa sobre o Governo Bolsonaro e sua política econômica, responde de imediato: “Estou achando uma merda. Não tenho perspectiva nenhuma de trabalhar na minha área”. Nesse momento, o celular toca, mais uma entrega para realizar, às 18h30, numa noite fria e chuvosa.

Alan Pereira dos Santos Caravela, 20 anos, casado, pai de um menino de cinco meses. Todos moram com os pais, no morro do São Carlos, no bairro do Estácio. Parou de estudar no primeiro ano do ensino médio. Trabalhava com carteira assinada, foi demitido sem justificativa. O caminho foi o aplicativo, para o qual trabalha das 11h às 20h, de segunda a sexta, no centro da cidade, e nos fins de semana, na Tijuca e na Zona Sul. Em média, tira de R$ 1.000 a R$ 1.400 por mês. Pergunto se compensa. “Compensa nada, se um dia a gente se machucar, de onde vamos tirar o dinheiro? Só trabalho para não ficar duro e levar um dinheirinho para dentro de casa. Espero que essa vida possa melhorar, que venha o emprego com carteira assinada para todos, porque viver de aplicativo não dá”, desabafa.

Igor Santos França, 28 anos, solteiro. Parou de estudar no primeiro ano do ensino médio para se manter financeiramente. Nunca trabalhou com carteira assinada, sempre como autônomo. Já vendeu refrigerante, biscoito, salgado. Reside há seis anos na Ilha do Governador, sozinho. “Tinha que trabalhar para me sustentar. Não tinha tempo e não era prioridade procurar emprego para ganhar salário mínimo porque o valor era tão baixo que não dava para cobrir minhas necessidades. Então sempre achei melhor arriscar no serviço informal”, diz.

Intermediário das três empresas multinacionais iFood, Uber Eats e Rappi, consegue entre R$1.400 e R$ 2 mil por mês fazendo dez viagens por dia. Trabalha de segunda a sexta, das 9h às 19h. “Saio de casa às 8h e retorno às 21h para lavar roupa, limpar a casa, fazer comida, tudo isso quando dá tempo”.

Questiono como ficam os seus direitos. “Pago o INSS e fiz um seguro no banco para caso de acidente e morte. Tenho o objetivo de sair do aluguel, comprar uma moto com grandes possibilidades de ganhar mais com entregas e ter outras opções de trabalho, como numa pizzaria fazendo entrega com carteira assinada e ganhar mais que um salário”, sonha.

Carlos Medeiros, 35 anos. Trabalhou com carteira assinada por um ano e saiu para trabalhar com aplicativo. Ele diz que compensa trabalhar de terça a domingo das 11h às 19h no Centro e, nos fins de semana, entre Botafogo e Copacabana. Entre muitas viagens, recebe de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil por mês. Mora na Ilha do Governador e gasta R$ 12 por dia com passagens.

Dênis Jorge, 53 anos, casado, com filhos. Sua mulher também trabalha sem carteira assinada, por isso a meta de retirada mensal de Dênis não pode ser inferior a R$ 1.600. “Eu trabalhava numa rede de supermercados, estava cansado de fazer tudo e ganhar pouco. Nas férias resolvi fazer um bico para melhorar o orçamento, tenho uma família por trás de mim, que me apoia, que me ajuda. Resolvi sair em definitivo, deixei a carteira assinada com os benefícios, hoje em dia não tenho nada. Foi uma boa troca? Não. Se eu for atropelado é por minha conta, se a bicicleta quebrar é por minha conta, tudo o que acontecer comigo é por minha conta. Onde trabalhava tinha amparo, mas não vivia. Não tinha hora para almoçar, trabalhava até tarde da noite para ganhar muito pouco. Deixava tudo o que estava fazendo para atender um cliente, o gerente. As pessoas agem conforme o mercado conduz. O mercado atual é que assistimos nas ruas, um monte de gente com serviços informais, trabalhando para alguém. Um exemplo clássico é o aplicativo. As pessoas dizem que trabalham para elas, mas isso é mentira. Trabalham para uma empresa internacional. Segundo os aplicativos, não temos vínculos nenhum de trabalho com eles, porém, se temos responsabilidade com os horários, com os clientes, então existe um vínculo. Se você tem um documento com seu CPF, RG e conta de banco, então existe vínculo. Uso uma bicicleta com uma bolsa escrito iFood, uma camisa iFood, isso não é um vínculo? Mas o mercado atual é isso. Cada um se vira como pode. Como camelô, no aplicativo… O desemprego é muito grande. Se houver um anúncio de emprego em qualquer lugar, às 4h da manhã já vai ter uma fila enorme. Se conseguir o emprego, digamos para operadora de caixa, na realidade vai trabalhar como operadora, ser atendente, limpar o chão para ganhar um salário. Somos explorados diariamente. O recado para os leitores do jornal? Um jornal tem uma grande expansão, pode atingir onde não alcançamos, então, divulgar essa nova forma de exploração é muito importante. Porque o mercado a cada dia arranja uma forma de sugar o trabalhador e retirar cada vez mais os seus direitos”, desabafa.

Pedro Jorge Araújo da Cruz, 25 anos, casado, um filho de sete anos. Morador do Estácio, a esposa trabalha como cabeleireira e tem um custo de R$ 1.300 com moradia, água luz, telefone, comida, sem contar as despesas com o filho. Trabalhava como entregador com carteira assinada. A empresa despediu os trabalhadores, faliu. Por semana, realiza 50 viagens e recebe R$ 500. Trabalha de segunda a sábado, das 11h às 20h. A bicicleta é dele. Recebe por semana. O dinheiro é depositado no banco. “Estou gostando. Melhor do que estar parado. Não existe tabela para fazer entrega. A minha meta é tirar R$ 100 por dia e receber R$ 500 por semana”, declara.

Num olhar mais apurado, percebemos nas avenidas um colorido de vermelho, amarelo e azul. São as bolsas vivas em zigue-zague que atravessam as ruas com variados produtos entregues por quem tem os olhos abertos para a dignidade, com a cabeça erguida encarando a precarização do trabalho, na chuva, no sol, na tempestade que tiver que passar com passos firmes ultrapassando os buracos com lamas das ruas da vida.

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