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segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

DEMOCRACIA EM VERTIGEM E GOLPE DE 2016

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Apesar de a política ser uma dimensão importante da sociedade civil-burguesa, sendo possível que através dela sejam realizadas algumas mudanças socioeconômicas que tornem mais suportável o dia a dia do trabalhador brasileiro, a única alternativa possível para responder de fato os problemas do trabalhador é uma revolução social que permita que a classe proletária chegue ao poder.

Júlio César Villela da Motta Filho e Ana Carolina Marra de Andrade

O documentário brasileiro Democracia em Vertigem, dirigido por Petra Costa lançado pela plataforma Netflix em junho de 2019, foi recentemente escolhido para ser o único representante brasileiro na premiação do Oscar que ocorrerá ainda neste ano de 2020. Uma organização dos Estados Unidos já várias vezes acusada de machismo, racismo e xenofobia, a Academia responsável pelo Oscar já é considerada pelos críticos de cinema como uma instituição muito distante de realmente conseguir  representar em sua premiação as melhores obras audiovisuais produzidas mundialmente. Os filmes premiados pela Academia normalmente são filmes do próprio país de grande bilheteria que têm pouco espaço para atores negros e para papéis de destaque para mulheres. Não raro, os filmes premiados também transmitem a mesma ideologia imperialista de supremacia da cultura capitalista estadunidense que teve grande espaço no cinema norte-americano desde a década de 1950. No entanto, por ser talvez uma das mais famosas premiações no mundo inteiro, torna-se importante abrirmos um debate sobre o representante brasileiro do ano, Democracia em Vertigem, que tem causado tantas discussões. 

Longe de ser um filme de “ficção e fantasia”, como classificado no twitter pelo perfil oficial do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), o documentário da diretora Petra Costa retrata com sensibilidade o contexto político brasileiro no momento do golpe de 2016, através de um olhar subjetivo pautado nas experiências de sua própria vida e de sua família. Mostrando desde momentos publicamente muito marcantes, como a conversa do então senador Romero Jucá (MDB-RR) com o ex-presidente da estatal Transpetro Sergio Machado: “A solução é botar o Michel (…) Num grande acordo nacional, com o Supremo e com tudo”, até entrevistas íntimas com a ex-Presidenta Dilma Rousseff, Petra Costa consegue expor de maneira verdadeiramente emocionante suas preocupações com a tão recente e frágil democracia brasileira.  

No entanto, é preciso que a esquerda pontue: o documentário expõe crença na política burguesa, inclusive fazendo “vista grossa” para a política de aliança do PT com partidos como o PMDB (hoje MDB). A visão da política como forma de resolver os problemas da classe trabalhadora no Brasil sempre estará fadada ao fracasso. Apesar de a política ser uma dimensão importante da sociedade civil-burguesa, sendo possível que através dela sejam realizadas algumas mudanças socioeconômicas que tornem mais suportável o dia a dia do trabalhador brasileiro, a única alternativa possível para responder de fato os problemas do trabalhador é uma revolução social que permita que a classe proletária chegue ao poder. É fato que, no Brasil, sempre que os trabalhadores conseguirem algum avanço dentro da política burguesa, as classes dominantes logo recorreram a mais um golpe de Estado que restituiu o status quo inicial em prol de beneficiar os ricos, grandes empresários, e grandes donos de terra. A estratégia de conciliação de classes proposta pelos governos do Partido dos Trabalhadores, apesar de alguns avanços sociais em determinadas áreas, estava destinada ao fracasso. É nesse sentido que o filósofo brasileiro José Chasin coloca sobre o papel da esquerda: “Hoje, para o mesmo fim, é necessário renovar a superação da política, que Marx efetuara na transição ao seu pensamento original (1843/1844). A superação da política é a condição necessária da reposição do imperativo da revolução social.”  (CHASIN, 2017, pg. 26)

Tudo que foi afirmado anteriormente tem respaldo em diversas obras de Karl Marx.  Em seu texto Sobre A Questão Judaica, escrito originalmente em 1843, o filósofo alemão Karl Marx escreve pela primeira vez sobre a irresolutividade da emancipação política. Para ele, a atividade política tem uma potencialidade restrita, ou seja, a emancipação plena do ser humano não pode vir pela política burguesa. O filósofo escreve “a vida política se declara como um simples meio, cujo fim é a vida da sociedade burguesa”  (MARX, 2010, pg. 51). Ademais, diferencia a emancipação política da emancipação real do ser humano, sendo esta última advinda apenas com a superação da sociedade civil-burguesa, do modo de produção capitalista. 

Em um dos seus textos  mais famosos, escrito com Friedrich Engels – o Manifesto do Partido Comunista – os autores, analisando uma realidade bem específica de 1848 às vésperas de uma possível revolução, demonstram de modo ainda mais concreto qual deve ser a posição do proletariado frente à política: o objetivo é a “conquista do poder político pelo proletariado” organizado enquanto classe, para “arrancar pouco a pouco todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado” e “aumentar o mais rapidamente possível o total das forças produtivas. Porém, a questão final é que “quando, no curso do desenvolvimento, desaparecem os antagonismo de classes e toda a produção for concentrada na mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter de político”. Ademais, com o passar dos anos, em um prefácio à edição alemã de 1872  do próprio Manifesto os autores reafirmam uma postura crítica em relação ao Estado e à política:  “não basta que a classe operária se utilize da máquina estatal para pô-la a serviço de seus próprios fins”. Assim, uma prática política, de um ponto de vista marxista, deve ser orientada visando a superação do capital – e do direito, do Estado e da própria política – (a essa prática, Chasin chama de metapolítica), não devendo se contentar com o mero aperfeiçoamento e melhora do Estado. Para deixar ainda mais clara a questão, nas palavras do próprio Marx, com o fim da propriedade privada, consequentemente, com o fim das classes sociais, o poder político deixa de existir, pois “o poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra”.

É nesse sentido que José Chasin, importante pesquisador brasileiro de Marx e militante, coloca: 

“Para manter a alternativa socialista com sentido é preciso radicalizar, aprofundar até as raízes o conhecimento da realidade e das possibilidades que ela contém – compreender que a luta é contra a propriedade dos meios de produção e contra o estado, e não pela estatização da economia e a perfectibilização do estado e do regime democrático.

Há que ter confiança e otimismo, mas com ideias claras e não utópicas, ainda que apenas genéricas, sem se deixar desesperar diante da estupidez humana, historicamente compreendida” (CHASIN, 2017, pg. 25).

Portanto, utilizemos das lutas políticas, ocupemos os espaços, mas sem nos iludirmos com esse “campo de batalha”. A mera luta política não é resolutiva. Necessário se faz atacar a estrutura produtiva da sociedade na qual vivemos. A luta contra o capitalismo perpassa por uma esfera política, mas a revolução deve ser social, deve destruir a sociedade de classes, destruir a propriedade privada, destruir a própria política, alcançando uma nova forma de sociabilidade. 

BIBLIOGRAFIA: 

CHASIN, J. Excertos sobre revolução, individuação e emancipação humana Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas . ISSN 1981-061X . Ano XII . abr./2017 . v. 23. n. 1.  Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/chasin/ano/mes/excertos.pdf>. Acesso em: Janeiro de 2020. 

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, XXXX.  

MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo : Boitempo, 2010. 

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