“Zetkin considerava essa tarefa a mais primordial das feministas socialistas e teve grande participação na campanha de sindicalização das operárias, parcela que representava mais da metade da mão de obra industrial da Alemanha, sem a qual não se poderia pensar uma nova sociedade.”
Andressa da Paz, Gabriela Torres e Jady Oliveira
Foto: Reprodução/Arquivo
SÃO PAULO – Na História da luta pela emancipação dos povos e da mobilização internacional pela libertação dos oprimidos, destacaram-se diversos líderes. Apesar do descaso da Historiografia burguesa, em todas as reivindicações populares registradas, o papel de linha de frente sempre foi ocupado por mulheres. Dentre os diversos exemplos, destaca-se Clara Zetkin.
Clara Josephine Eissner nasceu em 1857, no reino da Saxônia, território que passaria por um processo de unificação e seria denominado posteriormente de Alemanha. Clara assumiu o célebre sobrenome “Zetkin” de seu companheiro Ossip, também marxista, e com ele foi exilada de sua terra natal sob o jugo de Bismarck. O cotidiano agitado dessa professora e mãe de dois filhos não impediu seu ímpeto revolucionário: Zetkin compôs a segunda geração de feministas socialistas do século XIX, participou ativamente como liderança do movimento operário alemão, ocupou o cargo de redatora-chefe do jornal operário “A Igualdade”, entre 1892 e 1917, e foi a criadora do Dia Internacional da Mulher.
A Questão da Mulher no Marxismo
Dialogando com a crítica das feministas classistas acerca da constituição burguesa dos núcleos familiares, Zetkin foi uma contestadora dos papéis sociais impostos e vivenciou a dureza na vida das operárias francesas em um de seus exílios. Considerando-se que, como defendeu Engels, “o homem é o burguês e a mulher representa o proletário”, e que as condições de vida das trabalhadoras tornam-se ainda mais miseráveis no seio do operariado, fica clara, então, a necessidade da participação das mulheres: formando-as e conquistando-as para a luta revolucionária.
Zetkin considerava essa tarefa a mais primordial das feministas socialistas e teve grande participação na campanha de sindicalização das operárias, parcela que representava mais da metade da mão de obra industrial da Alemanha, sem a qual não se poderia pensar uma nova sociedade. A ênfase dada a essa luta ia de encontro à proibição imposta às mulheres de frequentarem organizações ou participarem de reuniões políticas. Contudo, como afirmava Clara, “o obstáculo maior é a falta de tempo, porque a mulher é escrava da fábrica e do lar e sobre ela pesa o fardo de um duplo trabalho”.
Nas fileiras do partido, promoveu uma forte luta política sobre o papel das mulheres na vanguarda revolucionária, confrontando desvios revisionistas que contestavam, inclusive, a atuação das mulheres na própria produção industrial: “o trabalho das mulheres é um mal capitalista […] A natureza da mulher é pôr no mundo e educar seus filhos. O socialismo restabelecerá a família em sua forma patriarcal”, afirmava Edmund Fischer, um dos precursores do Partido Social-Democrata.
Fruto dessa luta política e de sua defesa intransigente às trabalhadoras, Zetkin foi a responsável pelo avanço da agitação e propaganda marxistas, antes uma tarefa exclusivamente masculina. Seu trabalho como redatora-chefe do jornal “A igualdade” garantiu uma maior participação feminina e o aumento exponencial do partido: em 1902, essa imprensa possuía quatro mil assinantes e, em 1914, esse número chegou a 125 mil.
A Luta Antifascista
Na definição de Georg Dimitrov, o fascismo é “a ditadura terrorista escancarada dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”. Definição que converge com a de Zetkin, feita anos antes: “o fascismo é a consequência do abalo e do declínio da economia capitalista e um sintoma da decomposição do Estado burguês”. Precisa, sua análise anteviu a dimensão do perigo nazifascista e suas defesas foram contundentes quanto à atuação de uma frente ampla e unitária com os setores mais progressistas da sociedade contra a ascensão da extrema-direita. Sua avaliação era de reprovação aos posicionamentos dos comunistas alemães, que não deram a devida atenção aos diversos trabalhadores que, enganados pela socialdemocracia e desesperançosos com a crise econômica, aderiram ao partido nazista. Porém, apesar das dificuldades do contexto, Clara acreditava que o fascismo cairia inevitavelmente a partir de um trabalho de propaganda convincente com todos os trabalhadores, incluindo os setores da pequena burguesia.
Mesmo sendo ameaçada, Clara Zetkin carregou até o fim de sua vida a certeza de que o nazismo seria derrotado. Durante uma assembleia parlamentar, com a maioria de deputados nazistas, posicionou-se. Então com 75 anos, Zetkin enfrentava as dificuldades da idade avançada, sujeita a desmaios e beirando à cegueira, apesar disso, subiu na tribuna e denunciou o “terror exercido pelos fascistas” e a “covardia do liberalismo burguês”.
A Criação do Dia da Mulher
Em 1910, na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, Clara Zetkin propôs um dia de manifestações anual para marcar o combate das mulheres contra a exploração capitalista e aspectos muito importantes que caracterizavam naquele tempo a luta social, política e ideológica para a emancipação das mulheres. Na presença de 100 delegadas oriundas de 17 países diferentes, a proposta foi aprovada e para o jornal “A Igualdade” Zetkin escreveu: “Em acordo com as organizações políticas e sindicais do proletariado nos seus respectivos países, as mulheres socialistas de todos os países organizarão todos os anos um dia das mulheres […] Este dia das mulheres deve ter carácter internacional e ser cuidadosamente preparado”.
A primeira comemoração do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora foi realizado no dia 19 de março de 1911 e, sob a palavra de ordem “O direito de voto para as trabalhadoras e unir forças na luta pelo socialismo”, mobilizou mais de um milhão de mulheres em cidades da Alemanha, Suíça, Áustria e Dinamarca. Nos anos seguintes, com a proibição em algumas cidades europeias, as celebrações não ocorrem. Em 1915, Clara Zetkin consegue mobilizar as mulheres dos países que não estavam em guerra para se manifestarem a favor da paz no Dia Internacional da Mulher e organiza, em Berna, uma Conferência Internacional de Mulheres pela Paz. Na Noruega, Alexandra Kollontai consegue organizar uma manifestação contra a guerra, em Christiana, perto de Oslo.
Organizado pelas mulheres do Partido Bolchevique em 1917, no Dia Internacional da Mulher Trabalhadora – em 8 de março (23 de fevereiro no calendário russo) – as operárias têxteis de Petersburgo manifestaram-se nas ruas exigindo pão para as crianças e o regresso dos maridos das trincheiras. Alexandra Kollontai descreve a dia como “[…] uma data memorável na história. Nesse dia, a mulher russa levantou a bandeira da revolução proletária […] A Revolução de Fevereiro acabara de começar”, assim, foi dado mais um passo decisivo para todo o processo revolucionário russo, que culminou com a Revolução de Outubro.
A institucionalização da data pela Organização das Nações Unidas (ONU) ocorreu 67 anos após a II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas. Dentro do histórico de manifestações nesse período, foi definida a data de 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. A importância deste dia é realizar a luta das mulheres pelo fim de toda a exploração e opressão, devendo sempre reafirmar o socialismo, pois, somente em uma sociedade baseada na igualdade, as mulheres viverão na verdadeira emancipação.