O resultado das eleições municipais mostram como é errado o caminho trilhado por parte dos partidos de esquerda com representação no Congresso Nacional desde a ascensão de Bolsonaro. Há anos esses partidos subordinam todas as lutas do movimento social, sindical e estudantil à lógica eleitoral, na ilusão de que o avanço do fascismo será derrotado nas urnas. O caminho para derrotar o fascismo é na rua, as urnas serão consequência.
Felipe Annunziata
RIO DE JANEIRO – Ontem (29) o Brasil realizou o segundo turno das eleições municipais. Em todo o país se verificou um crescimento dos partidos do chamado “Centrão”. Na verdade, independente das siglas, quem ganhou as eleições na grande maioria das cidades foram as velhas oligarquias locais que dominam a política municipal do Brasil desde sempre. Muitas das famílias que conseguiram se eleger foram colocadas no poder ainda no período da Ditadura Militar.
Em praticamente todas as capitais e grandes cidades ganharam os candidatos à reeleição ou candidatos que já tinham ocupado algum cargo político e contavam com apoio de oligarquias tradicionais. Em Manaus, a disputa era entre dois ex-governadores, e ganhou David Almeida (Avante). Em Salvador, quem venceu ainda no primeiro turno foi Bruno Reis (DEM), candidato apoiado pelo clã de ACM Neto. Em Goiânia, o vencedor foi Maguito Vilella (MDB), velha figura da política goiana. O mesmo cenário se repetiu em Florianópolis, Curitiba, João Pessoa e em grandes cidades, como Caruaru (PE), Campina Grande (PB), Duque de Caxias e Campos dos Goytacazes (RJ).
Até partidos que tentam se colocar como centro-esquerda ganharam em capitais fazendo acordos com as oligarquias locais. Esse foi o caso de José Sarto (PDT), em Fortaleza, que com apoio dos Ferreira Gomes compôs uma aliança com Tasso Jereissati (PSDB), um dos maiores coronéis da história do Ceará. Em Recife, João Campos (PSB) se juntou com vários setores da direita oligárquica pernambucana e, com um discurso reacionário, venceu Marília Arraes (PT). Em Maceió, o mesmo PSB elegeu João Henrique Caldas, representante de uma das famílias mais tradicionais das Alagoas, que derrotou o candidato do MDB apoiado por Renan Calheiros.
Estes exemplos mostram como a democracia burguesa brasileira é superficial. Essas oligarquias se mantêm há décadas no poder nas cidades graças ao controle do processo eleitoral e dos currais eleitorais, da compra de votos e acordos corruptos, entre outros mecanismos de poder. A eleição municipal, com isso, se torna uma mera formalidade para manter o poder dessas famílias.
Falta de debate e cumplicidade da mídia burguesa
Outro fator determinante para esse resultado eleitoral foi o apoio envergonhado e muitas vezes explícito da grande mídia burguesa aos candidatos das oligarquias. Em São Paulo, essa grande mídia tentou desconstruir a imagem de Guilherme Boulos (PSOL), fazendo uma cobertura que escondia sempre que podia os esquemas do PSDB e os apoios de políticos de partidos corruptos a Bruno Covas. Essa situação se repetiu em todas as cidades em que teve alguma candidatura de esquerda competitiva.
Mas a principal questão foi a ausência de debate. Com a desculpa da pandemia, praticamente todas as emissoras cancelaram os debates no primeiro turno. Até a semana da eleição, a única pauta presente de forma maciça nos jornais eram as eleições presidenciais nos EUA. Os jornalistas falavam mais sobre a apuração de votos em pequenos condados do interior da Pensilvânia do que dos candidatos na eleição de cidades importantes no Brasil, como São Gonçalo (RJ) ou Guarulhos (SP).
Essa situação criou uma grande dificuldade para as candidaturas progressistas e populares. Isso fez com que o segundo turno fosse dominado pelas oligarquias que já estavam na estrutura de poder do Estado.
Crescimento e queda de partidos da direita
Após o primeiro e segundo turnos da eleição se espalharam pela internet e pela imprensa inúmeras análises sobre o aumento ou queda dos partidos nas eleições. De fato, partidos que estavam na linha de frente do golpe de 2016 tiveram queda expressiva na votação, como é o caso do MDB e PSDB. Já os chamados partidos do “Centrão” (PSD, PP, PL, Republicanos etc.) tiveram um crescimento em número de cidades e votos. No entanto, essa variação se deu apenas porque muitas oligarquias que já estavam no poder nas cidades pequenas e médias apenas trocaram de legenda.
De fato, para as oligarquias locais não é o partido que determina sua política. Para elas a legenda é apenas o meio pelo qual elas vão disputar a eleição. Exemplo emblemático disso é a família Garotinho, na cidade de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Em 2012, Rosinha Garotinho ganhou a eleição pelo PR (hoje PL – Partido Liberal); nas eleições deste ano seu filho, Wladimir Garotinho, ganhou no segundo turno a eleição pelo PSD. Ou seja, trocam-se as legendas, mas o grupo político é o mesmo.
Bolsonaro derrotado
Talvez o resultado mais importante desta eleição é a derrota de Bolsonaro em todas as grandes cidades. O ex-capitão não conseguiu eleger nenhum dos seus candidatos nas principais localidades. No Rio, o bispo-prefeito Marcelo Crivella mostrava todo dia Bolsonaro na propaganda e teve uma derrota acachapante no 2º turno. Em São Paulo, o candidato do presidente (Russomano) sequer passou para o segundo turno. Em Belém, o candidato bolsonarista foi derrotado por Edmilson Rodrigues, do PSOL, numa ampla aliança do campo progressista.
Ainda no Rio de Janeiro, Rogéria Bolsonaro, ex-mulher e mãe dos três filhos aloprados do presidente, teve menos de dois mil votos. É verdade que Carlos Bolsonaro foi reeleito vereador na cidade, mas sofreu uma queda de 30% na sua votação e perdeu o título de candidato mais votado para um vereador de esquerda.
A esquerda e as eleições
Outra mensagem também que fica dessas eleições foi a falência da política de conciliação de classes promovida por setores da socialdemocracia. Embora com muito menos impacto, o PT perdeu pela segunda vez consecutiva prefeituras importantes e pela primeira vez não vai ter prefeitura de nenhuma capital. O PCdoB, que se caracterizou pelas alianças com os mais variados partidos de direita nos últimos anos, perdeu mais de um terço das prefeituras, e até São Luiz, onde o governador Flávio Dino apoiou no 2º turno um candidato do Republicanos (partido de Flávio e Carlos Bolsonaro e da Igreja Universal), a prefeitura foi perdida para um candidato da oposição.
Na verdade, onde a esquerda social-democrata não se coligou com setores da direita ela teve um resultado melhor, como expressa a vitória em Belém e a importante votação de Guilherme Boulos em São Paulo, onde, mesmo com toda a máquina do governo estadual, municipal, conglomerados de mídia, bolsa de valores, bancos e igrejas neopentecostais, ele alcançou mais de 2 milhões de votos, ou seja, cerca de 40% dos votos válidos.
Esses resultados mostram como é errado o caminho trilhado por parte dos partidos de esquerda com representação no Congresso Nacional desde a ascensão de Bolsonaro. Há anos esses partidos subordinam todas as lutas do movimento social, sindical e estudantil à lógica eleitoral, na ilusão de que o avanço do fascismo será derrotado nas urnas. Dessa forma, a prioridade máxima tem sido apenas os joguetes parlamentares e o trabalho para eleger esse ou aquele político, deixando a luta de rua secundarizada.
A Unidade Popular e as eleições
No campo da esquerda, sem dúvidas, uma das principais novidades em termos de organização foi a Unidade Popular pelo Socialismo (UP). Embora não estivesse na cabeça de chapa em nenhuma cidade neste segundo turno, a UP estava nas coligações em Belém e São Paulo, além de ter apoiado as candidaturas do campo progressista nas outras cidades.
Mesmo sem tempo de TV e rádio, fundo partidário, dinheiro de empresários e coligações com partidos de direita, e sofrendo também com as restrições da pandemia, a UP conseguiu no primeiro turno votações expressivas em várias cidades, distribuindo milhões de panfletos e propagandeando a luta pelo poder popular e pelo socialismo em suas campanhas. Com certeza saiu fortalecida dessas disputas.
Como para a UP a eleição não é um fim em si, mas um meio de vocalizar as lutas populares, o partido conseguiu sair vitorioso com a ampliação de filiações e abertura de núcleos em várias cidades, além da possibilidade de chegar em 2022 como um dos poucos partidos legalizados organizado nas 27 unidades da federação.
Fascismo será derrotado nas ruas
O que fica claro agora com todos os municípios (à exceção de Macapá, que teve eleição adiada) tendo elegido seus prefeitos é que, mais uma vez, o Brasil mostra ser um país antidemocrático. Desde as regras eleitorais, passando pela cobertura da mídia e o controle pelas milícias e coronéis das nossas cidades, o processo eleitoral é profundamente viciado.
Mais uma vez fica provado por a+b que não tem como derrotar o fascismo pensando apenas nas próximas eleições. A luta tem que ser na rua organizando os trabalhadores e defendendo as pautas populares. O povo pobre não é “burro” porque elegeu esse ou aquele candidato, afinal, num sistema organizado e controlado pelas elites, o resultado não poderia ser muito diferente.
A verdade é que apenas a luta na rua poderá derrotar o fascismo e seus aliados. Para isso, não se pode conciliar com esses setores oligárquicos para conseguir uma ou outra prefeitura, como vimos em muitas cidades. O caminho para derrotar o fascismo é na rua, as urnas serão consequência.