Magno Francisco, Nana Sanches e Wanderson Pinheiro
Direção Nacional da Unidade Popular – UP
O dia 29 de maio de 2021 marcou o retorno dos atos de massas do povo brasileiro pela derrubada do governo fascista de Jair Bolsonaro (sem partido). Já se realizaram cinco grandes manifestações (29/5, 19/6, 03/7, 13/7 e 24/7), inicialmente convocadas por setores da articulação Povo na Rua, mas que logo unificaram o conjunto da esquerda como há tempos não se via.
O êxito das manifestações só foi possível graças a um intenso debate realizado entre partidos e organizações que têm como principal objetivo acabar com esse governo corrupto e assassino de pobres. A exemplo de outros povos latino-americanos que estão em luta contra o neoliberalismo, ficou comprovado na prática que o caminho das mobilizações de rua era possível e vitorioso, apesar da pandemia. A enorme pujança já do primeiro ato surpreendeu a muitos e trouxe novos setores que se somaram aos atos seguintes. Após 5 atos vitoriosos, a questão que se coloca agora é: quais os próximos passos para derrotar o governo e seus representantes?
Comecemos avaliando o ato do dia 24 de julho. Em primeiro lugar, foi uma grandiosa manifestação com centenas de milhares de pessoas – pelo menos mais de 600 mil, segundo avaliações. Como cresceu muito o número de cidades em que ocorreram os atos no Brasil e no exterior, é difícil ter a dimensão quantitativa exata. No entanto, pipocaram leituras de que a manifestação expressou um certo cansaço, que foi “mais do mesmo”, um desfile, sem consequência. Acreditamos que esse sentimento tem base na realidade, na medida em que não foi apresentada nenhuma perspectiva mais ofensiva para derrubada do governo, nem mesmo uma tática que significasse um passo adiante nesse enfrentamento.
Os que apresentam um incômodo com a “mesmice” fazem parte da parcela mais consciente da nossa sociedade. Estes já identificaram parte do problema e procuram a saída, buscando a tática e o formato mais adequado para as próximas manifestações. Enquanto isso, a pequena burguesia oscila, dizendo que os atos foram menores, que existe um suposto descenso da luta, com o objetivo de gerar a desmobilização. Nós afirmamos que esse pessimismo não tem base na realidade, pois o que ocorreu de fato foram cinco atos com milhões de pessoas em menos de dois meses, tendo o último grandes dimensões. O que devemos fazer é debater propostas que representem um salto de qualidade para essa jornada de lutas que iniciamos, rompendo barreiras políticas, ideológicas e práticas.
Corretamente, alguns setores apresentam a Greve Geral como o passo seguinte que colocaria em xeque o fascista Bolsonaro, configurando um enorme avanço rumo à derrubada do governo. No entanto, outras táticas seriam perfeitamente possíveis, a citar: 1) enfrentamentos de rua ultrapassando os cercos policiais; 2) grandes trancamentos de vias de acesso a portos e aeroportos; 3) marchas até os parlamentos estaduais com pautas econômicas e políticas a nível estadual e federal, a exemplo do fim da reforma da previdência, reforma administrativa e a derrubada do governo Bolsonaro; 4) uma grande marcha a Brasília, etc. Os que fazem propostas como estas entenderam que não devemos ficar reféns do Congresso Nacional para realizar um impeachment.
Contudo, nos parece que a radicalização da forma requer também uma radicalização do conteúdo. O povo e a classe trabalhadora só se colocam em marcha se identificarem nas pautas seus interesses econômicos e políticos. E é neste sentido que consideramos a reivindicação do impeachment insuficiente, pois o interesse político de tal pauta reduz o horizonte das ações aos limites da democracia burguesa, sem ao menos colocar em discussão as contra-reformas neoliberais aprovadas pelo Congresso Nacional corrupto.
Trata-se de lembrar que nessa mesma democracia burguesa, o Estado democrático de direito não existe para 9 em cada 10 brasileiros. Afinal, os direitos sociais garantidos na letra da Constituição são uma utopia para a classe trabalhadora. O poder econômico é absolutamente decisivo para determinar o funcionamento e a maneira como as leis e a política são aplicadas. Para a classe trabalhadora, cada vez mais superexplorada e sem acesso aos direitos sociais, é muito mais importante lutar por igualdade econômica e material, pois a igualdade meramente jurídica significa a manutenção da desigualdade de fato.
Ademais, Bolsonaro entregou a sustentação do seu governo para o chamado Centrão (conjunto de partidos de direita que representa a maior parte do congresso, marcados pelo pragmatismo, a corrupção e a usurpação do Estado para garantir os seus interesses). Por isso, se depender desse Congresso vendido o governo não cairá. Assim, reduzir a luta pela derrubada do governo apenas ao impeachment cumpre um efeito desmobilizador.
Dessa maneira, a radicalização na forma dos atos deve estar associada à radicalização do seu conteúdo, das suas pautas. Recuperar os direitos perdidos desde o golpe de 2016 é um começo para a intensificação das mobilizações, um caminho para o protagonismo da classe trabalhadora.
Compreendemos, portanto, que o programa mínimo unitário de toda esquerda deveria ser a revogação das reformas trabalhista e previdenciária aprovadas a partir da derrubada da presidenta Dilma Roussef. Além disso, exigir o cancelamento das privatizações e cadeia para todos os corruptos do governo, incluindo o chefe da corrupção, Bolsonaro.
Esse conteúdo, que representa um enfrentamento ao neoliberalismo, encurrala esse governo corrupto e assassino e possibilita a unidade de todos os setores da esquerda no Brasil. Nesse sentido, desenvolver o conteúdo das pautas é fundamental para tornar cada vez mais possível o protagonismo da classe trabalhadora. Apenas assim, a radicalização mais consequente será realidade e poderá colocar em xeque o governo e derrubá-lo. Com a classe trabalhadora podemos tudo, sem a classe trabalhadora não podemos nada.
As manifestações realizadas representam um grande capital político que não pode ser desperdiçado, mas, para isso, é necessário apostar todas as fichas na unidade da classe trabalhadora contra o governo fascista. Isso significa romper com a insistente política da socialdemocracia de conciliação com a burguesia brasileira, essencialmente antinacional e antipopular. A forma e conteúdo dos atos, que defendem cozinhar Bolsonaro até 2022 sem radicalizar nas pautas e nas táticas, representam, por um lado, a abertura das portas para o golpismo fascista, e, por outro lado, a busca pela conciliação com as políticas neoliberais.
Parece-nos evidente que, enquanto classe, os trabalhadores se movimentam por suas necessidades, seus interesses presentes e futuros. Devemos, portanto, combinar a forma e o conteúdo dos atos com o objetivo estratégico de que as manifestações levem à derrubada do governo. Isso só será possível colocando os interesses econômicos e políticos da classe trabalhadora no centro do debate.
Ir pelo caminho que agrada a burguesia, ou seja, abrir mão de enfrentar o neoliberalismo, é um enorme erro. Aliás, é preciso dizer que o neoliberalismo pavimentou a ascensão do fascismo no Brasil e integra sua própria substância. Se, no futuro, o campo progressista tiver uma vitória eleitoral, por exemplo, e seguir os projetos dos bancos, dos latifundiários que destroem o meio ambiente, das indústrias que radicalizam a exploração, o que sobrará para a classe trabalhadora?
Um povo que reconhece seu passado sabe que o caminho da conciliação com a burguesia nos levou a duras derrotas, perseguições e causou a morte de centenas de lutadores sociais, tanto na Ditadura Militar quanto no período pós-golpe de 2016. Não podemos cometer os mesmos erros. Trilhar o caminho da unidade da classe trabalhadora contra o fascismo, do Povo na Rua pela derrubada do governo, depende da nossa coragem de lutar hoje por um novo amanhã, sem sombra de fascismo e de morte.
Texto falando exatamente o que tem que ser falado agora! Essa foi minha opinião desde o primeiro ato. A gente só vai conseguir botar pressão na burguesia se radicalizar. Chega de passear pela cidade, que isso é coisa pro Carnaval.