Represaram o mar.
Encheram de concreto,
Fabricaram corais,
Fizeram soldados
Seus mais graciosos filhos;
Represaram o mar.
Ali onde já era calmo,
Se aproveitaram:
Encheram-no de veneno,
De verniz,
De vermes,
De vazio.
Mas o mar é velho
E se lembra
E sabe esperar.
Também o mar é jovem
E resiste
E persiste.
Desde ontem as ondas estão altas, diferentes.
Desde ontem seu estrondo brada mais alto que as buzinas roucas dos cargueiros
Que levam lixo rico às costas dos pobres.
Desde ontem o cheiro da praia está diferente, e os gringos
Fazem checkout nos resorts.
Acontece que o mar se cansou de guardar
As almas e lágrimas dos pretos,
Os sonhos das marisqueiras,
Os detritos da mina e da fornalha.
Calem suas buzinas os cargueiros,
Guarde a corja rica seu próprio lixo,
Pois nossa jangada vai sair pro mar
E vem aí a maré vermelha,
Trazendo de volta o que vocês nos roubaram.
Acauã Pozino
Rio de Janeiro