No mês de novembro acontecerá a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental. Antes disso, deverá acontecer as etapas estaduais preparatórias para eleição dos delegados, no entanto, de forma antidemocrática, os prazos das conferências foram modificados pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), afetando a participação daqueles que têm pouco acesso a informações, sobretudo os usuários em situação de vulnerabilidade psicossocial mais agravada.
Nicole Ramos, Amanda de Lucca e Kemi, com colaboração de Rafaela Puri
SÃO PAULO – O Fórum Paulista da Luta Antimanicomial (FPLAM), o Fórum Popular de Saúde e o Bloco Popular da V Conferência Nacional de Saúde Mental no último dia 4 realizaram a Plenária Livre de Saúde Mental Antimanicomial em São Paulo para debater o atual cenário da política de saúde mental e executar a etapa preparatória para a 3ª Conferência Estadual de Saúde Mental e a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental (V CNSM). Entre os diversos movimentos sociais, entidades e coletivos da classe trabalhadora, estiveram presentes a União da Juventude Rebelião (UJR), o Movimento de Mulheres Olga Benário e a Unidade Popular pelo Socialismo (UP).
A Conferência Nacional de Saúde Mental garante um espaço participativo para debater a construção das políticas públicas no campo da saúde mental, visando aprimorar o cuidado em saúde mental nos territórios. A 4ª conferência foi realizada em 2010, ou seja, há 12 anos. A V CNSM será realizada dos dias 8 a 11 de novembro com o tema “A Política de Saúde Mental como Direito: Pela defesa do cuidado em liberdade, rumo a avanços e garantia dos serviços da atenção psicossocial no SUS”.
Mudanças interrompem o processo democrático
Antes da Conferência Nacional, existe uma etapa importante: as Conferências Estaduais. A de São Paulo será realizada nos dias 31 de outubro e 1 de novembro. Pelo regimento da V CNSM, as delegações para a Nacional seriam decididas nas conferências estaduais, que também devem votar as propostas para serem debatidas na Conferência Nacional, garantindo um espaço democrático de decisão.
Porém, às pressas e de forma antidemocrática, os prazos das conferências foram modificados pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), afetando a participação daqueles que têm pouco acesso a informações, sobretudo os usuários em situação de vulnerabilidade psicossocial mais agravada.
Neste processo, a prerrogativa da eleição dos delegados do estado de São Paulo foi atribuída a uma Plenária Eleitoral, a ser realizada no dia 23 de junho na cidade de São Paulo, convocada a menos de um mês antes de sua realização. Diferente da conferência estadual, presencial e com custeio de despesas para quem necessita, a Plenária Eleitoral será realizada online, impossibilitando a participação de pessoas sem acesso à internet, mais uma vez impondo obstáculos à participação popular.
Ademais, informações como datas, regras, horários, etc. sobre a Plenária Eleitoral não estão disponibilizadas de forma clara e nos devidos espaços públicos de divulgação, como o site dos conselhos municipais e estadual e nos serviços de referência; os próprios delegados e profissionais têm buscado esses dados por conta própria.
A delegação é composta por 50% de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), 25% de trabalhadores e 25% de gestores. Ou seja, a população é a majoritária e deve ocupar esse espaço de representação popular. Entretanto, a exclusão digital pode comprometer essa importante ferramenta de participação ativa da nossa classe.
A Plenária Livre de Saúde Mental Antimanicomial como etapa preparatória
Quando se refere à saúde mental no Brasil, as alterações nas formas de tratamentos e na concepção dos sujeitos com sofrimento psíquico podem ser classificadas como atuais, visto que a lei da Reforma Psiquiátrica completa 21 anos. A plenária procurou debater o contexto no qual se encontra a classe trabalhadora, população indígena, negra, LGBTQIAP+, evidenciando as mulheres trans e travestis, pessoas em situação de rua, sujeitos em sofrimentos psíquicos e manicomilizados, indivíduos com deficiência intelectual, usuários de substâncias psicoativas, pois acabam não cumprindo o papel determinado pela sociedade capitalista e também são considerados inadequados pelo padrão social, causando assim um sofrimento devido a repressão e encarceramento em massa de corpos que fogem dos padrões impostos ideologicamente.
Foram debatidos os impactos expressivos no campo de saúde mental, especialmente em relação aos desmontes do governo golpista de Temer até o governo fascista de Bolsonaro, os quais representam o avanço da mercantilização da saúde mental, em razão da ampliação de verbas destinadas às comunidades terapêuticas (CTs). Pode-se destacar a Política Nacional de Drogas, que visa a reinserção social dos indivíduos em sofrimento psíquico e em uso de substâncias psicoativas, porém com o decreto nº 9.761 de 11 de abril de 2019 foi instituído uma nova política em que é extinto a redução de danos, importante estratégia para inserção e inclusão social de modo a controlar o consumo de psicoativos sem necessariamente interromper de forma repentina seu uso. Além da portaria 596/2022 que retira o programa de desinstitucionalização no qual anteriormente cumpria o papel de reinserir indivíduos que se encontravam internados há mais de um ano em hospitais. Sendo assim, a nova Política Nacional de Drogas, usa como alternativa as comunidades terapêuticas que ganham com o adoecimento do nosso povo.
Destaca-se a reprodução do caráter manicomial, de violação de direitos humanos, da ideologia privatizante e de financeirização que distorcem as leis da Reforma Psiquiátrica por interesses comerciais, utilizando os setores públicos e privado para gerar lucro às empresas de saúde e avançar o desmonte na saúde mental.
Na Plenária Livre, a mesa ressaltou, unanimemente, a importância de garantir que as conferências sejam realizadas de maneira democrática em todas as suas etapas. Assegurar a participação popular no campo da saúde mental é debater os reflexos da precarização, exploração e opressão da classe trabalhadora; isto não deve ser diferente nas instâncias deliberativas dos aparelhos de saúde pública. Ademais, a mesa destacou a importância da V CNSM e da 3ª Conferência de Saúde Mental do Estado de São Paulo, ressaltando que ambas as conferências devem garantir um posicionamento radical contra a mercantilização, contra o sucateamento das políticas de saúde e a favor da luta por uma sociedade livre de exploração e opressão.
Uma das organizadoras do evento, Elaine Dias Vasconcelos, Assistente Social do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Adulto e integrante do FPLAM, relatou a importância da plenária para discutir a política de saúde mental de maneira crítica. Também ressaltou que as conferências, apesar de serem um espaço institucional e, portanto, muitas vezes burocráticas e centralizadas em poucos grupos, foram uma conquista do SUS enquanto instrumento de luta. Deve-se resgatar seu caráter popular, especialmente no atual cenário de intensos ataques aos direitos da classe trabalhadora. Atentando-se ao caráter social e material do sofrimento psíquico, Elaine completa: “O modo de produção capitalista produz sofrimento e diversas formas de manicômios”.
Em entrevista com Maurina Moraes Alves (51), mãe de uma das crianças que frequentam o Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (CAPS IJ), convidada pelos profissionais para estar lá com seu filho representando o segmento de usuários dos serviços, ela relatou que achou muito proveitoso o espaço enquanto usuária, pois é uma discussão em prol dos mesmos, e que almeja ver mais usuários presentes no debate nas conferências. Relatou também as dificuldades enfrentadas com a precarização da saúde e principalmente das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Ainda referente ao cenário atual dos desmontes na saúde mental, completou: “Mesmo não entendendo as leis, vivenciamos diretamente os acontecimentos dentro da área. Temos que lutar, mas todos presentes sabem que no cenário que nossa política está no momento, dificulta qualquer coisa, até mesmo um debate democrático”.
Com isso, é essencial que os indivíduos em sofrimento psíquico que acessam os serviços estejam debatendo em conjunto com os profissionais, coletivos e movimentos de luta para garantir um espaço de resistência contra a ideologia manicomial em todos os setores da sociedade capitalista, entendendo que a luta antimanicomial é uma luta por uma nova sociedade livre de exploração e aprisionamento de nossos corpos.