Nos últimos anos, as comunidades terapêuticas tornaram-se as principais executoras das políticas públicas da saúde mental para o tratamento de pessoas que fazem o uso de drogas, recebendo estímulo financeiro dos municípios, estados e da União para a contratação de profissionais e para o funcionamento das instituições.
Amanda de Lucca
Mogi das Cruzes – As comunidades terapêuticas estão presentes no país desde a década de 60, sendo instituições privadas que ofertam internações (em sua maioria involuntária ou compulsória) para pessoas que realizam o uso de drogas. Seu surgimento e, principalmente, o aumento de investimentos dos últimos anos, vem na contramão da Reforma Psiquiátrica que ocorreu no final dos anos 70, realizada graças à luta antimanicomial.
O retrocesso começa em 2011, quando o governo iniciou o programa “Crack, é possível vencer” restabelecendo as internações involuntárias aos indivíduos que fazem o uso abusivo de drogas. Entretanto, no governo fascista de Bolsonaro, ao encerrar a Política Nacional de Redução de Danos, este cenário foi intensificado.
No primeiro ano do governo genocida de Bolsonaro, somente o Ministério da Cidadania – responsável pelo programa de comunidades terapêuticas – transferiu mais de R$ 81 milhões. Em 2021, o valor estimado foi de R$ 134 milhões, resultando em um aumento de 65%, enquanto nos atendimentos psicossociais dos dependentes de álcool e drogas, conhecidos como CAPS AD, foi de 11%.
As violações de direitos como forma de tratamento
A violação de direitos humanos é uma prática cotidiana dentro das comunidades terapêuticas. Segundo o Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, estão presentes nessas instituições o isolamento e restrição do convívio social, visitas restritas, confisco de documentos e dinheiros, privação de liberdades, trabalhos análogos a escravidão, etc.
Com o aval de recursos públicos, essas entidades geram formas de exclusão, sofrimentos e maus tratos para sujeitos em sofrimento psíquico ou em uso de substância abusiva. O isolamento (da cidade, dos familiares e durante a internação), a abstinência e a religião são consideradas as principais formas de “tratamento” nas comunidades terapêuticas, mesmo sem evidências científicas e governamentais que comprovem sua eficácia.
O lucro através do sofrimento
Apesar das irregularidades e violações de direitos, Bolsonaro estabeleceu as comunidades terapêuticas como uma política pública para o tratamento em saúde mental.
Assim, é preciso questionar para quem serve as comunidades terapêuticas e qual o propósito desses serviços, uma vez que, além dos donos lucrarem com recursos públicos, ainda exigem o pagamento de mensalidades das famílias dos internos.
A realidade é que as comunidades terapêuticas incentivam abuso físico e psicológico, trabalho escravo e contenção física e química, fundamentando o plano “terapêutico” exclusivamente à religião. Os novos manicômios servem para responder facilmente e de forma incorreta à um problema extremamente complexo, além de auxiliar nos desmonte das RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) e no que estas significam: a integração social, respeito à diversidade e o cuidado em liberdade de pessoas que fazem uso de drogas e que estão em sofrimento psíquico.
Além disso, a lógica manicomial é fortalecida e está diretamente relacionada com o capitalismo, conforme o psiquiátrica Franco Basaglia, “o hospício é construído para controlar e reprimir os trabalhadores que perderam a capacidade de responder aos interesses capitalista de produção”.
A estrutura do manicômio tem em sua raiz a exploração sobre a classe trabalhadora, jogando-a em condições de vida precárias e degradas pela fome, violência do Estado, falta de moradia, emprego entre outras. Assim, defender a luta antimanicomial também é defender a luta contra o capitalismo.