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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Comerciantes ricos mistificam história de bairros de São Paulo para aumentar seus lucros

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Em São Paulo (SP), populações imigrantes racializadas não escapam dos interesses privatistas dos grandes empresários, que esvaziam a história de luta dos bairros imigrantes para torná-los produtos turísticos, como é o caso da Liberdade, de história indígena e negra antes de japonesa, e do Bom Retiro – de habitação de judeus, coreanos, nordestinos e bolivianos.

Núcleo UP Canindé/Bom Retiro| São Paulo


HISTÓRIA – O bairro da Liberdade no centro de São Paulo é conhecido por sua iluminação, lojas de produtos asiáticos e por sua feira de comida e artesanato de final de semana. Em 2018, a estação de metrô mudou de nome, passando a se chamar Japão-Liberdade. 

O que fica apagado nesta narrativa do bairro é a presença do povo negro desde o século XVIII. Lá, existia o Pelourinho, lugar em que castigava-se negros escravizados, passando a ser mais tarde uma periferia nas costas da Catedral da Sé onde moraram pessoas negras alforriadas, de acordo com o jornalista e pesquisador do bairro da Liberdade, Abílio Soares.

A Capela dos Aflitos era o lugar onde se velavam os corpos de pessoas negras, indígenas e pobres enterradas no Cemitério dos Aflitos, local que hoje é um sítio arqueológico depois de encontradas as ossadas nas escavações de uma obra.

Uma notória figura na história do povo negro no bairro foi Francisco José das Chagas, o Chaguinhas, cabo na época do império português, condenado à forca por protestar contra 5 anos de atraso no salário. Em sua execução pública no Largo da Forca, relata-se que a corda que o enforcaria teria arrebentado ao menos 2 vezes, levando o povo a gritar “Liberdade!”. 

Cerca de 200 anos após a execução de Chaguinhas, o que se preservou da memória negra no bairro da Liberdade foi a custo de muita luta de movimentos sociais e patrimoniais de lideranças negras, nos últimos anos com parceria de lideranças indígenas, combatendo o esforço privatista para que se apague essa história em nome da hegemonia japonesa, lucrativa como ponto turístico.

O Projeto de Lei que pretendia expulsar feirantes que não fossem japoneses

O Projeto de Lei 789/19 proposto pelo vereador Aurélio Nomura (PSDB) junto com Ota (PSB) coloca em seu art. 2º que é vetada a comercialização de produtos que não sejam de origem “oriental” ou com características “orientais” – o que excluiria e retiraria a fonte de renda de feirantes que comercializam gastronomia e artesanato de outros grupos étnico-raciais, como as barracas de caldo de cana e acarajé.

O PSDB, com seu histórico de Guarda Civil Municipal racista e violenta, mais uma vez elaborou um projeto contra a vida dos trabalhadores: a retirada da fonte de renda num momento de crise sanitária em que nem havia perspectiva de vacinação no Brasil e o agravamento da crise econômica reduziria ou eliminaria as chances de se proteger do coronavírus.

Este PL foi derrubado graças à ação de coletivos asiáticos, movimentos sociais e trabalhadores da feira numa mobilização popular que barrou a ação de políticos nipo-descendentes de direita.

O projeto de gentrificação do centro de São Paulo é de longa data: a especulação imobiliária expulsa pessoas que não podem pagar pelo novo valor dos aluguéis e as empurra para as periferias; a polícia é truculenta com as pessoas em situação de rua e camelôs ao redor da Catedral da Sé, e são recorrentes os casos de negligência às violências sofridas pela população trans e travesti.

A higienização promovida no bairro da Liberdade atualmente tem o empresário dono das lojas Ikesaki como articulador, propositor da mudança do nome da Praça e da estação de metrô, na busca por uma “japonificação” do bairro, da cultura que se esvazia e é transformada em mercadoria. Não à toa o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas constrói duas ocupações no bairro em imóveis que estavam sem função social há mais de 10 anos.

A luta a ser construída

A Liberdade é um bairro muito mais complexo do que sua roupagem japonesa construída por empresários. Além da história de longa data do povo negro e dos interesses de lucrar ao fazer da cultura pura mercadoria, o bairro tem em seus habitantes nordestinos e descendentes de libaneses, e é moradia de imigrantes que chegaram nesta última década – marcando presença com o Centro Cultural Guiné Bissau e a Ocupação dos Imigrantes Jean-Jacques Dessalines (MLB) que homenageia o revolucionário do Haiti.

O histórico bem-sucedido de lucro em cima da imigração no bairro acaba servindo como precedente para uma onda de gentrificação muito semelhante no Bom Retiro, também no centro de São Paulo.

Em março deste ano, a tradicional Rua Prates já foi renomeada para Prates-Coreia e existe a intenção de renomear a Rua Três Rios para Rua Seul e o metrô Tiradentes para Tiradentes-Coreia do Sul, além de copiar as luminárias “orientais” da Liberdade.

Sob a mesma justificativa de revitalização do bairro usada na Liberdade anos atrás pelo então prefeito João Dória, essas mudanças viriam para tornar o bairro uma referência cultural coreana no Brasil, de maneira turística e lucrativa para a iniciativa privada.

O que isso significa para a classe trabalhadora do bairro?

Cerca de 60% dos projetos de lei propostos por vereadores são referentes à mudança de nome de ruas, pouco dizem respeito aos problemas cotidianos enfrentados na cidade. O núcleo da Unidade Popular do Canindé perguntou aos moradores numa brigada do Jornal A Verdade o que eles consideravam os maiores problemas do bairro: entre segurança, falta de políticas públicas, alagamentos, xenofobia e polícia violenta com ambulantes, nenhum mencionou incômodo com nome de ruas.

Fica claro que existem questões concretas que afetam a vida no Bom Retiro e nenhuma delas seria resolvida com a troca de nome de ruas que apagam a presença de italianos, bolivianos, judeus, negros e nordestinos no bairro. 

Assim como na Liberdade, o verdadeiro motor da gentrificação é uma minoria de representantes da burguesia brasileira de ascendência asiática com seus interesses privatistas. É essa parcela dos altos cargos de poder que se beneficia do racismo anti-negritude, da xenofobia com migrantes latino-americanos e nordestinos e, no caso do Bom Retiro, do antissemitismo, para construir uma narrativa artificial do território em que a lucratividade turística predomina.

Culpabilizar a classe trabalhadora coreana imigrante pela gentrificação é um erro pois usa o ódio contra imigrantes para mascarar a destruição capitalista, verdadeira responsável pela exploração do bairro – gentrificação essa que inclusive, desumaniza os moradores amarelos ao torná-los mais um objeto decorativo, exótico e fetichizado pela branquitude que passa a consumir o bairro.

A solidariedade internacionalista de classe e de raça deve ser usada na luta pelos direitos da classe trabalhadora dessas regiões contra os interesses de grandes empresários e de um Estado racista.

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