A Saúde Pública para o povo preto e as periferias

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A Redação do Jornal A Verdade e a Coordenação Nacional do MLB entrevistaram Carlos Silvan, especialista em saúde e militante do SUS, para debater a saúde nas periferias

Coordenação Nacional do MLB


ENTREVISTA – Carlos é Doutor em Educação, sanitarista, especialista em Antropologia da Saúde, professor e pesquisador. Morador da área Rural de Afogados da Ingazeira (PE), atua hoje no GT Saúde da População Negra da ABPN , no GT de Saúde e Racismo da ABRASCO e é membro do Coletivo Nacional de Saúde do MLB. Confira a entrevista:

Jornal A Verdade – Quais as principais dificuldades de acesso à saúde enfrentadas hoje nas periferias, principalmente pelas pessoas negras? E de que forma as políticas de habitação contribuem com o acesso do povo pobre e preto à saúde?

Carlos Silvan: Penso que o tema saúde e periferia estão muito ligados. Os negros e negras, os trabalhadores, vivem na pobreza por que não tem acesso aos serviços, casas e tudo o que produzem. Apesar de produzirmos tudo, no modelo capitalista de produção, tudo nos é negado.

Então nós moramos nas periferias e estamos sempre longe do centro, longe de todos os equipamentos e serviços disponíveis para a saúde. Ou seja, sem acesso à cidade os moradores das periferias não têm também direito de acesso à saúde. O principal responsável é o capitalismo, e queria colocar também o racismo como determinante social de saúde.

Quem vive na periferia, que são os pobres e em sua maioria os negros, tem muita dificuldade de acessar os serviços, inclusive de acessar os atendimentos especializados, ou seja, fazer exames complexos para investigar e ter diagnósticos mais difíceis, ter acesso à cirurgias e a internamento, por exemplo.

Isso porque, quando temos acesso ao equipamento de saúde, geralmente acessamos as unidades de saúde que são superlotadas, onde faltam médicos, especialistas, medicamentos…

Além disso, o direito à moradia digna é questão de humanidade. E quando falamos de moradia digna falamos de um conjunto de coisas, como: saneamento básico, acesso ao centro da cidade, coleta de lixo, etc. Quando falta isso, as pessoas adoecem.

A questão é que o povo não tem acesso a habitação porque não tem política habitacional suficiente, e quando tem, necessariamente, os negros vão ter dificuldade de acessar oficialmente porque essas mais moradias precisam muitas vezes ter algum tipo de financiamento ou necessidade de comprovação de renda.

Portanto, garantir acesso à moradia para todas e todos é fundamental. A verdade é que a falta de moradia digna ajuda na produção de doenças e quem sofre com isso é só o povo pobre e periférico.

Por que a defesa do SUS é uma luta do povo das favelas?

Os Movimentos Sociais tiveram um papel importante na construção do SUS, em especial os movimentos de mulheres pretas e trabalhadoras, movimentos indígenas, religiosos e de bairros.

Portanto, precisamos destacar que as favelas, a periferia, ajudaram em muito a construir o sistema de saúde que temos hoje e, ainda assim, esse é o povo que mais tem dificuldade em acessá-lo. Por outro lado, ainda é um grande desafio que o povo pobre compreenda mais profundamente como funciona o SUS, sua universalidade e demais princípios e que este serviço é um direito.

Então a defesa do SUS é fundamental e é uma luta do povo das favelas e ocupações. Só com essa luta será possível que todas e todos acessem a atenção básica à saúde de forma qualificada, com respeito e dignidade.

O orçamento público está em disputa entre as classes e vemos diversas iniciativas e debates sobre a privatização do serviço público de saúde. De que maneira esse tipo de proposta atrasa a luta histórica dos movimentos sociais pela saúde e como o povo preto e periférico é afetado por esse tipo de medida?

O orçamento público hoje serve aos interesses daqueles que estão no controle dessa sociedade, os grandes ricos. São eles que decidem para onde o dinheiro vai ou deixa de ir. Para eles não interessa que o dinheiro seja destinado para construir mais casas populares, mais postos de saúde, mais escolas… o dinheiro público serve só para manter esse sistema e para enriquecer cada vez mais, individualmente.

É fundamental que os trabalhadores, pobres, crentes, as mulheres, o povo periférico se organize e comece a debater sobre esse tema. Pra mim é fundamental que a gente se organize e comece a debater isso.

A privatização da saúde só interessa às empresas privadas de saúde. Ela não pode interessar os trabalhadores e trabalhadoras. Nós, mulheres e homens negros e negras, periféricos e periféricas, não podemos nunca nos iludir com essa ideia de que a privatização é uma coisa boa pra nós, Não é!

A gente não pode se enganar acreditando, por exemplo, que os planos de saúde são uma coisa boa pra gente. Não! É uma empresa privada de saúde, que tem dono, que tem acionistas, que controlam isso com objetivo único de enriquecer, sem garantir qualidade ou acesso.

No caso do Sistema Público de Saúde, o SUS, ele serve para que todo mundo possa ter direito à saúde plena e nós precisamos debater e lutar para que se invista mais no SUS para que ele possa cumprir seu papel.

Então, para mim, a privatização, não importa o modelo, só atrapalha, só piora o serviço e só serve para excluir mais e mais gente. Nós temos que ser veementemente contra a privatização da saúde.

Eu defendo que as pessoas compreendam a maldade que está por trás das privatizações. Não nos enganemos com os planos de saúde e com as previdências privadas. Precisamos lutar para defender o SUS, brigar para garantir mais investimentos a ele, afinal o SUS é de todos os trabalhadores, de todo o povo e não pode servir de mercado para uma meia dúzia.

De que maneira o arcabouço fiscal e outros cortes vem contribuindo para o aumento da desigualdade?

É papel do Estado garantir garantir decência, dignidade e direito para os seus. E eu estou falando de educação, de moradia, de produção de trabalho, de renda e de saúde.

Falta dinheiro? Então os ricos têm que pagar mais impostos, por exemplo. Quando isso não é feito, como é o caso do Brasil, quanto o Governo deixa de arrecadar e consequentemente de investir? Temos que defender a taxação dos ricos para gerar mais receitas e para que se possa investir mais em políticas públicas estruturantes como saúde, educação, segurança, moradia e saúde.

Agora a questão fundamental é que nosso país é rico, mas o dinheiro não é redirecionado resolver os problemas do povo, pelo contrário, ainda se toma ações para que todo o dinheiro seja limitado para as frentes que são de maior interesse dos trabalhadores e trabalhadoras, como é o caso do arcabouço fiscal. Essa política serve só para manter o poder nas mãos da burguesia.

Uma das principais bandeiras de luta do MLB é a reforma urbana, inclusive em defesa da saúde pública. Essa luta pode contribuir para os avanços no acesso à saúde pública?

Com certeza. A garantia desse direito para a população negra e periférica é muito injusta, muito desigual. Então quando um Movimento se dedica à luta pela reforma urbana e pelo direito a morar na cidade, esse Movimento está dizendo que a cidade deve ser palco da cidadania, lugar de todos os que nela produzem e portanto lugar onde todas e todos possam acessar os principais equipamentos sociais públicos: escolas, comunidades de saúde, hospitais, centros de tecnologia, ou seja, a luta por uma cidade que que tenha de fato inclusão social e diversidade de pessoas. É necessário que as periferias também se tornem centro.

Acontece que hoje as cidades brasileiras constroem centros que são para poucos, só ali a economia gira e portanto só quem pode consumir os frutos de toda essa economia podem acessá-la. Então essa luta do MLB é importante por que a luta pela reforma urbana é a luta por um conjunto de equipamentos sociais que dá dignidade as pessoas, que garante dignidade aos povos, aos negros, as pessoas em situação de periferia, as pessoas das favelas. A luta pela reforma urbana é também uma luta em defesa da saúde pública.