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domingo, 24 de novembro de 2024

Damaris Lucena, mulher negra, nordestina e revolucionária

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Damaris Lucena – mulher negra, nordestina e mãe – foi líder sindical e comunista revolucionária que lutou pelo Socialismo, pelo direito das mulheres trabalhadoras e contra a ditadura militar, vencendo a tortura ao não entregar seus camaradas de luta

Nicole Ramos* | São Paulo


MULHERES – Mulher negra e nordestina, mãe de 4 filhos, operária e comunista. Damaris Oliveira Lucena, nasceu em 1927 no município de Codó, no Maranhão, onde teve uma infância rodeada pela miséria. Quando Damaris ainda era bebê, sua mãe faleceu de fome porque deixava que a família pudesse comer primeiro, devido a pouca comida.

Na adolescência já trabalhava na roça quebrando coco, lavando roupas, cortando lenhas dentre outras tarefas. Advinda de muita luta contra a miséria, com seus 16 anos se mudou para Caxias-MA e se tornou operária de uma fábrica onde conheceu seu esposo Antônio Raymundo Lucena.

Enfrentando a pobreza e a falta de direitos na fábrica, em 1950, o casal decidiu vir para São Paulo em um transporte irregular enquanto Damaris estava grávida e começaram a trabalhar na indústria têxtil Jafet localizada no Ipiranga.

Nesse período, Damaris passou pela perda de seu primeiro filho por infecção respiratória. Mas a família cresceu depois que tiveram seus filhos: Ariston, Denise, Telma e criaram Ñasaindy Barrett.

Símbolo da Luta Sindical

Ainda como operária na tecelagem, Damaris teve seu primeiro contato com a luta popular e sindical, aos 24 anos: “Eu vim escutar a palavra comunismo aqui em São Paulo, quando eu cheguei. Eu perguntei: ‘Gente, o que é comunismo?’. ‘Ah, companheira, comunismo é as pessoas que querem que as pessoas tenham escola, tenham alimento, hospital’. Ah bom, então eu pensei. ‘Eu sou comunista porque eu quero que tenha tudo isso para todo mundo’. Então por isso que eu me envolvi com a luta de beneficiar todo mundo.” (depoimento dado ao livro: Infância roubada: crianças atingidas pela ditadura militar – 2014)

Damaris começou a dedicar sua vida à militância na luta sindical e no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Participou do Congresso de Mulheres Operárias – realizado no Rio de Janeiro em 1956 – sendo vista como referência às mulheres operárias. Negociava direitos com os patrões e foi a primeira a conseguir aumentar o tempo de amamentação dentro da fábrica.

Na greve de dez dias, em 1958, participou ativamente, foi presa e quando liberada fez um discurso a milhares de grevistas, em especial as mulheres – por conta disso foi demitida.

Em 1967, debaixo da Ditadura Militar, ela, seu marido e filhos passaram a viver na clandestinidade, se integrando à luta armada na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), com isso viveram em diversas cidades de São Paulo como Praia Grande, em Embu-Guaçu e Atibaia.

Ficha de Damaris de Oliveira Lucena. Arquivo Público o Estado de São Paulo. Fonte: Memorial da Resistência de São Paulo.

Resistência na Ditadura

Para resistir à violência causada pela ditadura a família Lucena era responsável por morar em lugares que pudessem proteger militantes, esconder armamentos, remédios, entre outros itens.

Mas a vida da família mudaria drasticamente em fevereiro de 1970, quando, atingidos por uma emboscada enquanto Damaris alfabetizava seus filhos, escutaram barulhos do lado de fora e Antônio, com a arma em mãos, saiu de casa para ver o que estava acontecendo e foi atingido por diversos tiros em frente aos seus filhos: Telma com 3 anos, Adilson com 8 anos e Denise com 9 anos. Não bastasse a execução de seu marido, Damaris foi levada à delegacia local, onde foi brutalmente agredida e teve seus filhos retirados dela.

Na delegacia, foi agredida por todos os delegados da região. Na época, o torturador Sérgio Paranhos Fleury visitava a cidade e foi um dos mais cruéis torturadores de Damaris – furioso por não ter encontrado Antônio vivo para tirar informações acerca da VPR, .

Damaris foi levada para o Departamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e separada de seus filhos que foram levados para uma instituição de menores na Zona Leste de São Paulo. Lá, sofriam maus tratos, pois eram vistos como filho de terroristas:

“Lá eles foram pra sofrer. Molhavam até os colchões que eles deitavam. A cozinheira batia com a faca na cabeça da minha filha: ‘você vai fazer esse serviço aqui, vocês são os filhos dos terroristas’. Olha, foi um sofrimento pros meus filhos e eu não sabia de nada disso porque eu estava sendo torturada, nem sabia onde meus filhos andavam”.

Denise também relembra: “A gente ficava assim num canto, parecia que a gente estava se escondendo do mundo, porque a gente vivia apavorado com tudo e com todos”.

Damaris foi libertada, em 1971, a partir de uma ação organizada pela VPR que sequestrou Nobuo Okuchi – na época cônsul do Japão – em troca da liberdade da comunista, sendo exilada no México junto com seus filhos. Pouco tempo depois, se asilou em Cuba a convite de Fidel Castro, onde passou internada vários meses para tratar das inúmeras torturas sofridas:

“Fui muito torturada, apanhei muito, tive até que fazer operação porque arrebentou minha vagina, mas nada disso me deixa triste, pelo contrário, isso me deixa mais encorajada, porque eu tive coragem de enfrentar a repressão e violência do próprio ser humano, da ditadura, dos governos” ( Relato de Damaris para o projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça).

Em Cuba, Damaris pôde viver com seus filhos e começou os estudos na faculdade de jornalismo. Lá passou a criar Ñasaindy Barrett de Araújo – filha de outra grande mulher revolucionária, Soledad Barrett Viedma, assassinada pela ditadura militar na Chacina da Chácara São Bento, em Pernambuco.

Exemplo da luta das mulheres

Damaris Lucena foi uma grande revolucionária, líder sindical e comunista que lutou bravamente pelo direito das mulheres trabalhadoras, assim como pela construção de uma nova sociedade livre da fome, da miséria e com melhores condições de vida para o povo trabalhador.

Mesmo brutalmente torturada, se manteve de pé sem falar nada aos seus torturadores, sem entregar seus camaradas.

Faleceu em 2020, devido a um câncer de estômago. Mas sua luta, resistência e legado continuam vivos. Devemos honrar e manter viva a memória desta revolucionária nordestina, trabalhadora e mãe que lutou pela vida das mulheres e crianças.

DAMARIS LUCENA PRESENTE!

POR MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA!

*coordenadora de núcleo do Movimento de mulheres Olga Benario da zona leste

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