Trabalhadoras do setor de tecnologia lutam contra baixos salários e dupla jornada

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A volta ao modelo presencial de trabalho tem levado a exclusão das mães que trabalham com tecnologia. Devido à falta de creches, essas trabalhadoras viram no home office uma possibilidade de sustentar suas famílias.

Coord. Movimento Luta de Classes – SP


TRABALHADORAS – Disputar espaço em um mercado dominado por homens, ganhando muito menos, mesmo com um currículo melhor ou estudando mais é a realidade de muitas mulheres trabalhadoras, especialmente no setor de tecnologia.

Entre 2015 e 2022, o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) estima que a participação feminina no setor de TI tenha aumentado 60%. Apesar disso, o mercado ainda é composto por 83% de homens e fica ainda mais desproporcional em carreiras como full-stack, infraestrutura e back-end, nas quais, de 10 trabalhadores, apenas 1 é mulher.

Outra disparidade é a remuneração. Em São Paulo, mesmo entre as mais escolarizadas, o salário delas é de R$22,09 por hora, enquanto os homens não-negros recebem R$27,15 para as mesmas funções, segundo a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados).

Quando se compara o salário das mulheres negras, a diferença é ainda maior, enquanto elas recebem R$13,86 por hora, os homens não-negros recebem o dobro e os homens negros, R$ 15,65. 

Volta ao trabalho presencial aprofunda disparidade de gênero

Pesquisas indicam que o trabalho presencial cresceu de 10% para 18% após a pandemia. O problema é que uma das formas de diminuir a disparidade de gênero para as trabalhadoras é o home office

Muitas mães trabalhadoras têm se apoiado no modelo para conciliar as tarefas domésticas e de cuidado à família com o trabalho. Segundo divulgado no Jornal A Verdade, o Brasil tem 2,5 milhões de crianças sem acesso à creche, por conta disso, o fim ou redução da oferta de vagas no modelo remoto significará, necessariamente, menos mulheres no mercado de trabalho do setor de TI.

A designer de interface, Aline Silva da Costa Martins, por exemplo, está desempregada desde que foi demitida e ainda não encontrou uma vaga 100% remota. Ela tem um filho autista e precisa conciliar o trabalho com a terapia dele. “É difícil pra toda mãe, encontrar creche ou escola integral pros filhos, no meu caso é ainda mais difícil, é triste mas ninguém quer a responsabilidade de cuidar de uma criança com necessidades especiais”, relata.

Para ela, nem mesmo o formato híbrido, no qual os trabalhadores passam parte do tempo no escritório e parte em casa, funcionaria. “Na escola, ou a criança fica em período integral ou meio período todos os dias, ou seja, não dá para deixar ele meio período apenas em alguns dias”.

A trabalhadora ainda denuncia a falta de vagas nas clínicas que realizam essas terapias. “As particulares estão todas lotadas, se der sorte de conseguir vaga no sistema público não dá nem pra cogitar mudar dia ou horário de atendimento”, diz.

Já Thaciane Rollemberg, redatora em uma empresa de meios de pagamento, também afirma que não existe possibilidade de trabalhar presencialmente e cuidar da rotina com o filho. “Se hoje a empresa que eu trabalho decidisse voltar ao presencial, provavelmente eu pediria para sair e procuraria outra empresa. Meu filho precisa muito de mim e qualquer empresa que tenha a nossa área, será pelo menos 1h30 de distância da minha casa”, explica.

Ela relata que o home office foi uma oportunidade inclusive para melhorar a sua própria qualidade de vida. “No meu último trabalho eu cheguei a passar muito mal na condução, quando o trem teve um problema e estava com superlotação”, relata.

No caso de Jeniffer Lacerda, designer de UX, o trabalho é dobrado, já que ela é mãe solo. Ela tem dois filhos, um de 13 e o outro de 9 e durante a pandemia passou a trabalhar de home office. “Isso me permitiu acompanhar mais de perto a evolução deles, conversas, trocas, futebol, ensinar tarefas domésticas”, explica.

Caso a empresa solicitasse que ela voltasse ao trabalho presencial, ela explica que precisaria de uma rede de apoio ou pagar alguém para ficar com os filhos, pois a empresa hoje não fornece auxílio de escola para a idade deles. “Se eu fosse voltar pro presencial, hoje levaria 2 horas para chegar no serviço, se fosse de carro, e mais 2 pra voltar. São 4 horas do meu dia que posso fazer outras coisas como organizar a casa, ter tempo de qualidade com os meus filhos ou fazer uma atividade física”. 

Ela acredita que o home office é importante para a qualidade de vida e segurança da família. “Se acontece alguma coisa eu demoraria 2 horas pra chegar até aqui. Home office é a segurança de estar perto, voltar ao presencial não é uma opção. É um modelo que funciona e muito bem. Voltar pro presencial não faz sentido porque as minhas reuniões são online”, afirma.

Ao fim, fica claro que as mães trabalhadoras são obrigadas e levar para dentro de casa a dupla e tripla jornada de trabalho. A falta de creches públicas, salários baixíssimos e condições horrível de transporte público impõe às mulheres trabalhadoras da área de tecnologia uma realidade de ter que transformar a própria casa no espaço de trabalho para os patrões.