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sábado, 23 de novembro de 2024

Vila Amaury, a ocupação dos operários que construíram Brasília

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Entre 1957 e 1960, moraram na Vila Amaury mais de 4 mil famílias de “candangos”, os trabalhadores que puseram Brasília de pé. Essa verdadeira ocupação foi inundada pelo Lago Paranoá quando a capital foi inaugurada, mas sua história de independência frente às empreiteiras e o governo merece ser sempre lembrada

Thiago Medeiros | Brasília (DF)


A morte de Amaury foi premeditada! A Ocupação Vila Amaury, que abrigou em torno de 4.000 famílias entre 1957 e 1960, foi um importante espaço para a vida candanga durante a construção de Brasília. Uma ocupação independente das construtoras, erguida pelas mãos calejadas da classe trabalhadora e mantida de pé por seu espirito solidário.

Amaury foi onde muitas famílias conseguiram achar um lar e uma comunidade durante a empreitada da construção da nova capital federal. O espaço que chegou a ter um parque de diversões com roda gigante e uma rádio própria, com direito a declarações de amor, anúncios, avisos importantes e música para o povo aproveitar, existe hoje somente nas memórias daqueles que a conheceram e no fundo do Lago Paranoá. A Vila que o povo candango construiu, desde o início tinha seus dias contados. Amaury foi morta afogada, sem ar, debaixo d’água, encoberta pela maré artificial da transposição do Rio Paranoá.

As vilas operárias

O projeto para a construção de Brasília era ambicioso. Ambicioso até demais. A promessa feita pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek, para desenvolver o Brasil “cinquenta anos em cinco”, só poderia se efetivar porque toda a jurisdição do território que viria a ser o Distrito Federal tinha sido passada para empresa estatal Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil), que ignorava inúmeros direitos e necessidades do povo candango em troca de cumprir seu objetivo final: viabilizar a construção de Brasília custasse o que custasse.

Entre as muitas violações que a população candanga sofreu nesse período, o direito à moradia foi uma das mais sentidas. Muitos dos trabalhadores moravam em alojamentos que seguiam à risca o modelo de “vilas operárias”, espaços que existiam para que as empreiteiras contratadas pela Novacap pudessem controlar e explorar ainda mais seus trabalhadores. Proximidade aos canteiros, espaços cercados, toque de recolher, horários para as refeições e vigias constantes eram comuns nesses espaços. A semelhança a uma prisão demonstrava o nível de tutela que as empresas queriam ter sobre os operários.

A Vila Amaury, no entanto, fugia um pouco desse modelo, pois era independente das construtoras, composta de casas feitas de tábuas de madeira e sacos de cimento extraviados das obras da construção de Brasília. Destacava-se também por abrigar famílias, já que as empreiteiras davam preferência para homens solteiros em seus alojamentos.

Por que, então, a Novacap deixou florescer um espaço tão grande e diferente dos seus outros alojamentos sem represálias? Seria um resquício de bondade e de compaixão com a condição humana ou com a necessidade de moradia? Claro que não! É porque lhe era conveniente!

Primeiro, mantinha a proximidade do povo candango com os canteiros de obras; segundo, criava um espaço onde concentrar os operários; e finalmente, a área onde ficava a ocupação seria inteiramente inundada pela transposição do que viria a ser o Lago Paranoá.

Quando ocupações e favelas despontavam em outras regiões, eram rapidamente instruídas a levar seus barracos para a Vila Amaury. Tal como o gado engordado para o abate, Amaury se edificava sobre sua própria cova. O destino da Vila demonstra claramente o que os executores de Brasília pensavam sobre o povo que construiu a nova capital: uma necessidade temporária, uma presença a ser esquecida, uma sujeira a ser lavada pelas águas.

O plano de transferência

Em 12 de setembro de 1959, fecha-se a barragem do Rio Paranoá e a água começa a subir em direção à Vila Amaury.

A Novacap apresentou o Plano da Transferência da População da Vila Amaury para as Cidades Satélites, emitido em 27 de outubro de 1959. A população seria remanejada para duas cidades satélites, Taguatinga e Sobradinho. A primeira, já havia recebido moradores de outras ocupações desarticuladas pela empresa estatal e não comportaria as novas famílias. Já a segunda, ainda era um projeto de cidade. Não tinha água para fornecer, energia elétrica, fossas, escoadouros, postos de saúde, mercados, postos policiais, corpo de bombeiros ou mesmo uma capela. A transferência levaria os candangos de uma cidade jurada de morte para uma que era apenas um projeto no papel. E a água subia…

Por seis meses, o lago vai tomando seu espaço prometido, rastejando para a “cota 1000”, nível no qual o reservatório poderia operar normalmente. As famílias da Vila Amaury iam sendo remanejadas precariamente através das estratégias do Plano novacapista e, pouco a pouco, a Vila ia sumindo, afogada pelo Lago Paranoá.

Quem construiu a Capital?

Quando vemos o sobrenome Kubitschek estampado em tantos prédios públicos e históricos do Distrito Federal somos levados a imaginar que o responsável pela construção da Capital foi Juscelino. Ele, como um super-herói da construção civil, ergueu prédio após prédio, quadra após quadra. Ergueu a Catedral e o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

É fácil esquecer do povo candango. Enquanto o nome de JK está espalhado pelo Plano Piloto, os restos dos verdadeiros construtores da Capital estão escondidos, seja no fundo do Paranoá, seja nas origens das cidades satélites. O povo candango foi apagado, nossa luta, nossa dor, nossa felicidade e, principalmente, nossa história.

Cantemos, então, os nomes dos nossos heróis! Não deixemos que eles sejam levados pelas águas do esquecimento! Lembremos sempre quem construiu a Capital: o povo candango! Viva a nossa história!

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