Cláudio Guerra, assassino confesso da Ditadura Militar, escreveu o livro Memórias de uma Guerra Suja no qual mente descaradamente sobre os covardes assassinatos dos dirigentes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) durante os anos de chumbo. O objetivo das mentiras do matador é proteger alguns dos seus colegas de profissão, despistando assim, a Comissão da Verdade.
Temendo que o crescimento do movimento reivindicatório e político das classes trabalhadoras ameaçasse os fabulosos lucros dos seus monopólios e desapontados com a negativa do governo João Goulart de apoiar a intervenção militar em Cuba no ano de 1961, o governo dos EUA passou a trabalhar diuturnamente para derrubar o governo brasileiro.
Para alcançar o sucesso nesta criminosa empreitada, os grandes capitalistas dos EUA e do Brasil aliciaram os generais, políticos, cardeais e os donos de jornais, rádios e TVs mais reacionários do país.
Para esmagar a resistência da juventude e do povo, colocaram os tanques nas ruas, fecharam o Congresso Nacional, O CGT, a UNE, a UBES, cassaram os mandatos de políticos, promotores e juizes de esquerda, seqüestraram, encarceraram, assassinaram sob torturas, ocultaram cadáveres e exilaram as principais lideranças do povo brasileiro.
Para garantir a longevidade da primeira e mais longa ditadura da América Latina (1964-1985), as Forças Armadas se acercaram do que havia de mais podre no seu próprio seio e nas entranhas dos esquadrões da morte alojados nas polícias civil e militar.
Um desses policiais bandidos, de natureza nazifascista, que atende pelo nome de Cláudio Guerra, de Vitória (ES), hoje com 73 anos de idade, resolveu falar e contar, segundo ele, tudo que sabe (será mesmo?) sobre os chamados anos de chumbo. Seu depoimento, dado aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, foi publicado no livro Memórias de uma Guerra Suja (Top books Editora, Rio de Janeiro, 2012).
“Matador frio e implacável”
É assim que os próprios jornalistas classificam o seu entrevistado. Porém, complacentes, não acrescentam o epíteto de covarde e mentiroso. Em momento algum, o policial a serviço dos generais fascistas no Brasil, agora travestido de pastor, relata algum confronto em que tenha enfrentado cara a cara suas vítimas, os patriotas, os comunistas ou religiosos. Matando sempre pelas costas, em emboscadas, em ações de surpresa, para dar um “tiro de misericórdia em quem já estava agonizando”. Mentira. Na verdade, todas as suas vítimas políticas, sem exceção, foram extremamente torturadas até a morte, muitas delas estupradas, tudo com o objetivo de arrancar informações sobre a organização dos revolucionários e da resistência armada à ditadura e tentar converter algum resistente em delator e até em agente policial. Esta foi a via crucis a que todos os revolucionários seqüestrados foram submetidos, depois do surgimento do DOI-CODI no final de 1969. O ex-delegado fascista omite propositadamente todos os casos de seqüestros e torturas de que participou porque sabe que estes crimes são imprescritíveis por sua natureza de lesa-humanidade, assumindo somente os crimes de assassinatos que já prescreveram por terem sidos praticados há mais de trinta anos.
Logo após o fim da ditadura, Cláudio Guerra se transformou em matador de aluguel à disposição dos patrões capixabas para eliminar lideranças sindicais rurais e urbanas. Matou a própria mulher e uma cunhada e jogou os corpos no lixo no início dos anos 80. Este é o perfil de um perigoso criminoso, de um monstro criado e cevado pelo governo militar, que agora anda de Bíblia na mão, se passando por pastor para tentar ludibriar A Comissão da Verdade e os familiares dos mortos e desaparecidos políticos, todos no encalço daqueles que torturaram até a morte e sumiram com os corpos dos seus entes queridos e abnegados heróis da causa da liberdade, da justiça e do socialismo.
No início dos anos 70, Claudio Guerra era delegado da polícia civil em Vitória (ES), envolvido com esquadrões da morte e com o jogo do bicho. Unificou as bancas para melhor controlá-las e matou os bicheiros que não aceitaram sua truculenta liderança.
Mercenário da repressão política do Estado
No final de 1972, o Procurador Federal no Espírito Santo, Geraldo Abreu (as procuradorias eram órgãos de apoio e articulação da perseguição à oposição do governo militar), apresentou Cláudio ao comandante-maior da repressão política, o coronel do exército Freddie Perdigão Pereira. Esta macabra parceria resultou em 15 anos de crimes hediondos, como mortes sob torturas, seqüestro e desaparecimento dos corpos de inúmeros militantes políticos de oposição ao regime militar, até hoje impunes, entre os quais o réu confesso e ainda em liberdade, Cláudio Guerra, assume os seguintes:
Execução de Nestor Veras (PCB), Ronaldo Moutinho Queiroz (ALN), Merival Araújo (ALN), Almir Custódio de Lima, Ramires Maranhão do Vale e Vitorino Alves Moitinho (PCBR), Manoel Lisboa de Moura, Emmanuel Bezerra e Manoel Aleixo (PCR).
Incineração dos corpos de 10 militantes mortos sob tortura na Casa de Petrópolis (“Casa da Morte”), entre os quais identifica: Joaquim Pires Cerveira, David Capistrano, Luiz Ignácio Maranhão Filho e Fernando Santa Cruz. Seus corpos teriam sido incinerados no forno da Usina Cambahyba, situada no Município de Campo dos Goytacazes, pertencente a Heli Ribeiro Gomes, que foi vice-governador do Rio de Janeiro no período 1964-1971 e grande amigo das autoridades militares.
Com a “abertura lenta, gradual e segura” anunciada pelo ditador-presidente, general Ernesto Geisel, Cláudio e os demais agentes da repressão política passaram a planejar e realizar atentados e atribuí-los à esquerda, a fim de abortar a redemocratização: incêndio de bancas de jornal, explosão de bombas em órgãos de imprensa, OAB, Cine-Teatro Apolo 11 em Cajazeiras (PB) e o que seria a grande ação (Riocentro), na qual os terroristas se frustraram, tendo a bomba explodida no colo de um deles.
Amigo e parceiro do mais facínora de todos, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, chefe do DOPS, torturador da Operação Bandeirantes (OBAN) e do DOI-CODI, órgãos de captura e tortura de comunistas do II Exército em São Paulo, Cláudio não hesitou em votar por seu assassinato, como queima de arquivo, e só não participou diretamente da execução porque o plano foi mudado.
Mentiras sobre heróis do PCR
Em relação à execução dos dirigentes do PCR, Cláudio Guerra mente descaradamente. Por que razão? Talvez para proteger alguns dos seus colegas da macabra profissão, despistando assim, a Comissão da Verdade, os familiares e o Partido sobre o encalço dos verdadeiros responsáveis por seus suplícios e mortes. Vejamos:
Manoel Aleixo da Silva. Cláudio Guerra conta que recebeu passagens Rio/Recife/Rio do SNI (Serviço Nacional de Informação) para matar um líder importante, que depois identificaria como sendo Manoel Aleixo. Teria sido levado a um bairro, que não sabe qual é, encontrou Aleixo caminhando na rua. Ele estava sozinho, desprevenido. Passou por ele como quem não queria nada. Atirou, ele caiu. “Para mim, estava morto. Tiraram-me dali. Sumiram com o homem. Não tenho explicação sobre esse sumiço”.
A verdade: Manoel Aleixo (1931-1973), é sua própria companheira Izabel Simplício da Conceição quem relata, foi seqüestrado de sua própria casa no dia 29 de agosto de 1973. Levado para o DOI-CODI do IV Exército foi torturado e morto, sem entregar ninguém, provamos isto porque cobrimos o ponto marcado no interior da igreja católica de Ribeirão, dias depois do seu seqüestro, sem que nada acontecesse. Os responsáveis diretos pelas sevícias e assassinato foram Sérgio Paranhos Fleury, o delegado Moacir Sales de Araújo (diretor do DOPS-PE), o delegado José Oliveira Silvestre, o torturador da polícia civil Luís Miranda, o então capitão de exército Vilarinho Neto e o Major Gabriel Antônio Duarte Ribeiro, ambos ainda vivem em Recife e deveriam ser interrogados pela Comissão da Verdade. O IV Exército, como era de costume, divulgou a mentira de que Aleixo morrera durante tiroteio com os órgãos da repressão política em Ribeirão, zona canavieira de Pernambuco. A versão de Cláudio Guerra desmente a do IV Exército, mas o bandido também mente. Naturalmente, na lógica da repressão, um líder importante como Manoel Aleixo, dirigente histórico das Ligas Camponesas, responsável pelo trabalho no campo do PCR, teria de ser capturado vivo e torturado para tentar extrair informações sobre o partido, as quais ele não deu e por isso mesmo foi morto. Não tinha sentido trazer um policial do Rio só para atirar em Aleixo, sem qualquer tentativa de aprisionar e interrogar um importante comunista revolucionário.
Manoel Lisboa de Moura. Manoel Lisboa (1944-1973), alagoano, fundador e dirigente maior do PCR, foi seqüestrado na Praça Ian Fleming, no Rosarinho, em Recife no dia 16 de agosto de 1973. Poucos dias depois, Maria do Carmo Tomáz, operária da Fábrica Torre, também militante do PCR, foi presa e colocada frente a frente com Manoel. Ela relata: “estava totalmente nu, com muitos hematomas, semi-paralítico, apenas me olhou e falou: sei que a minha hora chegou,só peço que continuem o trabalho do Partido. Depois, fiquei numa cela vizinha ouvindo seus gritos. Certo dia, já no começo de setembro, o próprio torturador Fleury, diante das grades da minha cela, comemorou a morte de Manoel comentando com euforia – Manoel Lisboa vocês não o terão mais nunca”. Na estória inventada pelo próprio Cláudio, o delegado José Silvestre entregou Manoel a Fleury e ele já estava mal por causa da tortura. Como poderia ir a um bar em Vila Moema em São Paulo se encontrar com Emmanuel Bezerra quando o ponto de encontro ambos estava marcado em Recife no dia 15 de setembro, quando voltaria da sua missão no Chile e Argentina? Mesmo assim, na invenção de Cláudio Guerra, ambos estariam conversando em São Paulo até serem eliminados a tiros por Cláudio, Paulo Jorge e Pejota, levados diretamente de Vitória apenas para essa missão. História sem pé nem cabeça.
Emmanuel Bezerra dos Santos. Emmanuel Bezerra (1943-1973), potiguar de Caiçara (RN), foi presidente da Casa de Estudante de Natal, liderou a bancada dos delegados estudantis do Rio Grande do Norte ao XX Congresso da UNE em Ibiúna (SP), era integrante da Comissão Executiva da Direção Nacional do Partido e responsável pelo trabalho do PCR em Alagoas na clandestinidade e muito provavelmente foi capturado pela “Operação Condor”, durante a missão que cumpria no Chile e Argentina. Foi torturado até a morte nas dependências do DOI-CODI de São Paulo sem que os carrascos fascistas tivessem o prazer de saber, sequer, a casa e a cidade onde Emmanuel residia, Maceió. Seu corpo foi encontrado na mesma cova do cemitério de Campo Grande de São Paulo para onde Manoel Lisboa fora levado; ambos foram enterrados como desconhecidos. De nada adiantaram as monstruosidades e as mentiras para caluniarem suas heróicas trajetórias de comunistas revolucionários e despistarem seus familiares e camaradas. Os restos mortais de Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra foram localizados e identificados, graças à Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos, que depois de rigorosa análise do laboratório da UNICAMP, tivemos a honra de sepultá-los como heróis junto aos seus familiares no Rio Grande do Norte e em Alagoas.
Ainda, do mesmo modo cruel e bárbaro foram sacrificadas as vidas de Amaro Félix Pereira, que foi dirigente das Ligas Camponesas e seqüestrado e torturado até a morte sem entregarem o seu cadáver até hoje, e de Amaro Luiz de Carvalho, histórico dirigente das Ligas, do movimento sindical, fundador do PCR em maio de 1966, com curso de formação política e militar em Cuba e na China e foi assassinado no pátio da Casa de Detenção do Recife em 21 de agosto de 1971, por determinação dos usineiros José Lopes de Siqueira, Júlio Maranhão e o diretor do da Detenção, coronel da PM, Olinto Ferraz.
Estes e todos os heróis do povo brasileiro, como Carlos Marighella, Maurício Grabois, Paulo Stuart Wright, David Capistrano, Mário Alves, Fernando Santa Cruz, Joaquim Seixas, Soledad Barret, Padre Henrique, entre tantos outros, serão sempre a nossa eterna referência e fonte de inspiração na luta pela emancipação do nosso povo trabalhador e pela independência verdadeira da nossa pátria e pela solidariedade com os povos explorados e oprimidos do mundo pelo capital imperialista.
Pela imediata prisão do criminoso Cláudio Guerra
Diante da gravidade das denúncias deste perigoso criminoso da ditadura, o torturador, assassino e ocultador de cadáveres, Cláudio Guerra, vimos exigir do governo brasileiro a sua prisão imediata, até ser julgado e condenado exemplarmente pela autoridade competente. Se tal prisão e a tomada de depoimentos não ocorrer imediatamente, este réu confesso poderá evadir-se, ou pior ainda, ser assassinado pelos seus antigos comparsas a qualquer hora dessas.
Segundo os cientistas sociais que estudam as causas dos elevados índices de violência na sociedade de hoje e especialmente nos presídios e delegacias tem a ver com a flagrante impunidade, já há décadas dos torturadores dos presos políticos da ditadura militar.
Cláudio Guerra não apenas assume uma parte importante dos seus crimes (apenas atirava e matava?), como aponta outros executores e chefes mandantes, apesar de quase todos mortos, não havendo como serem ouvidos e comprovadas ou não as suas informações).
Confirma tudo o que os militantes sobreviventes haviam denunciado: torturas, assassinatos, sumiço de cadáveres, arrecadação de finanças entre empresários, colaboração de artistas, de setores conservadores da Igreja Católica, etc. É réu confesso. Não lhe cabe, nem a nenhum desses criminosos de lesa-humanidade, o benefício da anistia. Este é o posicionamento unânime da ONU, de todos os órgãos de defesa dos direitos humanos, nacionais e internacionais. Agora a Comissão da Verdade tem a missão apenas de investigar, mas não pode punir.
Porém a organização e a mobilização da juventude e do povo trabalhador devem continuar se inspirando na força do sonho coletivo e na esperança de mudança radical da sociedade pela qual caíram em combate os nossos heróis.
Pela imediata prisão e condenação, do perigoso criminoso da ditadura, Cláudio Guerra!
Aos heróis da resistência armada à ditadura, que deram suas vidas pelo povo brasileiro, toda a honra e toda a glória, agora e sempre!
Edval Nunes Cajá*, Recife, com colaboração de Luiz Alves
*Membro do comitê central do PCR