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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

“O Agente Secreto”: quando o Estado cria inimigos para manter o controle

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O filme O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, lançado no início de novembro de 2025, tem chamado atenção por se tratar de mais uma obra cinematográfica que expõe e aprofunda uma das questões mais delicadas de nossa história recente: a ditadura militar de 1964. Repetindo o sucesso de público e crítica de “Ainda Estou Aqui”, o filme do pernambucano tem chamado atenção do grande público também fora do país e é um trabalho que precisa ser conhecido por todo o povo brasileiro. 

Gabriela Calixto e Vitória Pereira| Recife


CULTURA- O filme O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, mistura ficção e memória histórica para mostrar como o Estado brasileiro usou a vigilância e o medo para fabricar inimigos e justificar a repressão durante a ditadura militar. A obra foge do eixo Rio–São Paulo e coloca o Nordeste no centro da história, revelando violências e silenciamentos ainda pouco discutidos.

A infiltração como instrumento de controle do Estado

No longa, acompanhamos Armando (Wagner Moura), pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco que passa a ser perseguido depois de negar envolvimento em um projeto ligado ao governo Geisel. Forçado a voltar ao Recife, ele vê sua vida virar alvo de agentes estatais e intermediários privados. Essa perseguição mostra como, na ditadura, a repressão não se limitava a militantes políticos: atingia trabalhadores, estudantes, professores e famílias comuns.

O filme expõe como a infiltração e o monitoramento eram usados como ferramentas para desmobilizar qualquer forma de organização popular. A ideia de “segurança” servia mais para proteger interesses da elite econômica do que para garantir direitos e liberdade ao povo.

O Recife de 1977: um cenário silenciado pela ditadura

Ao ambientar a história no Recife, Kleber Mendonça rompe com a centralização do debate sobre a ditadura no Sudeste. A cidade aparece quase como uma personagem: o clima úmido, os sons das ruas, os interiores populares e os espaços públicos constroem a tensão do período.

Essa escolha revela uma memória frequentemente apagada. O Nordeste também sofreu vigilância, violência e censura, mas raramente virou tema do cinema nacional. O filme resgata essa perspectiva e mostra que a repressão não tinha fronteiras.

Ficção e realidade: quando o cinema escancara as estruturas de classe

Embora seja ficção, o filme dialoga diretamente com acontecimentos reais. A cena em que a patroa deixa a filha da empregada atravessar a rua sozinha faz referência ao caso do menino Miguel, morto em 2020. O paralelo deixa claro que desigualdade, negligência e hierarquias de classe continuam moldando vidas e violências no país.

Além disso, o filme mostra como regimes autoritários fabricam suspeitos para justificar vigilância e repressão. Essa lógica, típica da ditadura, também aparece em democracias capitalistas atuais, onde trabalhadores, estudantes e movimentos sociais são tratados como ameaça para manter a ordem da classe dominante.

Memória, narrativa e o papel do cinema brasileiro hoje

A história de Marcelo, reconstruída por gravações e recortes após sua morte, evidencia como regimes autoritários tentam apagar as vozes de quem foi perseguido. Lembrar, nesse contexto, se torna um ato político. Quando opressores são anistiados e perseguições são normalizadas, abre-se espaço para que novos abusos voltem a acontecer.

O filme também chama atenção para o cenário cultural brasileiro. Com mais de 25 prêmios e forte candidato ao Oscar de 2026, O Agente Secreto revela a importância do investimento em cultura. O longa contou com R$ 27 milhões em financiamentos públicos e privados, prova de que, quando há recursos, o cinema nacional alcança reconhecimento mundial.

A obra importa não só por revisitar o passado, mas por alertar para o presente. A construção de inimigos internos é uma estratégia que continua sendo usada por governos e corporações para manter o poder. Sem memória, sem cultura e sem incentivo, o risco é que esses apagamentos se repitam.

 

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