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terça-feira, 19 de março de 2024

Manoel Lisboa, herói da luta pela libertação dos trabalhadores

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Manoel Lisboa de Moura, dirigente do Partido Comunista Revolucionário assassinado pela ditadura militarManoel Lisboa de Moura nasceu em 21 de fevereiro de 1944 em Maceió, Alagoas. Preocupado com os problemas sociais iniciou, ainda adolescente, suas atividades políticas organizando o grêmio do seu colégio, o antigo Liceu Alagoano, hoje Colégio Estadual. Foi diretor da União dos Estudantes Secundaristas de Alagoas (UESA) e aos 16 anos ingressou na juventude comunista. Já em 1964, com apenas 20 anos, foi impedido de continuar seu curso de medicina na Universidade Federal de Alagoas e teve seus direitos políticos cassados pelo governo militar. Em 1965, Manoel foi arbitrariamente preso, e solto após 16 dias de interrogatórios e torturas. A partir de então, passou a viver na clandestinidade. Em fevereiro de 1966, juntamente com Amaro Luís Carvalho (Capivara), Selma Bandeira e outros comunistas, fundou o Partido Comunista Revolucionário (PCR). Por sua firme atuação em defesa dos trabalhadores e da revolução, foi preso no dia 16 de agosto de 1973, numa praça pública situada no bairro do Rosarinho, no Recife, numa ação conjunta das polícias políticas de Pernambuco e São Paulo, comandadas pelos policiais torturadores Luís Miranda e Sérgio Paranhos Fleury.

Dez dias após sua prisão, Manoel foi visto ainda com vida por outros militantes, com o corpo cheio de queimaduras e semi-paralítico. No dia 5 de setembro é publicada nos jornais da burguesia uma nota oficial e mentirosa do governo da ditadura militar fascista, dizendo que ele havia sido morto em tiroteio com a polícia de São Paulo, juntamente com dois outros dirigentes do PCR, Emanuel Bezerra e Manoel Aleixo.

Desde então, Manoel tem sido reverenciado pelos seus companheiros do PCR por seu exemplo de bravura, firmeza, coragem e honestidade. No próximo dia 21 de fevereiro de 2000, o Centro Cultural Manoel Lisboa estará realizando em sua sede, no Recife, o lançamento do livro de depoimentos sobre a vida e a luta revolucionária de Manoel Lisboa. O livro tem dezenas de depoimentos de militantes comunistas que conviveram e trabalharam com Manoel Lisboa pela libertação dos trabalhadores brasileiros do jugo do capitalismo. A VERDADE publica, com exclusividade, um desses depoimentos, o de Maria do Carmo Tomáz, a última companheira do PCR a falar com Manoel, poucas horas antes de seu assassinato.

Manoel: Como é difícil falar sobre você, companheiro! As palavras para traduzir o Celso, o revolucionário que tivemos fisicamente por tão pouco tempo entre nós, parecem tão fracas diante do potencial que esse revolucionário representou e representa na memória de quem o conheceu e participou de sua prática revolucionária. Falar de você é falar de um mundo melhor, é sonhar com uma sociedade sem políticos corruptos e, conseqüentemente, de uma sociedade melhor: sem desemprego, sem fome, sem miséria…

Foi exatamente em 1971 que conheci Manoel Lisboa com o codinome de Celso. Não consigo até hoje compreender como uma pessoa que esperava a qualquer momento ser presa e morta, como realmente foi, podia ter tanta tranqüilidade, tanta alegria. Mesmo nos momentos em que falava dos riscos que corria pela sua prática revolucionária, a num momento em que era procurado pela polícia dos órgãos repressivos, ele muitas vezes comentava com humor. A única coisa que o tirava do sério era irresponsabilidade de companheiros; irresponsabilidade deixava-o nervoso e muito irritado. Certo dia, ele chegou a me dizer: “Se só minha vida fosse suficiente para fazer a revolução, eu a daria, não pediria a ninguém para lutar”. Manoel tinha certeza de que, ao cair nas mãos da repressão, estaria morto, mas falava de tudo isso com muita firmeza e determinação.

Foi exatamente no dia 15 de agosto, às 17 horas, numa quinta-feira, no bairro do Rosarinho, que a polícia política colocava a mão naquele revolucionário cujo único “crime” foi ter uma ideologia e lutar por ela: querer uma sociedade sem fome, sem desemprego, sem menor abandonado, sem opressores, sem oprimidos. Esse foi seu único “crime”, que lhe custou torturas físicas, as mais cruéis que se possa imaginar: pau-de-arara, choques por todo o corpo, cabo de vassoura introduzido no reto, queimaduras por todo o corpo e, finalmente, a morte, exceto a última não fui testemunha ocular. É muito difícil falar de tudo isso, mas para que fique registrado nas páginas da história, alguém tem que escrever, colocar fatos, e eu não posso fugir dessa responsabilidade: colocar no papel essa parte da história que vivemos na ditadura militar.

No dia 16 de agosto de 1973, às 06hs50, um dia depois ou uma noite depois da prisão de Manoel, estava eu também sendo presa ao entrar para trabalhar na Fábrica da Torre. Não entendia exatamente o que estava acontecendo. Como a polícia tinha me descoberto? Falava de Manoel: Manoel te entregou! Aquele safado! Eu não sabia quem era Manoel, o conhecia por Celso. Diante das acusações e daquela turbulência, me deu um clique de repente e lembrei que no dia anterior tinha mandado a companheira Fortunata ir ao encontro de Celso, pois eu tinha outro compromisso e não podia faltar. Foi nesse momento que comecei a entender o que realmente tinha acontecido: Manoel, o Celso, estava preso junto com Fortunata, e Fortunata, coitada! Não tinha condições de agüentar tanta selvageria e me entregou. Era uma pessoa sem experiência, uma operária simples, boa, maravilhosa. Apavorou-se com a monstruosidade como foi preso Manoel, ficou em estado de loucura e não hesitou diante do medo em dizer que eu trabalhava também na Torre.

Pobre Fortunata! Ainda dentro do DOI-CODI, tive a oportunidade de ganhar um abraço dela em prantos, me pedindo perdão. Não precisas me pedir perdão companheira! Fortunata contou que na hora da prisão de Manoel foi uma verdadeira operação de guerra. Não o colocaram no mesmo carro em que a colocaram. Porém, na praça ainda, começaram a bater nele como se fosse um bicho e o jogaram dentro de um carro, já desmaiado. Na hora em que se aproximou, na praça, um homem o interrogando, ele fez menção de pegar a Lili, apelido que ele dava à arma que conduzia. Foi inútil, de todos os lados da praça surgiam homens, eram muitos, ela não sabe exatamente quantos! Carros e carros surgiam naquele local, estava preso o Manoel que a repressão tanto procurava.

No dia em que fui presa, me colocaram frente a frente com ele (acareação – termo usado por eles). Estava totalmente nu, com bastantes hematomas. Ele fixou os olhos em mim e nada falou. Arrasei-me quando o vi, depois fiquei numa cela vizinha ouvindo os seus gritos. Durante muito tempo pensei que ia enlouquecer, não conseguia me libertar daqueles gritos de dor. Tinha pesadelos horríveis! O seu comportamento causou admiração até mesmo aos torturadores. Num certo dia do mês de setembro eu não estava mais sofrendo tortura física me levaram a uma câmara de tortura e me deram a triste notícia de que Manoel estava morto. É um momento que me dói muito lembrar, eu disparei num choro, para mim o mundo havia acabado, a esperança estava apagada, me senti num túnel sem luz, estava tudo escuro, foi uma dor muito grande. Ficaram me olhando e disseram: “Um igual aquele vocês não vão encontrar”. Senti vontade de cuspir na cara de cada um, me deu um ódio!

Manoel Lisboa, você foi um exemplo de um HOMEM sério, responsável, de um revolucionário de fibra, de coragem, de um amigo das horas difíceis e de todas as horas, de um revolucionário íntegro , respeitado, de um filho carinhoso. Isso se explica pela mecha do cabelo de sua mãe que carregava de lembrança em sua carteira, já que a ida clandestina não o deixava viver ao lado dela. PARABÉNS, MANOEL! O nosso país precisa de gente como você.

Maria do Carmo Tomáz Natal, 13 de abril de 1999

Admirador da obra do poeta e dramaturgo comunista Bertolt Brecht, Manoel sempre incentivava os militantes do PCR a conhecer os poemas e os trabalhos de Brecht. Um de seus poemas preferidos era Decisão, que publicamos aqui.

A Decisão
Bertolt Brecht

Cada companheiro tem dois olhos;
O Partido tem mil.
O Partido conhece três continentes;
Cada companheiro conhece uma cidade.
Cada companheiro tem sua hora;
O partido tem mil vezes sua hora.
Cada companheiro pode ser destruído
mas o Partido não pode ser destruído.
Porque é a vanguarda das massas e dirige seu combate
Segundo os métodos clássicos, forjados
no conhecimento da realidade.

(Publicado no Jornal A Verdade, nº 3)

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