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sexta-feira, 29 de março de 2024

Fatos e efeitos da Ditadura Militar no Estado da Paraíba

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Manifestação das Ligas Camponesas, em Sapé, no estado da Paraíba no início dos anos 60.Falar da Ditadura Militar que se abateu sobre o Brasil, de 1964 a 1985, é sempre importante. Como disse dom Paulo Evaristo Arns, ao lançar a obra Tortura – Nunca Mais, para que não se esqueça, para que não mais aconteça. Especialmente nesta conjuntura, porque, ante a crise econômica e política instalada no país, setores das classes dominantes voltam a levantar a bandeira da ditadura como saída para os problemas, quando a história prova e comprova que, ao contrário, esse famigerado regime apenas os agrava, deixando rastros de sangue e dor pela eternidade.

Todo o povo brasileiro foi atingido pela opressão ditatorial. Neste artigo, mostrarei seus efeitos no Estado da Paraíba, motivado pela leitura da obra de Gilvan de Brito, jornalista, advogado e dramaturgo pessoense, lançada em 2014, com o título A Ditadura na Paraíba (Editora Patmos, 2014). Acrescentarei também um ou outro fato não relatado pelo autor.

A esquerda também tinha grandes oradores

Carlos Lacerda era o grande agitador da direita no Brasil. Com grande poder oratório, deu importante contribuição para levantar a chamada opinião pública contra os governos de Getúlio Vargas e de João Goulart. Foi governador do Rio de Janeiro e aspirava à Presidência da República. Com a implantação das Reformas de Base, jamais conseguiria. Muito provavelmente, Jango seria sucedido por Leonel Brizola, liderança popular, organizador do Movimento em Defesa da Legalidade, quando houve a tentativa de golpe para impedir a posse de João Goulart, vice do presidente renunciante, Jânio Quadros.

Brizola era também um excelente orador, mas foi outro portador do dom da palavra que ocupou os microfones da rádio Mayrink Veiga para exortar o povo brasileiro a resistir ao golpe que se desenhava nos últimos dias de março de 1964: o paraibano Abelardo de Araújo Jurema (1914-1999), natural de Itabaiana (PB), advogado, jornalista, escritor e político. Licenciou-se do seu mandato de deputado federal para assumir o cargo de ministro da Justiça de Jango. Tomou medidas importantes, sendo a principal delas a criação do Comissariado de Defesa da Economia Popular, responsável pelo controle dos preços e fiscalização do congelamento dos aluguéis. Com a queda do governo, Abelardo retornou ao parlamento. Teve o mandato cassado, partiu para o exílio e só retornou ao país com a Anistia, em 1979.

A vacilação de Pedro

Acossado pela repressão romano-judaica, o apóstolo Pedro, escolhido por Jesus de Nazaré para seu sucessor na Missão de transformar a sociedade, negou por três vezes que conhecia o Mestre. Mas não recuou da tarefa recebida e, por seu exercício, acabou sendo crucificado na sede do Império, onde fora levar a mensagem de construção de um reino contrário ao dos opressores.

Governava a Paraíba por ocasião do golpe o senhor Pedro Moreno Gondim (1914-2005), aliado de Jango, defensor do Movimento pelas Reformas de Base, dialogava com as Ligas Camponesas. Diferente de Miguel Arraes, em Pernambuco, que se manteve firme na condenação ao golpe, sendo preso e deportado, Pedro Gondim derrapou. Logo após a fuga de Jango e a declaração de vacância do cargo de presidente, o então governador da Paraíba divulgou nota lida na Rádio Tabajara, na qual anunciava sua mudança de posição, dizendo que “…O Movimento que eclodiu nestas últimas horas em Minas Gerais é uma tentativa de recolocar o país no suporte de sua estrutura legal, propiciando clima de tranquilidade – indispensável ao processo desenvolvimentista que vivemos. O pensamento político de Minas Gerais, hoje, como em 1930, identifica-se com a vocação histórica do povo paraibano que deseja, neste episódio, sobretudo, o cumprimento das liberdades públicas, consubstanciadas na defesa intransigente do regime democrático”. Entidades patronais, lideranças empresariais e políticas publicaram notas de apoio ao governador no jornal oficial do Estado – A União.

Apesar da virada de casaca, inclusive usando o nome do povo em vão, foi mantido no cargo, mas teve os direitos políticos cassados em 1966. Os poderes do Estado da Paraíba eram exercidos, na época, por Pedro Gondim (Executivo), Clóvis Bezerra (Presidência da Assembleia) e Francisco Espínola (Judiciário). Todos capitularam.

Não foi só a nota. Pedro Gondim procurou mostrar serviço aos golpistas, constituindo comissão para apurar responsabilidades de servidores públicos estaduais e municipais que “tenham atentado contra a segurança do país e ao regime democrático” (Decreto-Lei 3.540/64). Foi uma verdadeira caça às bruxas.

Prisões, torturas, assassinatos

Imediatamente, começaram as prisões na Paraíba, como em todo o território nacional.  Na primeira semana após o golpe, já se contabilizava a prisão de 172 agricultores ligados às Ligas Camponesas, incluída toda a liderança das Ligas (Assis Lemos, Elizabeth Teixeira e demais). Foram detidos no 15º Regimento de Infantaria e 1º Grupamento de Engenharia, onde eram submetidos a tortura física e mental.

No dia 7 de setembro de 1964, os destacados líderes camponeses Pedro Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro) e João Alfredo Dias (Nego Fuba) foram soltos para, em seguida, serem assinados. Seus corpos nunca foram encontrados. São os primeiros desaparecidos políticos do regime militar. Eles pertenciam à Liga Camponesa de Sapé, que já tivera seu grande líder e fundador, João Pedro Teixeira, assassinado em 2 abril de 1962 a mando dos latifundiários da região.

Centenas de vítimas

A Paraíba esteve presente na resistência à ditadura, tanto nas artes (Geraldo Vandré, Paulo Pontes, Gilvan de Brito e tantos outros), como na luta política, tendo vários filhos presos, torturados, exilados, mortos. A título de exemplo, podemos citar o geólogo Ezequias Bezerra da Rocha (PCBR), assassinado nos porões do DOI-Codi (PE), em 1972, cujo corpo foi lançado nos canaviais de Escada e encontrado por acaso. A morte sob tortura foi confirmada por laudo do IML.

Outro caso emblemático é o do estudante João Roberto Borges de Souza, natural de Cabedelo (PB). Ele presidiu o Diretório Acadêmico de Medicina da UFPB e foi vice-presidente da União Estadual dos Estudantes da Paraíba. Militava na Ação Popular (AP), quando de sua primeira prisão, em 1968, no Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), e, posteriormente, ligou-se ao PCB.

Na terceira prisão, em Recife, permaneceu no Dops por três meses, no primeiro semestre de 1969, sendo torturado, mas foi liberado. Voltando para sua cidade natal, foi preso novamente ao sair de casa por integrantes do CCC e do Cenimar, às vistas de familiares e vizinhos. Três dias depois, em 10 de outubro de 1969, foi noticiada a sua morte, segundo a versão oficial, “em consequência de afogamento no açude Olho D’Agua”, no Município de Catolé do Rocha, Sertão da Paraíba. Seu rosto estava desfigurado por inúmeros ferimentos – hematomas, queimaduras por cigarros e unhas perfuradas. Hoje, João Roberto dá nome ao Centro de Atenção à Saúde do Estudante, na UFPB, ao auditório da Reitora da UFCG (antigo campus II da UFPB) e a uma escola pública no maior bairro da capital paraibana.

Entre os 70 revolucionários libertados com o sequestro do embaixador suíço Giovani Enrico Bucher, estava um paraibano, Pedro Alves Filho (MR-8), natural de Campina Grande.  E o caso internacionalmente conhecido de Edival Nunes da Silva Cajá (dirigente do PCR), sequestrado já na fase da chamada “abertura” (1979) pela Polícia Federal, em que foi torturado física e psicologicamente, mas salvo pela mobilização internacional da Igreja Católica, por iniciativa de dom Helder Câmara, e pelas manifestações de rua e greves estudantis em Pernambuco. Cajá é natural de Bonito de Santa Fé (PB) e fora seminarista em Cajazeiras, depois aluno do Colégio Estadual, até mudar-se para o Recife, em 1972.

Na sua obra, Gilvan de Brito relaciona centenas de vítimas da ditadura militar na Paraíba, bem como de dezenas de torturadores.

A Linha Dura e a abertura lenta

No final dos anos 1970, a Ditadura Militar não tinha mais sustentação. A fase de crescimento, o chamado “milagre econômico”, que embasava seu apoio ou aceitação pelo povo, terminava. Anunciava-se nova crise do capitalismo internacional e começaria a cobrança da dívida externa, que levaria o Brasil ao FMI no início dos anos 1980.

Para livrar-se do julgamento e punição por seus crimes, os estrategistas do regime, à frente o general Golbery do Couto e Silva, traçaram uma estratégia de “abertura lenta, gradual e segura”, que se concretizaria com a dúbia lei de anistia, que dá margem à interpretação de que os dois lados foram perdoados.

Mas este processo não foi consenso e deu trabalho para o Alto Comando controlar os setores subordinados, comandados pelo general Sílvio Frota. Logo que o general Geisel anunciou este processo, estes setores se lançaram a cometer atentados terroristas para atribuí-los à esquerda e impedir a “democratização” anunciada.

A Bomba do Apolo XI

Dom Zacarias Rolim de Moura era um bispo da ala conservadora da Igreja Católica, mas era bastante diplomático. Amava o cinema. Como era também um excelente administrador, ligou o útil ao agradável, instalando dois cinemas na cidade: o Apolo XI, que ficava no mesmo prédio da Rádio Alto Piranhas, também da Diocese, e o Pax, que se situava na Praça do Espinho. Deslocava-se, ele próprio, ao Recife para locar os filmes que exibiria.

Tinha uma cadeira cativa no Apolo XI, onde sempre assistia à estreia dos filmes. No dia 2 de julho de 1975, dom Zacarias, por acaso, não foi para a sessão de um faroeste, o qual não agradou muito a plateia, que saiu antes do seu término. Exatamente na cadeira em que costumava ficar o bispo, os funcionários viram uma bolsa, que imaginaram ter sido esquecida por algum frequentador. Apanharam e abriram para ver se identificavam o dono, quando a cidade é sacudida por uma forte explosão.

O resultado, que poderia ter sido mais trágico, se os espectadores ainda estivessem presentes, foi a morte de dois funcionários e ferimentos em outros dois, além dos estragos materiais.

O caso ficou inconcluso. É claro que não interessava aos órgãos de segurança identificar seus verdadeiros autores. Não conseguiram incriminar ninguém de esquerda, que certamente era o objetivo, especialmente se tivesse atingido dom Zacarias, bispo da ala conservadora, que nunca fizera a menor crítica à ditadura.

É tanto que os documentos do processo instaurado desapareceram. A imprensa tentou localizá-los em várias ocasiões. Nunca conseguiu. A Comissão Estadual da Verdade da Paraíba encontrou relatório referente ao assunto no Arquivo Nacional em Brasília. Seu conteúdo ainda não veio a público.

A luta continua 

A linha dura perdeu a batalha. Veio a redemocratização, mas o sistema em nada mudou. Em crise, setores das classes dominantes voltam a falar em ditadura, em alguns casos, chegando a ir às ruas, e seus elementos mais assanhados promovem agressões contra militantes de esquerda. Mas a história não para, e, como diz Gonzaguinha:

“Apesar de tudo estamos vivos/

Pro que der e vier prosseguir/

Com a alma cheia de esperanças/

Enfrentando a herança que taí”

(José Levino é historiador)

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