Ao divulgar os fatos que ocorrem na sociedade, o objetivo principal da mídia burguesa (jornais, revistas, rádios e TVs que estão sob controle da classe capitalista) é, além de expor o ponto de vista da classe dominante, esconder a verdadeira causa desses acontecimentos visando a enganar os trabalhadores. Um claro exemplo disso é a cobertura da imprensa burguesa sobre o orçamento de 2016 enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional.
Como se sabe, o orçamento tem um déficit de R$ 36 bilhões, ou seja, após a soma de toda a arrecadação, ficará faltando ao governo este valor para pagar suas despesas. O que fizeram então TVs, rádios e jornais em infindáveis notícias e entrevistas sobre este fato?
O ex-golpista de 1964 Delfim Netto¹, ministro de vários governos da ditadura militar, com a autoridade de ser responsável pela criação da dívida pública do país, declarou, no dia 19 de setembro, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo: “Ela (Dilma) é simplesmente uma trapalhona” e “O envio do orçamento ao Congresso foi a maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil”.
Além de afirmar que foi um absurdo enviar ao Congresso um orçamento com déficit, a imprensa burguesa culpou o excesso de ministérios, os salários dos servidores e os gastos com os programas sociais como as causas do déficit do governo. Nenhuma linha, entretanto, sobre a fortuna que o governo gasta mensalmente com a dívida pública. Parece até que este gasto não existe no orçamento ou que se trata de uma despesa insignificante.
Qual é a verdade? Por que faltam R$ 36 bilhões no orçamento da União? O que leva o governo a ter déficit em vez de superávit nas suas contas?
Somente este ano, de janeiro a agosto, o Governo Federal desembolsou R$ 338,3 bilhões com juros da dívida, um valor muito superior ao gasto em 13 anos com o Bolsa Família. Apenas no mês de agosto, as despesas com juros somaram R$ 49,7 bilhões, bem mais que o déficit de um ano inteiro. Qual é então a causa do déficit: os juros ou os programas sociais?
Também não é verdade que o governo invista muito em Educação e Saúde. Muito pelo contrário. O orçamento da Educação em 2015 é de apenas R$ 38,2 bilhões, e o da Saúde, R$ 87,7 bilhões. Portanto, três meses de gastos com juros são o que o Estado investe em Educação e Saúde por ano. Por isso, a saúde pública está sucateada, postos de saúde são fechados e universidades e escolas públicas cortam despesas com assistência estudantil e atrasam salários dos trabalhadores.
Pior, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, as despesas com juros são muito maiores do que os números oficiais indicam. Em 2014, o Governo Federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida – 45% do orçamento –, enquanto que com a Saúde foram apenas 3,98% e com a Assistência Social, 3,08%. Já o orçamento federal de 2015 reservou R$ 1,356 trilhão para os gastos com a dívida pública.
Esta situação se repete nos governos estaduais e nas prefeituras. Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo, Alagoas, Goiás, entre outros estados, devido aos enormes encargos com a dívida, estão cortando investimentos sociais, e alguns governos chegaram a fatiar o salário dos trabalhadores públicos.
Quem manda no governo
E por que o governo gasta tanto com juros?
Primeiro, porque o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa economicamente e, na última fase do capitalismo, como ensina Lênin, a classe econômica mais forte é a oligarquia financeira.
Segundo, porque a dívida pública é um excelente meio para a classe capitalista se apropriar dos recursos do Estado. Trata-se de um negócio sem risco. Os bancos compram títulos públicos, revendem esses títulos para uma minoria de ricos e ficam recebendo juros sobre juros todos os meses, vendo crescer mais e mais a dívida do governo com eles.
Terceiro, porque os ministros e os presidentes do Banco Central são nomeados após indicação ou autorização da oligarquia financeira. O atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é, como se sabe, uma indicação do dono do Bradesco. O presidente do Banco Central nos dois governos Lula foi Henrique Meirelles, ex-presidente do Bank of Boston. No governo de FHC, o presidente do Banco Central foi Armínio Fraga, ex-diretor da Soros Fund Management LLC, do magnata George Soros, e integrante do Conselho Internacional do banco JP Morgan, e, em sua gestão à frente do BC, chegou a fixar a taxa de juros em 45%. Fraga foi anunciado como futuro ministro da Fazenda em caso de vitória de Aécio Neves.
São essas autoridades econômicas, na realidade serviçais dos donos dos bancos e de fundos de investimentos, que decidem qual a taxa de juros do país e onde vai ser aplicado o dinheiro arrecadado pelo governo com os impostos pagos em sua maioria pelos trabalhadores². Resultado: nos últimos 12 anos, o lucro dos quatro maiores bancos do Brasil aumentou 850%, saindo de US$ 2,1 bilhões para US$ 20 bilhões.
Por outro lado, a mídia burguesa faz um estardalhaço tão grande que até parece que o Brasil é único país do mundo com déficit no orçamento.
Ledo engano. Os EUA terão, em 2016, um déficit de US$ 429 bilhões (2,3% do PIB), 47 vezes maior que o déficit do Brasil (R$ 36 bilhões, 0,5% do PIB). Mas os EUA têm esse gigantesco déficit, e o sr. Delfim Netto nem ousa pensar que Barack Obama seja um trapalhão, quanto mais falar isso numa entrevista!
A sonegação patronal
Há ainda outra importante causa para o déficit público sobre a qual a imprensa burguesa nada diz: o não pagamento de impostos pela classe rica, a sonegação fiscal de grandes empresas e bancos.
Levantamento da revista Carta Capital publicado em 9 de setembro deste ano revelou que a grande indústria deve ao Estado brasileiro R$ 236,5 bilhões; o comércio, R$ 163,5 bilhões; e o sistema financeiro (bancos), R$ 89,3 bilhões. Portanto, esses sonegadores de impostos devem ao país um total de R$ 489,3 bilhões, o que cobriria 13 anos de déficit.
Lembremos que, de acordo com o mestre em Finanças Públicas e ex-secretário de Finanças na gestão da prefeita Luíza Erundina em São Paulo, Amir Khair, a taxação do patrimônio da classe rica poderia render aproximadamente R$ 100 bilhões por ano, dinheiro também suficiente para cobrir duas vezes o déficit da União.
Mas quem ouviu em alguma rádio, viu numa TV ou leu em um jornal burguês que o governo precisava cobrar os impostos devidos pelos ricos sonegadores ou taxar as grandes fortunas para acabar com o déficit público?
Não ouviu nem ouvirá, porque o governo fez a opção de jogar a conta da crise nos ombros dos pobres e não dos mais ricos. Preferiu seguir governando segundo os interesses de uma minoria privilegiada que enriquece com a exploração da classe operária e com o saque dos recursos públicos via dívida pública, privatização do nosso patrimônio, sonegação e com os seculares subsídios do governo. Com efeito, para garantir que não ocorra nenhum atraso nos pagamentos de juros, a oligarquia financeira exigiu, e o governo, por duas vezes este ano, cortou verbas da Educação e de outros setores, cancelou o reajuste salarial dos servidores públicos, reduziu o seguro-desemprego e anunciou novas privatizações.
Servidão à grande burguesia
Mas o que levou o governo do PT a tão profunda submissão ao capital financeiro?
Mesmo antes de assumir a Presidência da República, Lula e o PT se aliaram com a grande burguesia nacional, colocando um rico industrial como vice-presidente. Na campanha eleitoral, em junho de 2002, lançaram a famosa Carta aos Brasileiros, em que afirmavam: “Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”.
Ao assumir o governo, o PT manteve a política econômica de prioridade à exportação de commodities (minérios e produtos como soja, carne etc.), privilégios para os bancos (nos primeiros meses do governo Lula, o BC chegou a fixar a taxa básica de juros, a Selic, em 26%) e subsídios para os grandes monopólios nacionais e estrangeiros. Em resumo, reforçou o controle da burguesia sobre os setores-chave da economia ao manter todas as corruptas privatizações realizadas pelo governo de FHC em vez de realizar transformações estruturais na economia brasileira. Tal política, em que pesem alguns avanços sociais, aumentou a concentração do capital nas mãos da classe capitalista. Prova disso é que uma elite de 71 mil pessoas detém 23% da riqueza do país.
Sempre apoiado pelo PCdoB, o PT sepultou a teoria marxista da luta de classes, fez piada com a tese marxista de que as crises econômicas são inevitáveis no capitalismo e que somente abolindo este sistema é possível acabar com o desemprego e a pobreza, e propagou a teoria da governabilidade com afirmações do tipo “A governabilidade do país tem de reunir todas as forças” e “O país é muito grande e complexo para ser governado por um único partido”.
Tal governabilidade levou o PT a abandonar a reforma agrária, desistir de taxar as grandes fortunas e de fazer a auditoria da dívida pública, promover leilões do nosso petróleo, de aeroportos e rodovias e permitir o ingresso do capital estrangeiro no Banco do Brasil.
Para manter suas alianças com partidos assumidamente de direita como PP, PMDB, PTB, PSD, entre outros, passou a coletar milhões e milhões da burguesia para financiar milionárias campanhas eleitorais. O fato é que o processo de direitização do PT se aprofundou, e o partido se transformou naquilo que dizia ser o seu contrário. Em outras palavras, a teoria da governabilidade levou exatamente à atual situação de ingovernabilidade, pois, ao trair os interesses fundamentais da classe operária e se afastar dos movimentos populares, o PT se tornou facilmente manobrável pela classe dominante.
Não é um fenômeno novo na história, tampouco um caso único nos últimos anos, mas uma consequência natural de um partido que é hegemonizado pela ideologia pequeno-burguesa. Mirem-se, por exemplo, em Atenas, na recente traição do Syriza, partido que, eleito pelo povo grego contra a política de austeridade da União Europeia, passou a implementá-la sem nenhuma resistência e sem nenhum pudor.
Por tudo isso, o caminho que o governo escolheu para eliminar o déficit do orçamento é cortar investimentos sociais, realizar mais privatizações, reduzir o seguro-desemprego, cancelar concursos públicos, manter subsídios às montadoras e ao agronegócio e elevar os juros e os gastos com a dívida. A teoria da governabilidade exige agora um novo ajuste fiscal. O primeiro já provocou a maior recessão dos últimos 15 anos, 600 mil trabalhadores demitidos, reduziu salários, aumentou a precarização no mercado de trabalho, cortou verbas dos programas sociais e colocou à venda a BR e a Transpetro.
Construir um novo caminho
É natural, portanto, que outra vez nos perguntemos: para que serve uma governabilidade que impõe o imobilismo a sindicatos e movimentos sociais e se curva aos interesses da oligarquia financeira e de partidos de direita e corruptos?
Há tempo que A Verdade vem advertindo que esse caminho não colherá bons frutos. É preciso, pois, olhar para frente e não para trás.
Os trabalhadores, os camponeses, a juventude rebelde e combativa, o movimento popular independente têm que construir seu próprio caminho, vencer o imobilismo e derrotar na prática a política de conciliação de classes, desenvolvendo a luta em todos os setores. Organizar greves contra demissões, preparar grandes ocupações pelo direito à moradia, organizar passeatas contra o corte de verbas, exigir de prefeituras e dos estados uma saúde pública digna, lutar contra o atraso ou parcelamento dos salários, ocupar a sede dos governos que preferem desviar o dinheiro público para os banqueiros em vez de pagar o salário dos trabalhadores e construir uma unidade popular que seja alternativa política para os que querem lutar pela revolução e pelo socialismo em nosso país.
Lula Falcão é diretor de Redação de A Verdade e membro do Comitê Central do PCR
¹Há um dito popular que afirma: “Uma vez golpista, sempre golpista”.
²De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), mais de 79% da população brasileira que recebe até três salários mínimos por mês contribui com 53% da arrecadação de impostos no país.
Uma comparação, no mínimo justa e curiosa, seria comparar o crescimento dos bancos com o crescimento do patrimônio do Lula nestes 12 anos. Mas, duvido muito, que esse jornal tenha coragem de mostrar A Verdade.