Os dias 13 e 14 de novembro são datas que marcam uma justa homenagem aos Lanceiros Negros, valorosa tropa farroupilha composta por escravos e dizimada pelo exército de Pedro II. denominado Massacre de Porongos. O massacre foi um traiçoeiro acordo entre um chefe e o comandante do exército imperial, Barão (futuro Duque) de Caxias.
Foi preciso passar muitos anos para vir à tona este episódio e para isto contamos com a coragem e ousadia de alguns historiadores, para que pudéssemos conhecer a traição do general David Canabarro (um dos líderes farrapos) e do comandante Duque de Caxias, que vitimou entre 700 a 800 negros farroupilhas.
Caxias já tinha deixado sua marca e fama de carniceiro na conhecida Guerra da Tríplice Aliança, conhecida no Brasil como Guerra do Paraguai, uma história que envergonha até hoje o povo gaúcho. Na guerra travada entre 1864 e 1870 ele liderou o genocídio de 76% dos habitantes daquele país. Tudo isto para favorecer o capitalismo inglês, de quem o império brasileiro era servil. Contamos com os estudos publicados de Júlio Chiavenato e da bela obra do historiador Mário Maestri “O Escravo Gaúcho Resistência e Trabalho”, este sim comprometido em resgatar a verdadeira história, pois as classes dominantes e as forças armadas continuam hipocritamente idolatrando Caxias como “magnânimo da vitória”.
A verdade sobre Porongos é que a Revolução Farroupilha não foi uma guerra popular como muitos apregoam e sim um conflito de facções das classes dominantes. Latifúndio gaúcho versus império, embora os ideais dos farroupilhas fossem progressistas em relação à monarquia. Como foi uma longa luta, com o decorrer do tempo, acabou arrastando o povo explorado e insatisfeito e com isso foi dado a ela o caráter de Revolta Popular.
Antes de começar a rebelião vários acordos foram firmados: promessas de não usar escravos nos combates para não prejudicar a mão-de-obra das fazendas, porém os farrapos possuíam um contingente tacanho para vencer os imperiais o que os levou em 1837 formar o 1º Grupo de Lanceiros Negros comandados por um branco Teixeira Nunes, o Gavião. Giuseppe Garibaldi, tido como herói da unificação italiana e considerado um grande internacionalista que lutou ao lado dos farrapos, chegou a declarar que nunca viu tanta bravura como os corajosos guerreiros negros.
Os farroupilhas prometiam em troca dar liberdade aos escravos que lutassem, e ao final de 1844, após 9 anos de batalha, a província estava desgastada e a guerra parecia perdida. David Canabarro, o traidor, com o intuito de por fim ao conflito, ordenou na madrugada de 14 de novembro desarmar os escravos argumentando que poderia haver uma rebelião. Era bem possível que isto fosse ocorrer, pois os Lanceiros Negros dificilmente acatariam as decisões nebulosas das chefias, acordos clandestinos com suspeitas de entreguismo.
Os Lanceiros Negros vivos seriam acima de tudo uma tocha rebelde acesa contra as classes dominantes, fossem elas o latifúndio gaúcho ou os capitalistas da monarquia. As ordens de Duque de Caxias fielmente reproduzidas foram: – No conflito poupem o sangue brasileiro quanto puderem, particularmente da raça branca da província ou índios, pois sabemos que esta gente pobre ainda pode ser útil no futuro.
Assim as tropas imperiais lideradas por Abreu, conhecido por Moringue, entraram nos campos de Porongos, hoje município de Pinheiro Machado e estando os Lanceiros Negros desarmados e desprotegidos foram covardemente dizimados. O saldo deste massacre foi: Morte dos heróicos Lanceiros Negros, prisão de 300 farrapos brancos, além de 35 líderes. Apenas 20 negros sobreviveram e, provavelmente, foram mandados como escravos para o Rio de Janeiro.
As tratativas de conciliação não mais existiam e as duas facções da camada dominante mais tarde entraram em acordo e a massa de negros e brancos pobres que combateram bravamente foi traída e descartada. O Tratado de Paz de Ponche Verde nunca existiu na prática, tratando-se de uma farsa. Caxias não estando presente coube a Bento Gonçalves assinar o tratado e assim dizia: “São livres e como tais todos os cativos que serviram à revolução.”Ironicamente Bento Gonçalves, mesmo após sua morte, ainda deixou 48 escravos.
A história do RGS é linda e intensa de emoções, mas muitas vezes é contada na ótica dos heroísmos falsos, deixando de retratar um exemplo de resistência e luta de mulheres e homens que merecem ser lembrados. Muito pouco até hoje foi mostrado sobre a participação das mulheres, mas temos registros que muitas tiveram papel decisivo nas peleias e na construção histórica deste povo. A contribuição e a imagem da mulher rio-grandense não pode ficar associada às grandes produções da Globo, que mostra as mulheres como submissas parideiras, com belas vestes e adornos esperando ano após ano os maridos combatentes, ou as escravas negras que serviam seus amos e eram vítimas de todo tipo de abuso.
Os ‘Lanceiros Negros Contemporâneos’, piquete fundado há 15 anos, se contrapõem com dignidade Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG e contam a verdadeira história. O MTG, com apoio da grande mídia e de famílias historicamente ligadas ao tradicionalismo, continua a reproduzir as perversas relações de poder, valoriza o “seu latifúndio”, nega a reforma agrária e reproduz práticas machistas e discriminatórias nas manifestações da arte, nos desfiles temáticos e músicas.
Salve os Lanceiros Negros, presentes agora e sempre na história do povo Gaúcho!!!!!
Fátima Magalhães, Vice-Diretora do 39º CPERS e militante do Movimento Luta de Classes – MLC