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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Campanha pela Reparação ao Povo Negro

A Verdade entrevistou o companheiro Onir de Araújo, militante da Organização de Libertação do Povo Negro (OLPN) e da Frente Quilombola. Na entrevista, Onir nos explica a campanha de Reparação Histórica e Humanitária pelos crimes cometidos contra o povo negro e povos originários durante o processo de colonização do Brasil e do regime escravocrata. A partir da pauta da campanha, Onir nos retrata o impacto do colonialismo e aponta a necessidade de construção de um outro projeto de Nação.

Priscila Voigt, Porto Alegre

 

A campanha de Reparação Histórica Humanitária surge a partir do julgamento de Nuremberg, que tratou dos crimes do holocausto judeu. Ela se incorpora ao patrimônio jurídico do direito internacional e se aplica quando há violência a povos inteiros. Há vários povos que se enquadram nesse processo decorrente do impacto da colonização, como os povos originários na América do Norte, os aborígenes na Austrália, os dalits na Índia.

Em 2001, na Conferência da ONU contra o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, em Durban (África do Sul), foi aprovada uma carta de intenções, inclusive subscrita pelo Brasil, em que o tráfico negreiro e o regime de escravidão são considerados crimes de lesa humanidade e que, portanto, exigem reparação. O Brasil assina, mas não aplica as penas.

No ano passado, foi fundada a Organização de Libertação do Povo Negro (OLPN), que se engaja na construção do Projeto de Reparação. A campanha consiste na apresentação de um Projeto de Lei de iniciativa popular de reparação dos 516 anos de crimes cometidos contra o povo negro e os povos originários. Para o Projeto de Lei é preciso arrecadar 1 milhão e 400 mil assinaturas. A campanha foi lançada em quatro estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) e denuncia o Estado brasileiro como indutor e responsável pelo genocídio do povo negro e originários, além de empresas e famílias nacionais e internacionais que tiraram vantagem e fizeram suas riquezas com base no trabalho escravo e na exploração. Essa revoltante e humilhante situação garantiu lucros fabulosos aos traficantes e também aos estados que apoiavam o tráfico.

O projeto consiste na reparação coletiva, por 30 anos, sendo aportados R$ 130 bilhões por ano durante esse período, para a construção de um fundo coletivo para esses atores: quilombos, ocupações, aldeias, associações e favelas.

A coleta de assinaturas para o Projeto de Lei é uma forma de realizar esse debate mais profundo nas aldeias, nas favelas, nos quilombos, nas ocupações. Reforça também, a partir disso, o debate sobre que projeto de Nação construir a partir desses protagonistas, avançando em um projeto político do povo negro no Brasil.

Onir de Araújo aponta que, nos últimos anos, houve uma pulverização de propostas e construção de algumas políticas públicas, como as ações afirmativas, que são importantes, mas que é preciso ir à raiz do problema. “As ações afirmativas são importantes e nós atuamos nelas, como no caso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que tivemos que ocupar, nove anos atrás, para implementar a política de cotas. É ótimo olhar para a UFRGS e ver que hoje há negros e indígenas frequentando uma universidade pública. Mesmo assim, sabemos que, para cada um que consegue entrar na universidade, há outros 100 jovens negros que não vão conseguir entrar porque já estão mortos. Não podemos transformar vitórias parciais em derrotas. Precisamos de um projeto político de libertação. Hoje nós estamos lutando para nos mantermos vivos”. Segundo Onir, nos últimos 12 anos, em média 100 jovens negros foram mortos por dia no Brasil. Em 10 anos, mais de 400 mil jovens negros foram mortos.

A Polícia Militar tem responsabilidade nesses assassinatos, tanto diretamente, como política de Estado, quanto indiretamente, por sua participação no crime organizado. Nosso povo morre diretamente por ação das armas ou indiretamente pela falta de condições de saúde, educação, moradia, saneamento.

Falando sobre a realidade do povo negro e indígena no Brasil hoje, Onir afirma que há mais de cinco mil comunidades quilombolas no País. Só em Porto Alegre, há seis. Temos uma realidade em que 28 anos após a Constituição Federal, que garantiu no seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) a titulação dos Territórios Quilombolas, apenas 155 comunidades dessas cinco mil são tituladas. Nos últimos 12 anos, foram tituladas apenas 15 comunidades.

As comunidades indígenas e quilombolas estão sendo varridas. Tanto o Legislativo como o Executivo e o Judiciário agem em conjunto para que o direito à demarcação e o direito dos povos ao seu território não se realize. É o caso da PEC 215, da ADI 3239 e aqui no Rio Grande do Sul, do PL 31/2015, de autoria do deputado Elton Weber (PSB).

Para garantir que o Brasil siga cumprindo o papel, definido pelos países imperialistas, de grande exportador de commodities (produtos primários como café, minério, soja), há necessidade do avanço do capital e do agronegócio sobre esses territórios para o plantio da soja, mineração e construção de infraestrutura para exploração das riquezas, como ferrovias e estradas. Tudo isso em nome do dito “desenvolvimento” e enriquecimento de uma minoria em detrimento da maioria do nosso povo.

Tudo isso gera um impacto de desterritorialização, engrossando as periferias das grandes cidades e formando um grande exército industrial de reserva. Retira-se o território, expulsam-se as populações para as periferias, retiram-se as condições econômicas e culturais numa política de contenção, criminalização, encarceramento e genocídio.

Segundo Onir, “há um quadro de total insensibilidade da sociedade. A sociedade hoje aceita com tranquilidade a morte e a violência sobre o corpo negro. A violência se sustenta dentro de uma ideologia que justifica essa situação. Há a manutenção de uma ordem colonial e a ausência do estado democrático de direito para a maior parcela da população”.

Hoje, o povo negro continua sendo o mais explorado em postos de trabalho terceirizados e análogos ao trabalho escravo. Para se ter uma ideia, as mulheres negras recebem cerca de 70% menos do que os homens brancos. A sociedade capitalista perpetua uma ideologia racista para aumentar seus lucros e manter seu sistema de dominação, opressão e exploração.

Sobre a Polícia Militar, essa é uma questão central para a OLPN. Segundo Onir, não é possível movimentos que se dizem progressistas e democráticos defenderem uma democracia sem defender a extinção da Polícia Militar. “Não se trata de reformar a Polícia. Até em relatório da ONU é orientada a extinção das polícias militares. E esse é um dos principais desafios que o movimento social tem pela frente e para nós é questão de vida ou morte”, afirma.

Perguntado sobre sua posição em relação ao desarmamento, Onir de Araújo responde que “a autodefesa deve ser um direito comunitário. Enquanto estão nos assassinando, temos que ter o direito a nos defender e a viver”.

Onir destaca que a OLPN e a Frente Quilombola são os impulsionadores da Campanha de Reparação Histórica e Humanitária, mas que essa pauta deve ser do movimento social. Aponta ainda que não tem ilusão de que dentro da democracia burguesa o projeto de lei será facilmente aprovado e de que é preciso pressão popular e organização política para fazer um pleito contra o Estado. Destaca a importância da construção de um projeto de Nação na defesa de uma sociedade multirracial e pluriétnica com representatividade efetiva dos povos e controle das riquezas pelos povos.

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