Dois homens especiais cuja contribuição à Humanidade ficará para sempre na História. Duas personalidades com pontos em comum e também com diferenças, mas que se completaram para constituir uma luz para os povos oprimidos do Caribe, da América Latina e de todo o mundo. Fidel Castro Ruz, cubano, nasceu em 1926, filho de Ángel Castro e Lina Ruz, ele um imigrante galego, pobre, que fez fortuna em Cuba, acumulando terras, madeira e gado. Fidel cursou direito na Universidade de Havana, onde começou sua intensa militância política, com uma visão profundamente anti-imperialista, evoluindo para o socialismo e o comunismo. Ernesto Guevara de La Serna, argentino, nasceu em 1928, filho de Ernesto Guevara Lynch e Célia de La Serna, um casal de classe média alta, embora em crise financeira, e progressista. Ernesto (Teté, Chancho) não participou ativamente do movimento estudantil, desde cedo estudou a filosofia marxista, mas não simpatizava com o Partido Comunista Argentino.
Dois caminhos se encontram
Fidel criou um Movimento Revolucionário, que se chamaria 26 de Julho, em memória à data do assalto ao Quartel Moncada para distribuir armas com o povo e incitá-lo a derrubar a ditadura de Fulgencio Batista; foi preso, solto e saiu para o México, onde iria se encontrar com outros companheiros exilados a fim de organizar uma expedição para desencadear uma guerra de guerrilhas contra a ditadura a partir da Sierra Maestra.
Ernesto Guevara buscava um caminho, tinha uma consciência profundamente anti-imperialista e socialista. Não se contentava com o conhecimento baseado na leitura. Queria ver, contatar os oprimidos de perto. Fez sua primeira viagem junto com Alberto Granado, por grande parte da América do Sul (ver filme Diários de Motocicleta). No retorno, disse “Não sou o mesmo de antes”. A segunda viagem foi de engajamento. Na procura de um movimento para lutar pela libertação dos oprimidos, chegou à Guatemala, onde o povo se mobilizava para defender o governo Árbenz (democrático e nacionalista) de uma invasão de reacionários apoiados pelos Estados Unidos (CIA).
Derrotada a revolução guatemalteca, Ernesto segue para o México, onde foi apresentado aos cubanos, em cuja missão se integrou e por eles foi rebatizado como “Che”, devido a Ernesto dirigir-se às pessoas como tchê (costume dos Pampas). Com eles, encontrou seu “norte”. Che ficou tão impressionado com Fidel, que escreveu um poema para ele: “Vamos, ardoroso profeta da madrugada/por caminhos longínquos e desconhecidos/liberar o grande caimão que você tanto ama/quando soar o primeiro tiro e na virginal surpresa toda a mata despertar/lá ao seu lado, serenos combatentes/você nos terá…”
Fidel também se impressionou com aquele argentino cheio de entusiasmo e fé, absolutamente decidido a dedicar sua vida ao povo, que considerava a luta em Cuba a primeira grande oportunidade de pôr em prática seu inquestionável objetivo. Aceitou-o como médico da expedição, mas, logo nos primeiros treinamentos militares, sua firmeza, sua capacidade de aprender as técnicas da guerrilha, sua capacidade de liderança e a magnética personalidade deixaram claro que ali se encontrava um guerrilheiro de primeira hora.
Companheiros de comando, amigos e confidentes
Já no Natal de 1956, após os primeiros meses de luta na Sierra, Che integrava o Estado-Maior do Exército Rebelde, depois foi nomeado Comandante da Segunda Coluna. No dia de sua nomeação por Fidel, Che escreveu no Diário: “Isso me fez sentir como o homem mais orgulhoso da Terra neste dia”. A partir daquele momento, ele era o Comandante Che Guevara.
A bravura e dedicação do Che tornaram-no um símbolo do guerrilheiro heroico, braço direito de Fidel e seu principal confidente. Mesmo quando suas colunas estavam distantes, constantemente trocavam bilhetes. Fidel falava para ele dos planos militares, debates políticos, assuntos financeiros, e relatava experiências com novas armas que iam inventando no decorrer da luta.
Em entrevista ao jornalista argentino Jorge Masetti, ainda na Sierra, Che disse: “Fidel me impressionou como um homem extraordinário. Ele enfrentou e superou as coisas mais impossíveis. Ele tinha uma fé excepcional de que, uma vez que partisse para Cuba, chegaria. Que uma vez que tivesse chegado, lutaria. E que, lutando, venceria. Eu compartilhei desse entusiasmo…”
Após a tomada do poder, em janeiro de 1959, Che assumiu diversas funções no governo, buscando pôr em prática sua ideia de construção do homem novo. Para ele, o socialismo só seria possível com o ser humano superando o individualismo e colocando a coletividade em primeiro plano. Para isso, dizia Che, incentivos materiais não servem e sim a emulação proporcionada pelo trabalho voluntário, no qual ele era o primeiro a dar exemplo. Uma vida simples. Uso de carro oficial apenas a serviço, recusa de levar a mulher em viagens ao exterior, em dar presente aos filhos que o homem do povo não pudesse dar também, e assim por diante. Che sempre recebeu o apoio e o incentivo de Fidel.
Che sempre teve claro que Cuba não seria seu porto final. Que era preciso continuar a luta pela libertação da humanidade. E que Cuba não poderia avançar sozinha na construção do socialismo, dependendo apenas do apoio da União Soviética, onde a política dos governantes já sinalizava um recuo, em vez de avançar para o comunismo.
De Che para Fidel
Mas Che compreendia a posição do governo cubano e de Fidel, só que não via sentido em permanecer mais em Cuba enquanto outros povos precisavam de sua “modesta” contribuição. A carta de despedida que fez para Fidel antes de partir para o Congo, de onde sairia para a Bolívia, é um testemunho emocionante da admiração e amizade que mantinha pelo Comandante Fidel: “…Vivi dias magníficos ao seu lado, senti o orgulho de pertencer ao nosso povo nos dias brilhantes, embora tristes, da crise caribenha. Raramente um diplomata foi mais brilhante que você naqueles dias…Carrego para novas frentes de batalha a fé que você me ensinou, o espírito revolucionário do meu povo. Se minha hora final me encontrar debaixo de outros céus, meu pensamento será para o povo e especialmente para você…”
Bem, infelizmente, a hora final chegou debaixo dos céus da pátria-mãe latino-americana, mais precisamente da Bolívia, quando, ferido em combate em 8 de outubro de 1967, no dia seguinte, o eterno Che Guevara foi assassinado, fria e covardemente, por um esbirro do exército boliviano, assessorado pelos boinas-verdes dos EUA.
De Fidel para Che
Ao anunciar ao povo cubano a morte do Comandante Che Guevara, Fidel manifestou publicamente – e visivelmente emocionado – toda a admiração e amizade que também mantinha pelo herói, dizendo, entre outras palavras ardorosas:
“…Che possuía, como revolucionário, as virtudes que podem ser definidas como a mais cabal expressão das virtudes de um revolucionário: homem íntegro, homem de honradez suprema, de sinceridade absoluta, homem de vida estoica e espartana, homem em quem, praticamente, em sua conduta, não se encontra uma só mancha. Constituiu, por suas virtudes, o que se pode chamar de verdadeiro modelo de revolucionário. Um verdadeiro exemplo de virtudes revolucionárias! Mas, além disso, tinha outra qualidade, uma qualidade do coração, porque era um homem extraordinariamente humano, extraordinariamente sensível! Homem de ação, mas também homem de pensamento, homem de imaculadas virtudes revolucionárias e de extraordinária sensibilidade humana, unidas a um caráter de ferro, a uma vontade de aço, a uma tenacidade indomável.
Trabalhador infatigável, nos anos que esteve a serviço de nossa pátria não conheceu um só dia de descanso. Sua inteligência multifacetada era capaz de empreender, com o máximo de segurança, qualquer tarefa, de qualquer ordem, em qualquer sentido.
Nos dias regulamentares de descanso, empenhava-se no trabalho voluntário. Foi o inspirador e o máximo impulsionador desse trabalho que hoje é atividade de centenas de milhares de pessoas em todo o país, o impulsor dessa atividade que cada dia ganha mais força nas massas de nosso povo.
E como revolucionário, como revolucionário comunista, verdadeiramente comunista, tinha uma infinita fé nos valores morais, tinha uma infinita fé na consciência aos homens. E devemos dizer que, em sua concepção, viu com absoluta clareza nos recursos morais a alavanca fundamental da construção do comunismo na sociedade humana.
Em uma palavra, deixou-nos seu exemplo! E o exemplo de Che deve ser um modelo para nosso povo, o exemplo de Che deve ser o modelo ideal para nosso povo!
Se queremos expressar como aspiramos a que sejam nossos combatentes revolucionários, nossos militantes, nossos homens, devemos dizer sem vacilação de nenhuma índole: que sejam como Che! Se queremos expressar como aspiramos a que sejam os homens das futuras gerações, devemos dizer: que sejam como Che! Se queremos dizer como desejamos que nossos filhos sejam educados, devemos dizer sem vacilação: queremos que se eduquem no espírito de Che! Se queremos um modelo de homem, um modelo de homem que não pertence a este tempo, um modelo de homem que pertence ao futuro, de coração digo que esse modelo, sem uma só mancha em sua conduta, sem uma só mancha em suas atitudes, sem uma só mancha em sua atuação, esse modelo é Che! Se queremos expressar como desejamos que sejam nossos filhos, devemos dizer com todo o coração de veementes revolucionários: queremos que sejam como Che!”
José Levino, historiador