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sábado, 20 de abril de 2024

“Um deles me disse que o raciocínio lógico não está nos meus genes”

O metroviário Valter Rocha, 37 anos, funcionário do Metrô SP, foi demitido após um passageiro o chamar de macaco e imitar o animal. Valter reagiu e abordou o homem e, após discussão acalorada, o passageiro foi para outra estação reclamar que havia sofrido uma agressão. O racista, porém, não quis formalizar a acusação.

A empresa em nenhum momento quis ouvir Valter e não deu ouvidos ao caso de racismos que aconteceu contra um funcionário em seu ambiente de trabalho, local em que a empresa é responsável por ele. Após um mês do ocorrido, o Metrô o demitiu alegando infração do código de ética com o usuário.

Valter sofreu racismo institucional em várias situações. Foi muitas vezes discriminado por ser negro e utilizar dreads no cabelo. Assim que entrou no Metrô, foi-lhe pedido que cortasse seu cabelo. A sua postura firme e resoluta de enfrentar o racismo sempre foi o que mais incomodou a direção da empresa.

Quando você entrou no Metrô e quais funções você já praticou?

Fui admitido no Metrô de São Paulo em 2002, após ser aprovado no concurso público. Trabalhei nas estações Carrão, República e Anhangabaú como Operador de Transportes Metroviários I (funcionário de estação que responde a todo tipo de dúvidas dos usuários, orienta o fluxo de passageiros, prevenção de acidentes, realiza primeiros socorros, vende bilhetes, etc.). Em 2015, passei no concurso interno para Operador de Transportes Metroviários II (responsável por acionar a manutenção). Nesta função trabalhei na estação Praça da Árvore.

Fale-nos sobre os casos de racismo que você já sofreu no Metrô.

Além do caso que culminou na minha demissão, vou citar dois fatos racistas importantes. O meu cabelo sempre foi um problema para o Metrô. Assim que entrei, pediram para eu cortar meus dreads e já ouviram o meu primeiro não. Porém, em 2008, a chefia da época disse para eu cortar o cabelo senão seria demitido. Mantive-me firme e não baixei a cabeça e, junto com outro funcionário que sofreu a mesma ameaça, fomos ao sindicato saindo do trabalho.

A outra situação foi na minha promoção, em 2015. Tive que fazer o mesmo treinamento três vezes. No primeiro, não fui liberado, pois o instrutor entendeu que não estava apto. Eu não concordei com a reprovação, mas preferi aceitar a decisão e fazer o retreinamento. Mesmo fazendo manobras elétricas certas e rápidas, me reprovaram pela segunda vez. No ato da minha reprovação, outro companheiro de trabalho disse diretamente para a chefia que não fazia sentido a minha reprovação.

Eu fiquei indignado com a situação e pedi provas documentadas dos motivos da minha nova reprovação e exigi uma reavaliação por me considerar apto. Eu nunca recebi as provas da reprovação. Na época, acionei o sindicato para intervir na situação e, depois de vários meses de luta, conseguimos uma reunião com a direção do Metrô. Na reunião disseram para mim que eu não tinha raciocínio lógico, pró-atividade e responsividade. E aí um deles falou que eu não tinha raciocínio lógico nos meus genes.

No fim das contas, acabaram cedendo e fiz nova avaliação que duraria 10 dias, mas, em apenas quatro dias, fui aprovado e assumi a nova função.

Na sua visão, os seus posicionamentos políticos pesaram na sua demissão?

Com certeza. Por que se fala bastante sobre a motivação da minha demissão e aparece muito minha figura, a aparência e o meu cabelo. Mas, mais do que minha aparência, sempre pesou para o Metrô o fato de que, apesar de ser um bom funcionário, ser pró-ativo, eu nunca baixei a cabeça, não fazia hora-extra, sempre questionei decisões que eu considerei errada de maneira assertiva. Enfim, nunca me submeti a ordens absurdas e acabei muitas vezes visto como insubordinado. Essa minha postura sempre desagradou o Metrô.

Então você vê relação da sua demissão com as dos demais colegas demitidos injustamente?

Sim. Principalmente nesta onda a partir de 2007. O objetivo da empresa é amedrontar a categoria para que não faça mais greves. Muitos de nós ficamos achando que se esconder nos enfrentamentos pode ser uma saída, mas não tem jeito. Deixar de lutar não é segurança nenhuma. O Metrô pode demitir por excesso de uso de internet, baixa produtividade, nota baixa nas avaliações, entre outros absurdos. Lutando ou não, qualquer um pode ser o próximo.

Como está sua situação agora?

O Metrô me demitiu sem justa causa e já pagou a rescisão. É bem estranha essa forma por que uma agressão a um passageiro caberia tranquilamente uma demissão por justa causa. Entrei com recurso administrativo assessorado pelo sindicato e a empresa já negou. Outra ação feita junto com o sindicato foi o contato com a Coordenação de Políticas para População Negra e Indígena (órgão da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania). A coordenadora fez uma oitiva do meu caso e está encaminhando tratativas junto à secretaria de transportes com objetivo de me reintegrar. Isso é muito importante por que é o reconhecimento da necessidade de me reintegrar da Coordenação responsável pelas políticas para os negros e indígenas do próprio Governo do Estado.

Além disso, foi realizado um ato em defesa da minha reintegração e tenho me posicionado publicamente nas oportunidades que tive. Estou passando por um momento de constrangimento com privação do meu salário. Vamos aguardar e, se essas tentativas não tiverem sucesso, vou entrar com processo judicial.

Qual mensagem você gostaria deixar para os leitores do Jornal A Verdade?

Uma nova configuração do Estado brasileiro e da sociedade é extramente urgente. Precisamos de uma atitude revolucionária sem acordo. Quanto mais estudamos a história do Brasil mais certeza eu tenho que nada mudou apesar dos avanços na ciência e tecnologia é ridículo. Duzentos, trezentos anos atrás, a escravidão era absurda, mas nada mudou. Lula foi o menos pior dos que eu testemunhei, mas apesar de alguns avanços, a conciliação não funcionou e nem vai funcionar. As coisas só mudam através de atitudes drásticas e revolucionárias não só em política, mas também nas tradições.

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