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quinta-feira, 28 de março de 2024

Alexandre Vannucchi: Mais um ato de horror da ditadura militar, que não pode voltar, jamais!

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Que crime cometera um rapaz de 22 anos para ser preso, torturado e morto?  Apenas o de não concordar com a política adotada pela ditadura militar (1964-1985), que se instalara com a justificativa de “salvar” o Brasil da ameaça comunista. De fato, o objetivo foi pôr fim à política nacionalista do presidente João Goulart, discípulo de Getúlio Vargas, submetendo o Brasil ao imperialismo dos Estados Unidos, abrindo o país para as multinacionais enriquecerem, impedindo a reforma agrária, que fortaleceria o mercado interno, tudo dentro do figurino capitalista, mas com independência. Isso o imperialismo não aceita. Reza por sua cartilha ou é submetido a bloqueios, bombardeios e outras formas de ataque, tudo em nome da “Democracia”, da “civilização ocidental” e até de Deus.

Estudante dedicado

Alexandre Vannucchi Leme era quase um menino, mas não concordava com essa submissão. Estudante de Geologia da USP, lutava contra a entrega das riquezas minerais do país às multinacionais; por isso, promovia debates em sua universidade e nas outras, participante ativo do movimento estudantil em São Paulo. O regime militar, com o carrasco Emílio Garrastazu Médici como ditador de plantão, via-o como inimigo mortal, como ameaça a ser extirpada o mais cedo possível.

Alexandre era natural de Sorocaba, interior paulista, onde nasceu no ano de 1950. Pai e mãe professores, estudante dedicado, foi o primeiro colocado no vestibular da USP. Buscou uma organização capaz de enfrentar a ditadura feroz e se integrou à Ação Libertadora Nacional (ALN), fundada pelo poeta combatente Carlos Marighella.

Militante da ALN

A ALN foi lançada publicamente no dia 15 de agosto de 1969, numa operação espetacular, que tomou os transmissores da Rádio Nacional, em Diadema (SP), e leu, pela voz do militante Gilberto Beloque, um manifesto assinado por Marighella, ex-dirigente do PCB, que rompera com o reformismo do Partidão em 1968. No manifesto, em gravação tendo como música de fundo o Hino Nacional, a ALN anunciava o início da guerra revolucionária com o objetivo de derrubar a ditadura e anular todos seus atos; expulsar os norte-americanos do país, expropriando suas empresas, seus bens e os de seus colaboradores; acabar com o latifúndio; acabar com a censura e retirar o Brasil da condição de satélite da política externa dos Estados Unidos.

“Só disse o meu nome”

Vannucchi foi preso no dia 16 de março de 1973, pelo DOI-Codi, órgão que sucedeu à Operação Bandeirantes (Oban). A Oban foi um dos órgãos mais violentas da ditadura e teve como objetivo centralizar a repressão em São Paulo. Criada em 1969, reunia forças do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, SNI, Polícia Militar e Polícia Civil. Foi mantida com financiamento privado articulado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Foram identificados registros de contribuições de empresas como Ford, GM, Bradesco, Mercantil de São Paulo, Ultragaz e o apoio do Jornal Folha de São Paulo, que emprestava os carros de entrega de jornais para as operações de sequestro feitas pela famigerada. A Oban serviu de modelo para a instalação posterior dos DOI-Codi em todo o país.

No dia 22 de março de 1973, os órgãos de segurança, como aconteceria tantas outras vezes, divulgaram nota falsa informando que Alexandre Vannucchi teria se suicidado ao se jogar de um carro em que era levado para um ponto em que encontraria um companheiro da ALN. Deve-se destacar que, embora a ALN fosse uma organização de caráter militar, o jovem universitário não era guerrilheiro; fazia o trabalho político no movimento estudantil.

A psicóloga Neide Richoppo assegura que estava presa e presenciou o assassinato de um rapazinho no DOI-Codi, chamado Alexandre, ouviu seus gritos na tortura durante dois dias e que, no segundo dia, ele foi arrastado da cela onde se encontrava, já morto. Outros presos que estavam na mesma cela também testemunham que Vannucchi foi jogado na cela depois de uma sessão de tortura e conseguiu falar pela última vez: “Meu nome é Alexandre Vannucchi Leme. Sou estudante de Geologia da USP. Me acusam de ser da ALN. Eu só disse o meu nome”. Ele morreu no dia 17 de março de 1973.

O assassinato de Vannucchi aumentou a revolta

Os estudantes não se atemorizaram. Quando souberam da morte de Alexandre, houve um levante na USP conduzido por todas as forças de esquerda, numa ação conjunta. Assembleias, pano preto no lugar da bandeira nacional e o comunicado dos Centros Acadêmicos da Universidade informando que estavam em “luto que não traduz apenas nosso imenso pesar pela perda irreparável do colega Alexandre, como também nossa união para repudiar este ignominioso estado de coisas a que nos vemos submetidos e assumir conscientemente a posição de dizer-lhe um basta”.

Os estudantes queriam celebrar missa de sétimo dia dentro da USP, mas dom Paulo Evaristo Arns sugeriu a Catedral da Sé e eles aceitaram. Foi um ato de denúncia contra a ditadura, com o comparecimento de cinco mil pessoas e representação de entidades importantes como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sindicatos e associações. A missa terminou com o compositor Sérgio Ricardo cantando sua canção Calabouço, feita em homenagem a outro estudante assassinado pela ditadura militar, o Edson Luís. O DCE-Livre da USP, reorganizado em 1976, recebeu o nome do mártir Alexandre. Outras homenagens lhe foram prestadas.

Farsa desmentida oficialmente

A ditadura não entregou o corpo de Alexandre Vannucchi à família. Enterraram-no como indigente e não revelaram o local, o que só veio acontecer no ano de 1983. Outra vitória, obtida pela atuação da Comissão Nacional da Verdade, foi a retificação do atestado de óbito, no qual a expressão “lesão crânio-encefálica” inserida pelos legistas da ditadura foi substituída por “lesões decorrentes de torturas e maus-tratos”.

Fascistas tentam o poder pelo voto

As torturas que levaram Alexandre Vannucchi à morte foram comandadas pelo coronel do Exército Carlos Brilhante Ustra, recentemente defendido e elogiado pelo capitão Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República, que mantém até o momento vantagem nas pesquisas para o primeiro turno das eleições presidenciais, que acontecerá no próximo dia 7 de outubro.

Ainda é tempo. Pense na responsabilidade de seu posicionamento para não sentir depois a dor de consciência de ter contribuído para a volta dos tempos sombrios da ditadura militar fascista, agora com respaldo do voto.

José Levino é historiador

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