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terça-feira, 23 de abril de 2024

O Estado misógino e a violência contra gestantes: aprovada PL da cesárea em São Paulo

Foto: Divulgação

SÃO PAULO – Foi aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), nesta última semana, o Projeto de Lei 435/2019. A PL da cesárea, como ficou conhecida, pretende garantir à gestante usuária do SUS a possibilidade de optar pelo parto cesariano, sem depender de indicação médica, a partir da trigésima nona semana de gestação, e bem como analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal.

Essa medida é um atraso para a luta do parto humanizado, uma vez que estimula cirurgias cesáreas desnecessárias, ou seja, quando não há situação que coloque em risco a saúde da gestante ou do bebê. O parto cesárea, quando promovido em situações que não eram precisas, traz mais complicações e possui mais riscos de infecção à mãe.

Porém, dados divulgados pelo Ministério da Saúde (2015) mostram que a taxa de operação cesariana do nosso país chega a 56% na população geral. Tendo em vista que a OMS define como aceitável uma taxa de cesáreas que varie entre 10 a 15%, o Brasil já se encontra fora das recomendações. Uma taxa maior que 15% não representa redução na mortalidade materna e tampouco melhores desfechos de saúde para a dupla mãe-bebê (Ministério da Saúde, 2001, 2014, 2015). A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP) manifestou-se imediatamente contra a decisão tomada, que não contou com a consulta de especialistas em maternidade.

Esse retrocesso, além de legitimar a modalidade cesariana de forma desnecessária e impedir o aumento de partos saudáveis, ainda abre brecha para aumentar exponencialmente os casos de diversas agressões às grávidas: apesar de, em maio de 2019, o Ministério da Saúde ter anunciado que o termo “violência obstétrica” era inadequado e que deixaria de ser utilizado pelo Governo, as condições de tratamento em que as gestantes brasileiras estão submetidas continuam sendo bem categorizadas por esse conceito: negligência (omissão do atendimento); violência psicológica (tratamento hostil, ameaças, gritos, coerção e humilhação intencional); violência física (negar o alívio da dor quando há indicação técnica, manipulação e exposição desnecessária do corpo da mulher) e violência sexual (assédio sexual e estupro) ainda são recorrentes. O uso excessivo de medicamentos e intervenções no parto, mentir para a paciente quanto a sua condição de saúde para induzir cesariana eletiva, ou não informar a paciente sobre a sua situação de saúde e procedimentos necessários também se incluem.

A violência obstétrica é uma violação dos direitos das mulheres grávidas e a apropriação de seus processos reprodutivos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o termo como “a apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida”.

No Brasil, se torna evidente a importância dessa discussão ao analisarmos o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo (2010), o qual afirma que 1 em cada 4 mulheres já sofreram algum tipo de violência obstétrica. Esse cenário se agrava ainda mais para as mulheres negras e pobres, as quais compõe a maioria das vítimas.

A proposta da PL 435/2019 será benéfica apenas às clínicas, uma vez que, em comparação ao parto normal, as cesáreas são muito mais lucrativas, e as equipes médicas menos preparadas para acompanhar partos normais, além da comodidade para os médicos de programar dia e hora dos partos, ao invés de esperar o momento em que o corpo da mulher e do bebê dê os sinais e definam o início do processo. Dessa forma, desconsiderando todos os estudos e dados mundiais sobre saúde, o Brasil caminha para um modelo de mercantilização do parto e de poder hegemônico do médico, que controla os conhecimentos do corpo humano e da sexualidade da mulher. O Brasil ainda é um país onde a maioria das escolas de medicina trabalha com o modelo intervencionista que valoriza a tecnologia, os exames sofisticados e os procedimentos cirúrgicos, deixando de lado os cuidados com foco na mulher para realização e estimulação do parto normal.

A luta pela humanização do parto e a discussão, no âmbito público e privado, sobre violência obstétrica é, portanto, extremamente necessária. Somente por meio da luta e da organização das próprias mulheres, disseminando essas informações, cobrando do Estado a discussão de projetos de leis que de fato representem melhoria nos atendimentos à mulher e fomentem políticas públicas de acesso à saúde, é que as mulheres poderão se sentir mais seguras e empoderadas. Assim, elas serão capazes de ocupar seu papel protagonista no parto e dispor da plena consciência de seus direitos, tanto para exigi-los, como para identificarem e denunciarem maus tratos e violências nesse processo.

Gabriela Torres e Luiza Chara, Movimento de Mulheres Olga Benario

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