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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Renúncia de Evo Morales abre caminho para Fascismo na Bolívia

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Reeleito democraticamente pela ampla maioria do povo boliviano, Evo Morales é golpeado por militares, partidos de direita e empresários. Após ações violentas dos golpistas, Evo renuncia, argumentando defender a paz. No entanto aparece um questionamento: Que paz? E para quem?

Queops Damasceno e Heron Barroso
Partido Comunista Revolucionário


Foto: Jorge Bernal/Getty

BOLÍVIA – Com mais de 10% de diferença dos votos para o segundo colocado, conforme exige a constituição, Evo Morales foi reeleito presidente ainda em primeiro turno, no dia 20 de outubro deste ano. Acusando a justiça eleitoral de fraude após o resultado ser proclamado, grupos de direita financiados pelos grandes empresários e pelo imperialismo norte-americano mobilizaram protestos e ações violentas que seguiram acontecendo durante as duas últimas semanas.

Comandada pelo empresário Luis Fernando Camacho, do Comitê Cívico do departamento (estado) de Santa Cruz, a ala civil dos golpistas orientou os protestos para que não acontecessem de forma pacífica. Em Cochabamba, a turma direitista de Camacho invadiu a prefeitura e levou à força a prefeita Patricia Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Evo, para a rua, onde foi agredida, pintada de vermelha e humilhada em frente ao prédio da prefeitura, incendiado pelos golpistas.

Alguns militares de alta patente, entre eles o recém empossado comandante-chefe das Forças Armadas da Bolívia, o general Williams Kaliman, aproveitaram a onda de protestos para endossar publicamente as reivindicações dos manifestantes e cobiçar o controle do governo. Há dois dias, o presidente Evo afirmava em sua conta no Twitter: “Irmãs e irmãos, nossa democracia está em risco pelo golpe de Estado que grupos violentos colocaram em marcha, atentando contra a ordem constitucional. Denunciamos à comunidade internacional esse atentado contra o Estado de Direito”.

Apesar da denúncia de golpe feita pelo Twitter à comunidade internacional, a violência dos golpistas não cessou. Foram incendiadas a casa da irmã do Presidente, Esther Morales Ayma, e os imóveis dos governadores de Chuquisaca, Esteban Urquizu, e de Oruro, Víctor Hugo Vásquez. Grupos armados, ao que tudo indica militares à paisana, realizaram ações ainda mais cirúrgicas e sequestraram no dia de hoje parentes de dirigentes do governo e do parlamento ligados ao MAS.

Também foram atacadas as casas do ministro da Mineração, César Navarro e do presidente da Assembleia Legislativa Plurinacional, Victor Borda. Estes últimos renunciaram no dia de hoje dizendo que pretendiam garantir sua integridade física. Como vemos, a direita fascista não teve dúvidas em usar a violência e o terror para assediar o poder e conseguir seus objetivos.

Interesses Imperialistas na Região

É notório o interesse e a intervenção dos Estados Unidos da América (EUA) na luta de classes que se desenvolve na América Latina. Após a tentativa de golpe na Venezuela, com o seu fantoche Juan Guaido, frustrada pela firmeza de Nicolás Maduro e do povo venezuelano; e de ver seus interesses ameaçados pela rebelião popular que explodiu no Equador e no Chile; já era hora dos EUA investirem contra a Bolívia e explorarem o desgaste de Evo Morales, reeleito para cumprir o seu quarto mandato consecutivo.

O principal interesse dos EUA é sobre a economia. Uma das primeiras e principais medidas da qual deriva o ciclo, que já foi chamado de “milagre econômico boliviano” e que começou em 2006, quando Evo Morales chegou ao poder, foi a nacionalização do petróleo e do gás natural. Parte das empresas privadas foi transferida para as mãos do Estado. As multinacionais tiveram que renegociar os contratos com a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos para continuarem operando no país e passaram a pagar mais para explorar jazidas.

Não é por acaso que na última década, o país cresceu o Produto Interno Bruto (PIB) em média a 5% ao ano. Esse estado de maior soberania em relação ao capital financeiro dos EUA é algo que ajuda o povo trabalhador a ter mais investimentos nos setores e serviços públicos como saúde e educação, ao mesmo tempo que é um péssimo negócio para a burguesia boliviana associada ao imperialismo norte-americano. De fato, o crescimento da Bolívia é o maior da América Latina na última década. Esse ano a projeção era de crescer 4%, tanto segundo o governo quanto o insuspeito Fundo Monetário Internacional (FMI).

Além do controle do petróleo e do gás natural, a famosa Guerra da Água, como ficou conhecida a revolta popular que aconteceu no ano 2000, evitou a privatização do sistema de gestão de água e saneamento em Cochabamba e, por consequência, em boa parte do país. Todo esse modelo avesso ao neoliberalismo desenfreado é uma pedra a ser removida do caminho pelos EUA e pelos generais fascistas que hoje se apoderaram do poder na Bolívia.

Fascismo não Respeita Democracia

Mesmo a democracia burguesa que as classes dominantes professam defender pode ser rompida, jogada de lado e substituída por uma ditadura, quando perdem uma eleição e julgam não ser mais possível esperar um novo pleito. É o que acontece agora após a renúncia conquistada através de toda a violência e ilegalidade comprovadas pelos fatos já citados anteriormente.

Apenas algumas horas depois de Evo Morales entregar a cadeira da presidência, neste domingo a noite (10/11/2019), o corpo militar que assumiu o poder no país prendeu Maria Eugênia Choque e Antonio Costas, presidente e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia. A prisão foi apresentada por soldados mascarados em uma entrevista coletiva transmitida ao vivo pela rede de TV Unitel, numa clara tentativa de legitimar as falsas denúncias de fraude e numa demonstração clara de que irão reprimir todos que julgarem constituir uma ameaça ao novo regime.

Mesmo Evo renunciando ao poder, os militares fascistas não foram complacentes. A polícia, em conjunto com o exército, declarou sua prisão através do Twitter de Luis Fernando Camacho, dando detalhes inclusive de onde ele possivelmente está escondido. Evo, em resposta, denunciou ao “mundo e ao povo boliviano” essa tentativa de prisão e o assalto de sua casa, argumentando que essas são medidas para “destruir o estado democrático de direito”.

https://twitter.com/LuisFerCamachoV/status/1193696877155356672
https://twitter.com/evoespueblo/status/1193702186024361985

Resistir ou Renunciar?

Pressionado pela ofensiva da extrema direita, o ex-presidente Evo Morales decidiu renunciar. Pela rede social, afirmou: “Renuncio para que Mesa e Camacho não continuem perseguindo, sequestrando e maltratando meus ministros, líderes sindicais e suas famílias e para que não continuem prejudicando comerciantes, sindicatos, profissionais independentes e transportadores que têm o direito de trabalhar.”

Em outras palavras Evo Morales pede paz àqueles que até agora só agiram com violência. Carlos Mesa, candidato derrotado que participou ativamente da direção violenta das manifestações e sequestros que visavam derrubar o presidente eleito, não parecia nada arrependido quando declarou: “Demos uma lição ao mundo. Amanhã a Bolívia será um país novo”.

Com efeito, se o governo já vinha denunciando que havia uma movimentação golpista, não eleita pela maioria do povo, por que não agiu para impedir, por que não resistiu? Sem a presidência da república, será mais fácil proteger os líderes populares e dirigentes sindicais da sanha mordaz dos patrões fascistas? Qual paz desejamos para o povo boliviano, a paz silenciosa dos cemitérios? Quem terá paz com um governo militar subornado e disposto a tudo para entregar as riquezas do povo boliviano para o imperialismo dos EUA? Em que circunstâncias se realizarão as greves dos operários para resistir às privatizações?

No Brasil, no ano de 1964, João Goulart se exilou no Uruguai para supostamente “evitar um banho de sangue”. De fato, o sangue das elites e generais traidores foram poupados. No entanto uma carnificina aconteceu nos porões da ditadura durante um período de 21 anos. Afinal, qual banho de sangue queremos evitar?

O povo boliviano não está completamente derrotado. É senhor de si e com certeza encontrará novas formas de reunir suas forças para defender a sua soberania e um futuro digno para os trabalhadores e trabalhadoras. Esse caminho demonstrou os povos da Venezuela, Equador e Chile recentemente. E a América Latina inteira rechaça o neoliberalismo nesse momento. O povo boliviano também marchará em defesa da sua liberdade, contra o imperialismo e a favor de uma sociedade nova, a sociedade socialista.

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