Sob gritos de “agora sim, guerra civil!” trabalhadores entram em La Paz para impedir o golpe e Parlamento não consegue se reunir e nomear substituto para Evo Morales. Forças Armadas e policiais tentar criar uma intervenção militar. Suspeitas sobre envolvimento do Brasil e dos EUA no golpe aumentam.
Felipe Annunziata
LA PAZ – A população da cidade-satélite de La Paz El Paso ocupou no dia de hoje (11) a capital boliviana. Milhares de trabalhadores entraram na cidade e marcharam em direção ao palácio presidencial para impedir a consolidação do golpe de estado dado ontem por militares, empresários e partidos de direita no governo do presidente Evo Morales. Os manifestantes entraram em La Paz sob a palavra de ordem “Agora sim, Guerra Civil!” e demonstraram que não vão aceitar nenhum governo golpista.
A resistência popular fez com que a sessão da Assembleia Plurinacional para consumar o golpe fosse adiada para esta terça. A vice-presidenta golpista do Senado boliviano, Jeanine Añez, fugiu do prédio do parlamento com a ajuda das forças armadas para local desconhecido, segundo o jornal El Deber. No fim da tarde de hoje indígenas cocaleros (produtores de folha de coca, tradicional no país) cercaram a sede do legislativo com bandeiras whipalas (símbolo do movimento indígena e uma das bandeiras nacionais da Bolívia).
A situação nas últimas horas vem se agravando e já relatos de ao menos 20 feridos em confrontos com a polícia golpista em El Paso. Os policiais, que no fim de semana se rebelaram contra o governo constitucional, pediram ajuda das forças armadas para que interviessem e reprimissem os protestos. Ontem, ainda antes da renúncia de Evo, a Federación de Juntas Vecinales de El Paso (entidade que organiza comitês populares nessa cidade) deu 48 horas para os líderes golpistas Luis Fernando Camacho e Carlos Mesa (segundo colocado nas eleições) saíssem de La Paz.
Nas redes sociais circulam muitos vídeos de passeatas e mobilizações de bolivianos contra o golpe. A resistência popular está impedindo, assim, a consolidação do golpe e aos poucos tem demonstrado condições de resistir e fazer a direita recuar e neste momento impede que se forme um governo golpista apoiado pelo Brasil e pelos EUA.
Suspeitas de envolvimento do Brasil e dos EUA no golpe e a reação internacional
Ainda em maio, segundo jornal O Globo, Luis Fernando Camacho, líder fundamentalista e golpista da Bolívia, se reuniu em Brasília com o ministro das Relações Exteriores do fascista Bolsonaro e pediu ajudo ao governo brasileiro para impedir que Morales se candidatasse novamente a presidente. Já nessa reunião, realizada junto com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), Camacho pediu ajuda ao ministro para que o Brasil pedisse a OEA (Organização dos Estados Americanos) apoiasse seu intento de impedir a candidatura de Morales.
Como se sabe a OEA, sediada e controlada pelos Estados Unidos, acusou as eleições do fim de outubro de fraudulentas e recomendou nova eleição. Morales atendeu ao pedido e mesmo assim a direita e os militares deflagraram o golpe. Atacaram prédios de familiares e membros do Movimento ao Socialismo (MAS), partido do governo, e de membros do gabinete de Evo Morales e forçaram a sua renúncia e de todos os ministros e do vice-presidente.
Além disso, ainda ontem o americano Noam Chomsky, um dos principais cientistas políticos do mundo, denunciou o governo dos EUA de envolvimento com o golpe. Ele afirmou que a Embaixada dos EUA na Bolívia tinha dois planos para a Bolívia: o plano A era o de realizar o golpe e o plano B era do assassinato de Evo Morales. Não à toa poucas horas depois tanto Brasil, quantos os EUA, comemoraram o golpe na Bolívia e Donald Trump afirmou que este é “um claro sinal” a outros países da região, como a Venezuela.
Quais as motivações desse golpe de estado?
A Bolívia é um dos países mais ricos em recursos minerais e em reservas de gás natural. Recentemente foram descobertas novas reservas de lítio, mineral utilizado na produção de produtos eletrônicos de alto valor agregado, como celulares e computadores. Assim como na Venezuela com o petróleo, os Estados Unidos nunca aceitaram que estes recursos ficassem na mão das populações desses países e sempre buscou intervir para que empresas controladas pelo capital financeiro sediado em seu território explorassem esses recursos.
Além disso, embora buscasse conciliar com interesses das elites bolivianas, o governo de Evo Morales sempre se posicionou contrário as intervenções do imperialismo estadunidense na América Latina e também se colocou como oposição as políticas neoliberais que o FMI e outras instituições financeiras defendiam. No entanto, ao renunciar o presidente boliviano possibilitou a consumação do golpe. Mesmo assim a população organizada tem montado barricadas na capital e em outras localidades e impedindo que este se consolide e está se colocando na disposição de enfrentar policiais e militares que já anunciaram que vão intervir militarmente para acabar com qualquer resistência.
Este processo é uma demonstração de que o imperialismo e as elites reacionárias da América Latina não estão satisfeitas com o avanço do movimentos populares na região. Essas oligarquias demonstram que estão dispostas a tudo e mesmo sob pedidos de paz só aplicarão a violência física e econômica com fim de direitos e conquistas dos trabalhadores, como ocorre no Brasil, no Chile e no Equador. A resistência do povo boliviano mesmo após a renúncia do presidente mostra que ainda é possível reverter o golpe e barrar a direita, cabe a todos os povos da América Latina a solidariedade e o apoio ao esforço dos bolivianos nessa hora difícil.