O movimento Hip-Hop é um importante aliado dos movimentos sociais, mobilizando e conscientizando a juventude, e construindo demonstrações de poder popular em praças e ruas espalhadas pelo país, acendendo a chama da indignação e necessidade de organização do povo.
Gabriel Montsho e Karol Lima, Rio de Janeiro
Foto: MLB
Desde seu nascimento, o Hip-Hop, assim como as demais manifestações populares da cultura negra, vem desenvolvendo um papel importante dentro das comunidades pobres. Prova disso é que seus percursores, Cindy e Clive Campbell, que mais tarde viria a ficar conhecido como Kool Herc, organizaram a primeira festa de Hip-Hop no Bronx, em 1973, com o objetivo de arrecadar fundos para comprarem material escolar para as crianças da região, que naquela época, não diferente de hoje, viviam abandonadas pelo Estado.
O movimento começou a envolver seus quatro e principais elementos: o DJ, o breaking, o grafite e também o MC. Mas ainda não tinha um nome, que só foi dado por Afrika Bambaataa, que também adicionou um quinto elemento ao movimento: o conhecimento. Bambaataa também foi o fundador da Zulu Nation, uma organização que tinha como finalidade evitar as brigas entre gangues e incentivar o envolvimento dos jovens americanos com a cultura.
No Brasil não foi diferente. Se ouvirmos as músicas incisivas e com caráter de denúncia que existiam nas letras dos grupos da década de 1990 e início dos anos 2000, podemos entender exatamente a conjuntura política do país. Ainda hoje as letras de rap carregam o compromisso de serem porta voz da denúncia do que a maioria da população do nosso país sofre: abandono, miséria, desemprego, fome e o descaso do Estado capitalista, que só se faz presente através da polícia militar e demais órgãos de repressão.
Muitas músicas, inclusive, além de atacarem diretamente os opressores, também fazem homenagens a grandes revolucionários como Malcolm X, Che Guevara e Carlos Marighella, destacando sempre a importância que tiveram na luta pela liberdade dos povos em seus países.
O Hip-Hop e os movimentos sociais
Em 2012, quando o rapper Emicida é levado algemado para a delegacia após criticar ações policiais no despejo truculento dos moradores da Ocupação Eliana Silva, realizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), abre seu show dizendo: “Antes de mais nada, somos todos Eliana Silva, certo?”. Emicida dedica sua música “Dedo na Ferida” às “vítimas do Moinho, Pinheirinho, Cracolândia, Rio dos Macacos, Alcântara e todas as quebradas devastadas pela ganância”, evidenciando a cultura de resistência que há tempos vem sendo difundida no rap e onde exatamente ela se inscreve: no seio do povo pobre.
Vale lembrar que Emicida não foi o primeiro a ter problemas com a justiça burguesa por fazer de sua arte um instrumento de denúncia das injustiças cometidas contra o povo. O rapper MV Bill foi indiciado no ano 2000 por apologia ao crime em sua música “Soldado do Morro”, que narrava o dia a dia de um homem que se envolveu com o tráfico após ver em sua frente o desemprego. O mesmo aconteceu com o grupo Facção Central, que na época chegou a ter seus integrantes detidos pelo lançamento do clipe “Isso aqui é uma guerra”, que mostrava a dura e cruel realidade das periferias de São Paulo.
A perseguição contra artistas continua
O caso mais recente é o do organizador da Roda Cultural da Central, o rapper Rodrigo GTA, que está preso injustamente desde 2018 por desacato à autoridade, segundo policiais. O fato é que a perseguição contra os artistas citados acontece justamente por fazerem parte das camadas sociais mais pobres e pelo fato de sua arte naturalmente atacar diretamente as elites do país.
Contudo, o papel que muitos MC’s e rodas culturais hoje em dia cumprem é muito singular nos espaços comuns dos negros e na periferia: exercem um papel de atuar nas consciências com sua arte. Quando Angela Davis evoca que “a estética burguesa buscou situar a arte em uma esfera transcendente, além da ideologia, além das realidades socioeconômicas e, certamente, além da luta de classes”, é possível pensar prontamente no inverso, ou seja, numa arte contemporânea, a música rap, que tensiona constantemente o tecido social questionando a ordem estabelecida e o descaso do Estado burguês e dos aparatos repressivos para com o povo pobre, em sua maioria negro.
A arte de resistência ocupa um espaço negligenciado pelo poder público e por parte de uma esquerda que abandonou o povo que está entregue à violência cometida por esse mesmo Estado, não só com repressão policial, mas com falta de acesso ao saneamento básico, a cidade e ao lazer. O rap cumpre esse papel não só de denúncia, mas também proposição e alternativa, através das rodas culturais que acontecem em sua maioria sem nenhum patrocínio ou incentivo do governo. Essas rodas trazem o lazer, o debate político de pertencimento e perspectiva de vida para jovens moradores das periferias que diariamente sofrem com a falta de acesso à educação e ao emprego.
Por isso, o movimento Hip-Hop como um todo se soma como um importante aliado dos movimentos sociais de reivindicação popular por mais saúde, moradia e principalmente contra o genocídio da população negra; mobiliza e conscientiza a juventude pobre e, o mais importante, constrói demonstrações de poder popular em praças e ruas espalhadas pelo país, acendendo a chama da indignação e necessidade de organização do povo pobre para que, enfim, destruamos o sistema capitalista, que segue seu curso natural de exterminar nosso povo.