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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Ignacio Martín-Baró e a Psicologia da Libertação

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Para o padre espanhol Ignacio Martín-Baró, se o objeto de estudo é a ação como ideológica, o objetivo da Psicologia Social deve ser tornar possível a liberdade sem antecipar mecanicamente o futuro, mas colocar à disposição dos atores sociais o conhecimento que possibilite atuar de forma adequada em função de valores e princípios sociais, pois quanto maior o conhecimento, maior é a clareza para decidir e agir conscientemente.


Por Luciano Schafer
Estudante de Psicologia na UFRGS


Foto: Divulgação

A distribuição da saúde mental está vinculada com a distribuição da riqueza produzida no país” (O psicólogo no processo revolucionário)

Ignacio Martín-Baró nasceu em Valladolid, Espanha, e veio para a América Latina como jesuíta da Companhia de Jesus, onde concluiu estudos em Filosofia, na Colômbia. Formou-se teólogo na Bélgica e psicólogo de volta à América Latina, em El Salvador, onde estabeleceu-se. Era pós-graduado, mestre e doutor pela Universidade de Chicago (EUA).

Martín-Baró foi criador da Psicologia da Libertação. Suas conclusões mostram forte posicionamento político classista, o que explica seu fuzilamento – junto a mais cinco jesuítas e duas trabalhadoras – dentro da UCA (Universidade Centro-Americana José Simeón Canãs, em San Salvador), invadida pelo Exército de El Salvador em 1989 a mando de Alfredo Cristiani, representante da burguesia salvadorenha e do imperialismo estadunidense.

Como filósofo, tratou de executar a tese 11 sobre Feuerbach, de Marx: modificar o mundo, ao invés de apenas interpretá-lo. Em seus estudos, encontramos temas como violência, saúde mental, programa ético-político para a Psicologia, definições de Psicologia Social, Psicologias Política, Comunitária e Popular, entre tantas contribuições importantes para a Psicologia e as Ciências Sociais. Conceitos tradicionais da Psicologia Social – atitude, socialização, percepção social etc. – são revisados criticamente para estudar a tortura, o machismo, a repressão e outros processos sociais dominantes na América Central.

Crítica e Libertação na Psicologia

Para Martín-Baró a avaliação objetiva da realidade deve ser efetivada pela perspectiva histórica e não pela aplicação de esquemas produzidos nos centros do Poder.

Baró apresenta três exemplos para diferenciar Sociologia de Psicologia Social e começa a definir o seu conceito sobre o estudo da Psicologia Social.

A Psicologia Social estuda o comportamento humano através do significado e valores que vinculam a pessoa à sociedade. Mais profundamente: o estudo científico da ação como ideológica, a ação como síntese de objetividade e subjetividade, sem necessidade de consciência, mas marcada por conteúdos historicamente relacionados com uma estrutura social. Assim, a ideologia é parte fundamental do estudo da Psicologia Social para Martín-Baró.

Dessa forma, a Psicologia Social é uma ciência intermediária, pois abrange o que pertence à sociedade e o que é próprio do indivíduo, e por conta disso pode perder a “tensão interdisciplinar”. Sociologia Psicológica (sociologia: unidade de análise de natureza coletiva, social, sistema ou ação) e Psicologia Social (psicologia: indivíduo como unidade de análise) sempre existiram, mas a decisão pelo uso do nome não é mera arbitrariedade linguística, e sim uma opção teórica. O estudo de papéis ou percepções, comportamentos regulados ou hábitos pessoais dirão se a perspectiva é mais sociológica ou psicológica.

Após explicar os perigos do reducionismo das duas perspectivas anteriores, Martín-Baró apresenta a terceira perspectiva, a perspectiva dialética, a negação dos polos em um processo histórico, onde pessoa e sociedade não apenas interagem, mas se constituem mutuamente.

Ao apresentar a visão histórica da Psicologia Social, Martín-Baró aprofunda sua crítica à Psicologia Social contemporânea afirmando que em alguns casos os pressupostos filosóficos de suas raízes na antiguidade são mais sofisticados que na atualidade. Sócrates, Platão, Maquiavel, Hobbes, Rousseau e Marx apresentaram diferentes soluções para problemas de suas épocas, mas sempre dentro da dicotomia Indivíduo x Sociedade. Aspectos religiosos e tecnológicos também tiveram influência no desenvolvimento desta ciência.

Quatro fatos são apontados como determinantes para o surgimento das ciências modernas e, consequentemente, da Psicologia Social: a nova consciência da diversidade humana, a concepção secularizada do homem, a revolução industrial capitalista e um novo enfoque metodológico. A partir disso, três perspectivas dividem a evolução da Psicologia Social em três períodos: o que mantém as pessoas unidas na ordem social estabelecida?, o que integra as pessoas na ordem social? e o que liberta as pessoas da desordem estabelecida?

O primeiro período ocorre na Europa e pressupõe que a sociedade é um todo comum e unitário que pode ser abalado por processos históricos. O problema fundamental é articular as necessidades dos indivíduos com as necessidades da totalidade social analisando os vínculos entre estrutura social e a estrutura da personalidade.

O segundo período ocorre nos Estados Unidos, e devido a essa “americanização”, apresenta três constantes: o individualismo, o psicologismo e a perspectiva do poder estabelecido.

O terceiro período, o questionamento do poder estabelecido e a submissão das ciências sociais aos interesses do poder, apresenta três revisões críticas: a visão da realidade social como construção, a concepção de realidade social como conflitiva e o papel político da Psicologia Social. Autores europeus voltam à cena influenciados pelo marxismo na Sociologia e pela fenomenologia na Psicologia.

Objetivos da Psicologia Social

Martín-Baró segue na crítica à Psicologia Social, que de forma estereotipada tem seu objetivo definido por “compreender, predizer e controlar” o comportamento dos indivíduos. Para ele, se o objeto de estudo é a ação como ideológica, o objetivo da Psicologia Social deve ser tornar possível a liberdade sem antecipar mecanicamente o futuro, mas colocar à disposição dos atores sociais o conhecimento que possibilite atuar de forma adequada em função de valores e princípios sociais, pois quanto maior o conhecimento, maior é a clareza para decidir e agir conscientemente.

“À Psicologia Social cabe desmascarar os vínculos que ligam os atores sociais aos interesses de classe, revelar as mediações pelas quais as necessidades de uma classe social concreta se tornam imperativos interiorizados pelas pessoas, desarticular a trama de forças objetivadas em uma ordem social que manipula os sujeitos por meio de mecanismos de falsa consciência”.

***

Ao concluir a disciplina Teorias Organizacionais I, do primeiro semestre do curso Administração Pública e Social na UFRGS, perguntei ao professor: “vamos ganhar um chicote quando nos formarmos?”

Lembrei dessa passagem ao saber que Ignacio Martin-Baró pós-graduou-se na Universidade de Chicago, centro ideológico da exploração Latino-americana. Ao ser exposto às teorias que fundaram a Administração entendi a ação de gerentes e colegas nas empresas onde trabalhei. Mesmo que a experiência em Chicago não tenha sido reveladora para Martín-Baró como foi a minha chegada à UFRGS, acredito que tenha sido um grande exercício de paciência. Ele formou-se Mestre e Doutor; eu demorei, mas troquei de curso. Ter contato com Baró foi bom, pois imaginei que na Psicologia o caminho seria o mesmo que na Administração: teorias de “amansamento” do trabalhador.

Por enfatizar o problema da Psicologia Social na ação ideológica através da dominação de classe, apontando a solução na revolução social, explica um pouco a marginalidade de Martín-Baró no Brasil. Assim como em El Savaldor, a burguesia brasileira nunca abriu mão da violência para manter seu poder. E nisso está incluído a crítica e o controle dos conteúdos de todo o sistema de educação.

Martín-Baró entendeu o papel desempenhado pelo imperialismo estadunidense no sofrimento do povo salvadorenho e colocou-se no papel de tratar esse sofrimento oferecendo ferramentas e conhecimento para que esse povo alcançasse sua libertação. E por isso foi fuzilado, assim como muitos intelectuais que lutaram ao lado de lideranças populares.

Marx afirmou que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, e pelo que li até agora, Martín-Baró concordou. A luta de Marx e Martín-Baró não está acabada, pois a revolução social ainda não chegou e a burguesia segue no poder. O processo dialético de construção da ideologia do proletariado está em andamento e a classe trabalhadora segue seu caminho acompanhada do conhecimento de figuras revolucionárias como Ignacio Martín-Baró.

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