Poetas Vivos: poesia das ruas por uma educação que valoriza a cultura negra

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Jonas Paz
Militante da UJR e da UP – RS
Júlia Foschiera
Militante do Movimento de Mulheres Olga Benário e da UP – RS

Foto: Diego Sena


PORTO ALEGRE – A história de surgimento do coletivo Poetas Vivos remonta à 2018 com a participação dos campeões do Rio Grande do Sul, Agnes Mariá e Felipe Deds, no campeonato nacional de slam em dupla, realizado em São Paulo. Ao chegaram na cidade, Agnes e Felipe percebem que havia um movimento cultural muito forte de poetas acontecendo por lá, assim eles, junto do Bruno Negão e da Cristal Rocha, idealizam e fundam a iniciativa cultural Poetas Vivos. Mais adiante, de 2018 a 2020, o grupo passa por quatro diferentes formações até chegar a atual: Felipe Deds, DaNova, Ana Tereza (Pretana), Mika, Dickel e Natália Pagot são os poetas que formam o núcleo artístico, Ericsson é o Dj e Mariana Marmontel a produtora Cultural. Em 2019, o projeto se expande e a iniciativa já contempla, além do Rio Grande do Sul, os estados da Bahia, Acre, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Como Natália Pagot relata, o grupo se consolida e atua com o intuito primeiro de fortalecer artistas negros que trabalhavam de forma independente, mas que, dentro do coletivo, tiveram seus trabalhos potencializados, o que possibilitou a entrada dos Poetas Vivos em espaços culturais mais plurais, elitizados ou subalternos, que até então nunca tinham tido contato com uma poesia de rua – poesia essa que caracteriza o slam pelo seu teor mais político, combativo e de militância -, como em escolas, universidades, abrigos e penitenciárias. Esse acesso a diferentes espaços fez com que a iniciativa recebesse mais visibilidade e reconhecimento enquanto produtores de conhecimento, de ciência, e enquanto educadores, não com a forma de saber que estamos acostumados, mas com a forma que tem as ruas, que tem o dia a dia da população negra em sua experiência e sabedoria.

A atuação se dá através de intervenções culturais que buscam levar a poesia para as ruas, bares e eventos, não só popularizando a arte, mas também informando e conscientizando a população sobre racismo, a violenta e opressiva realidade social do sistema em que estamos inseridos. O grupo, inclusive, já lançou algumas músicas de cunho educativo, como “Primeiro Ato”, “Toma Rajada” e “Noite Feliz”, que se encontram nas plataformas Youtube e Spotify, e um livro de poesias, Vozes da Revolução – obra que surge para “ressignificar nossas histórias, nossas vozes e existências”, como os próprios autores definem. Hoje, Natália está afastada das atividades do grupo e o coletivo tem abraçado mais a cena musical, com o rap além das poesias.

Para além disso, o grupo trabalha com oficinas em escolas, sendo uma oficina ou um ciclo de três encontros, em que buscam desenvolver a escrita criativa, a poesia falada tratando de racismo, sonhos e perspectivas – coisas que quase sempre são negadas às pessoas negras – de modo a  fortalecer a identidade étnico-racial para que assim as crianças enfrentem, denunciem e nunca se calem perante o racismo estrutural em diferentes espaços e situações e enxerguem a poesia como uma ferramenta de luta e resistência. Além de escolas, o grupo já levou os ciclos para bibliotecas comunitárias e também, junto ao projeto da Justiça Federal de Jovens Aprendizes, para jovens com idade entre 16 e 17 anos que vivem em abrigos e que deles logo sairão. Um dos materiais utilizados nas oficinas e atividades é o documentário sobre o coletivo, intitulado “Terrorismo Lírico”, produzido por Gabriela Dullius e dirigido por Jonatan Pacheco.

Nesse sentido, por ser um trabalho que fala explicitamente sobre racismo, algo que ainda é um tabu dentro das escolas, se concretiza a necessidade de incentivar crianças e jovens negros para que estes possam ir atrás dos seus próprios sonhos e objetivos, rompendo assim com a corrente de subordinação e subemprego que muitas vezes suas famílias, há gerações, se vêem submetidas. Portanto, a iniciativa cultural Poetas Vivos, complementa Natália, gera um impacto social bastante significativo no que diz respeito tanto ao desenvolvimento desses poetas enquanto educadores, visto que eles aprendem cotidianamente com essa troca de vivências intensa nas diferentes realidades ali colocadas, quanto pela abordagem e posicionamento com ênfase em uma educação popular antirracista que muito tem a contribuir para a formação de poetas, escritores, artistas, crianças e educadores vinculados aos projeto do grupo no RS ou em outros estados.