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sexta-feira, 26 de abril de 2024

A vida das trabalhadoras domésticas e diaristas durante a pandemia

Crédito: Magno Borges

Claudiane Lopes

A principal recomendação da Organização Mundial da Saúde – OMS para evitar a disseminação da Covid-19 é o isolamento social. Essa medida se concretiza, até com grande aceitação, nas residências de milhões de famílias. Porém, nessas casas, transitam pessoas que desobedecem essa regra porque precisa sustentar a sua família: as trabalhadoras domésticas e/ou as diaristas. Elas continuam a arriscar suas vidas durante a pandemia, com medo de serem dispensadas pela “patroa”, porque precisam garantir o sustento da sua família. Mas em onda de pandemia de coronavírus, quem cuida dessas mulheres e de suas famílias?

Atualmente, o trabalho doméstico é uma das principais ocupações entre as mulheres em todo o mundo, cerca de 80%, segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT. No Brasil, a atividade permanece sendo a principal fonte de emprego e renda entre as mulheres e até 2017, empregava cerca de 7 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. A avassaladora maioria desse universo é feminino, de origem afrodescendente e de baixa escolaridade. Essas mulheres representam uma parte significativa da força de trabalho informal e estão entre os grupos de trabalhadoras mais vulneráveis. Sem mencionar que o trabalho em “casa de família”, na maioria das vezes, se dá transgredindo à CLT. Essas mulheres não têm carteira assinada e por esse motivo são excluídas da legislação trabalhista, e seguem sem direito a férias, 13º salário, pagamento de hora extras e etc.          

A pressão criminosa e irresponsável do Governo Federal, meio à pandemia, que faz o trabalhador pensar que ele deve optar entre trabalhar ou morrer de fome, fez a primeira morte por coronavírus confirmada no Rio de Janeiro, no dia 19 de março. Foi uma mulher de 63 anos, hipertensa e diabética, que trabalhava como doméstica no Leblon para uma mulher que esteve na Itália e estava com a doença. A categoria de trabalhadoras domésticas reúne 533 mil profissionais no estado do Rio de Janeiro, de acordo com o IBGE.

Situação semelhante acomete Elza Maria Cavalcante, da Coordenação Nacional do Movimento de Luta nos bairros, vilas e favelas – MLB. Doméstica, 62 anos, negra, que vive com o companheiro e o neto na Ocupação Vito Giannotti na cidade do Rio de Janeiro.

“Moro numa ocupação, e como sou quadro de risco, as pessoas fecham as portas, colocam dizeres, não peguem na minha maçaneta, nem de longe as pessoas querem falar com você, tive até crise de choro, pois esse isolamento não está sendo fácil. Antes tudo era em coletivo, agora, todo mundo no individual com as portas fechadas. A minha patroa pagou o próximo mês, mas depois disso, eu não sei o que vou fazer, ando com medo de ficar desempregada, e eu quero que isso acabe logo”, declara.

Importante ressaltar que as raízes históricas do trabalho doméstico vem do período da colonização e principalmente, após a abolição da escravatura no Brasil. O país foi um dos últimos no mundo a acabar com a escravidão, e historicamente as mulheres negras e escravas e, depois, ex-escravas, desenvolviam tais funções. Esse é o perfil das mulheres que exercem atividades de baixa remuneração, com precárias condições e relações de trabalho. O estado brasileiro herdou este passado colonial, imperial e escravista que aprofunda as desigualdades na sociedade e o racismo estrutural vivenciados por essas mulheres.    

Quitéria Santos, vice-presidente do Sindicato das Domésticas de Sergipe e diretora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas – FENATRAD, denúncia que a maior dificuldade das domésticas nessa pandemia é que o patrão ou a patroa não têm a consciência que esse vírus ela também pode pegar, se ela for nova, pode levar para casa dela, e assim, contaminar as outras pessoas da família. “Além disso, eles não fornecem equipamentos de proteção individual para elas trabalharem, como máscaras, luvas, álcool gel e sabonete e muitos não querem que as elas voltem para casa”, pondera.

Com a renda prejudicada, essas trabalhadoras começam a ter vários obstáculos, vivendo nas periféricas das grandes cidades, em ocupações urbanas e nos bairros populares, vê na falta de alimentos para sua família durante o isolamento social, o mais grave de todos. 73% dessas pessoas dizem que não têm nenhuma poupança, que permita manter os gastos sem trabalhar por um dia que seja. Já 92% dizem que terão dificuldade para comprar comida após um mês sem renda. Oito em cada dez dizem que a renda já caiu por causa do coronavírus, e 76% relatam que, com os filhos em casa com a paralisação das escolas, os gastos já aumentaram, segundo pesquisa do Data Favela e do Instituto Locomotiva.

Uma situação de total abandono por parte de alguns empregadores, do governo fascista de Bolsonaro, que acha que é apenas uma “gripezinha” e da própria crise do capitalismo, que desvaloriza essa profissão diante da importância que tem no processo de reprodução social para manutenção do próprio sistema capitalista. Assim, retrata Maria Helena da Silva, diarista de 47 anos, de Jaboatão dos Guararapes – PE, “Nós empregadas domésticas, é como se a gente não existisse. Às vezes o cachorro da madame é melhor tratado que nós, trabalhadoras. Nesse momento estamos sofrendo muito, pois o sistema é escravizador, não nos vê como trabalhadoras, somos tratadas como vermes e sofremos também com a dupla jornada, sofremos humilhações, ainda somos obrigadas a permanecer na casa da patroa, sem poder voltar pra casa para não contaminar os patrões”, denuncia.

O Ministério Público do Trabalho – MPT orienta que os/as trabalhadores/as domésticos/as sejam dispensados com remuneração assegurada, no período em que vigorem as medidas de contenção da pandemia do coronavírus, com exceção a casos em que a prestação de seus serviços seja absolutamente indispensável como o cuidado com os idosos que residem sozinhos e com as pessoas que necessitem de acompanhamento permanente. Está sendo encaminhado ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 931/20, dos deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Professora Rosa Neide (PT-MT), que garante a dispensa das domésticas sem perda de salário ou direitos trabalhistas. O empregador pode optar pelo adiantamento das férias. Se a regra for descumprida, o patrão deverá custear adicional de insalubridade e periculosidade aos empregados.

Porém se essa lei for aprovada, as diaristas ficarão numa situação mais precária e vulnerável, pois não tem contratos legais que possibilitem, por exemplo, negociar adiantamento de férias. Por isso, encontram ainda mais obstáculos em se manterem e garantirem o sustento da família, pois recebem por dia de trabalhado. Elas são as mais frágeis, são mulheres e mães que cuidam dos filhos, muitas vezes sozinhas e têm emprego informal, limpando as casas de gente rica ou ainda cuidando de idosos. Além de tudo isso, a sobrecarga dessas trabalhadoras é também emocional. Como cuidar de tudo isso sem renda? É o caso de Rosilda Matos da Silva, diarista de 43 anos, moradora da Ocupação Alto da Boa Vista, em Aparecida – GO. Ela mora com os três filhos e o marido acabou de realizar uma cirurgia do coração que com a pandemia, o coloca no quadro de risco.

“A minha vida está muito difícil, não tenho emprego com salário. Sou diarista. Sem cliente. Minha única renda é a bolsa escola, que custava R$ 120,00, mas com o corte neste mês, só veio 70,00 reais. Tenho gastos com remédios e comida, só consegui devido o apoio da companheira Jackeline que é militante do MLB e do movimento de mulheres Olga Benario. Hoje eu não pago aluguel, nem luz e nem água porque moro na ocupação, se não fosse isso, a situação era muito pior, pois cuidar de três filhos e um marido operado sem emprego, não é fácil”, revela a trabalhadora.

Há anos essa categoria de mulheres trabalham em milhares de lares pelo país. Herdaram o trabalho doméstico das avós, mães, tias e primas que dedicaram suas vidas às de outras famílias. A burguesia precisa desse serviço diariamente, utiliza muitas vezes, o discurso da proximidade afetiva, na qual a empregada é tratada “praticamente como se fosse alguém da família” para mantê-las exploradas, não arcando com seus direitos trabalhistas, e muitas vezes, entregando algumas migalhas de doações ou favores pessoais. Essas guerreiras são mais afetadas agora, nessa pandemia, cuja a grande maioria, de uma hora para outra não tem renda para o básico, como aluguel e comida. 

Muitas trabalham na informalidade e se arriscam até o ponto de adoecer para cuidar da elite adoecida. A falta de sensibilidade do patronato em se dispor a continuar pagando as faxineiras durante o período de distanciamento social agrava suas vidas.

Por outro lado, ainda existe esperança e solidariedade para essas mulheres. O Movimento de Mulheres Olga Benario realiza uma campanha em apoio a todas que estão sem renda para que possam estar em suas casas, protegidas. A Campanha de Apoio às Diaristas é uma rede nacional que tem por objetivo montar e distribuir cestas básicas a essas mulheres. Outro exemplo importante são as campanhas de doação de alimentos, materiais de limpeza e recursos financeiros em diversos estados pelo MLB, que entrega semanalmente cestas básicas nos bairros pobres de cidades espalhadas pelo país e que tem aliviado o peso sobre as costas dessas mulheres.

Link da campanha: https://apoia.se/apoioadiaristas

 

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