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sexta-feira, 29 de março de 2024

Educação à distância, mensalidade presencial, condições desiguais

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CONFUSÃO – A realidade dos estudantes mudou bruscamente, com ela, seu modo de ver a educação. (Ilustração: Thales Caramante/Jornal A Verdade)
Mesmo nas aulas presenciais, os alunos já enfrentam uma educação ineficiente por diversas razões. Com as “aulas remotas” à distância, a insuficiência acadêmica, a falta de materiais e softwares torna o aprendizado ainda mais desigual.
Thales Caramante
Jornal A Verdade

MOGI DAS CRUZES (SP) – Devido a “Declaração de Emergência Nacional emitida pelo Ministério da Saúde” e as Portarias emitidas pelo Ministério da Educação no dia 19 de março, a Universidade Mogi das Cruzes (UMC), particular, optou por seguir um plano de quarentena de seus funcionários, professores e alunos de acordo com as novas necessidades impostas pela pandemia do Covid-19.

“Dispomos de toda tecnologia necessária para garantir, mesmo nessa situação de crise, a manutenção das atividades acadêmicas, seja através do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) ou via Microsoft Teams (disponível a todos da UMC), de modo a manter a interação professor-aluno, contanto ainda com apoio da nossa Biblioteca Virtual, que se mantém acessível através dos Portais do Aluno e Docente.” – declarou a UMC na nota que impõe a nova política da universidade em meio a pandemia.

A UMC garante que dispõe “de toda a tecnologia necessária para garantir […] a manutenção das atividades acadêmicas”, entretanto a declaração não conseguiu garantir a falta de contradições que passaram a existir por meio que se desenvolviam as aulas pelo método online, ou método “remoto”.

A principal contradição que se apresenta é em torno das mensalidades, que não foram reajustadas nesse período de quarentena. Na mesma nota, ela deixa claro que “durante o período de crise, remanesce a manutenção do vínculo acadêmico e, consequentemente, as obrigações contratadas, que permanecem inalteradas, no tocando ao pagamento das parcelas da semestralidade”, ou seja, independente do meio que se mantém o vínculo, quais as novas circunstâncias, dificuldades ou empecilhos estruturais e acadêmicos, a mensalidade é a única memória que restou do período antes da pandemia.

Guilherme, estudante de Design Gráfico, acha correto a implementação de aulas remotas durante a pandemia do Covid-19, mas “fora a falta de materiais disponíveis, por exemplo para as aulas de desenho geométrico, a interação dos grupos em sala era mais produtiva”. Dessa forma, há uma certa dúvida sobre o futuro do método, que hoje é desigual entre os cursos.

Os alunos da sala de Guilherme organizaram de maneira autônoma um sistema de sala de aula por meio do aplicativo Discord que permitiu existir uma dinâmica entre grupos, maior controle dos professores, e suas apresentações por meio de transmissões de tela e uma reunião por maior tempo sem perdas de transmissão como acontece em outros aplicativos. A responsável por essa realização, também aluna da sala, criou até mesmo um “manual do usuário” para os professores. Tudo sem nenhum apoio financeiro ou logístico da instituição.

Em contraposição aos sucessos encontrados pela organização coletiva dos alunos de Design, Paloma, estudante de Relações Internacionais, comentou sobre as novas dificuldades com as aulas: “Eu não estou conseguindo realizar a minha matéria EAD, só consigo acessar o portal do aluno no computador, porém eu não tenho.” – Assim, se demonstra que embora o mundo esteja na “era da tecnologia”, ainda existem estudantes universitários que não têm computador, tablet ou ambiente adequado para estudar.

Paloma, que é moradora de uma região rural, que não tem acesso a notebook, computador, nem a internet, também argumentou que não está tendo o devido atendimento da universidade. “O meu caso [foi tratado] como algo generalizado de que ‘todos estão se adaptando nesse novo mundo’.”

A adaptação ao ‘novo mundo’, entretanto, passa por diversas desigualdades: “Não é porque é uma universidade privada que todos que pisam naquele chão possuem condições o suficiente pra se adaptar a isso, é excludente.” – Finalizou Paloma. O ‘novo mundo’ trouxe com ele um velho inimigo da UMC, a insuficiência acadêmica, que já era uma realidade não só hoje, mas também no período presencial.

A semelhança entre todas as realidades apresentadas, seja ela de adaptação, seja ela de confusão, é que todos os alunos estão pagando religiosamente suas mensalidades à universidade, sem nenhum desconto ou reorganização das contas a esse novo período. Sem nenhuma alteração nem mesmo no preço bruto. A verdade é que os alunos estão pagando por um curso presencial, com condições amplamente desiguais às presenciais.

Logo, além das famílias e da imensa maioria de trabalhadores terem de se preocupar com parcelas mensais ultrapassando mil reais, terão de arcar com a internet, computadores, notebooks e celulares para terem acesso à educação.

A medida em que novos sistemas emergem, com elas surgem contradições. Apesar dos alunos de Design Gráfico serem os que mais conseguem garantir um respiro de normalidade nas aulas remotas por sua criatividade organizativa, com ela surgiram também, a revolta e indignação. Sua maior criação – uma sala de aula amplamente organizada por Discord – gerou a consciência, ainda que primitiva, de que são agentes da transformação. Assim, se organizaram e lançaram um ousado manifesto exigindo a redução das mensalidades.

O manifesto gerou uma ação em cadeia em toda a universidade. Por essa razão, o documento foi capaz de instrumentalizar e generalizar as maiores deficiências da instituição com os alunos neste momento e também os manifestos lançados posteriormente são importantes porque mostra que os estudantes ainda são capazes de lutar, mesmo nas condições da quarentena, que impossibilitam um diálogo direto entre si como acontecem normalmente.

A UMC, que está isolada da benevolência dos alunos, não demorou para produzir uma prolixa resposta ao manifesto sob a cobertura da equipe jurídica da universidade. A instituição, entretanto, abordou na maior parte da sua resposta, em justificar a necessidade das aulas remotas e sua diferença com o Ensino à Distância (EAD), não deixando de abordar a questão financeira somente ao final da nota.

Com um jogo de palavras e argumentos que fogem da realidade de qualquer aluno, a universidade alegou que o ensino não está comprometido, pois “a qualidade é a mesma, porque são os mesmos professores, […] se são os mesmos professores a proferirem as aulas remotas, com possibilidade de indagação aos mesmos, porque os alunos do curso do autor do manifesto e dos demais cursos ficariam lesados em seus interesses?”

Além disso, a universidade ainda declara que a “modalidade de ensino remota implicou em custos adicionais à Instituição”, mesmo ela não tendo declarado quais e qual a porcentagem da relação direta desses ‘custos’ com a mensalidade dos alunos.

Ao que parece, a UMC também utilizou de uma espécie de coerção para indagar no inconsciente coletivo dos estudantes que, caso houvessem reduções na mensalidade, eles seriam os responsáveis pelas demissões de professores, funcionários e perda da qualidade de ensino e infraestrutura: “a redução das mensalidades, como pleiteada, afetaria todos os professores, funcionários administrativos, prestadores de serviços, provocando uma série de demissões, o que seria uma latente irresponsabilidade administrativa da Instituição neste momento.”

Em virtude do posicionamento sectário, o Movimento Correnteza, organização que simbolizou a revolta dos estudantes nos manifestos, parafraseou que “a fraca resposta da UMC não respeita as reais condições da vida dos estudantes, não leva em consideração as condições desiguais, a realidade a qual os alunos estão submetidos graças às discrepantes diferenças acadêmicas e estruturais de curso a curso. Ela inverteu valores, não estamos interessados em afetar salários de funcionários, nosso interesse é diminuir a taxa média de lucro dos donos da UMC.”

Em relação ao lucro da universidade, a instituição pleiteia que “o autor do manifesto, por sua via, não demonstrou a onerosidade excessiva ou a desproporção que poderia levar à revisão das mensalidades, […] o autor do manifesto não a demonstrará, por inexistente.”

“Ao que parece, a UMC busca negar sua condição de universidade privada ao falar que a ‘onerosidade excessiva’, ou seja, seu lucro, é ‘inexistente’. Pois então ela que abra as comportas e permita os estudantes, isto é, os pagantes, decidam se tal ‘onerosidade excessiva’ existe ou não. Assim, com esse argumento a UMC não comprovou absolutamente nada, apenas buscou, através de um argumento falacioso, baseado na omissão de dados, criar uma atmosfera nos estudantes de sua falsa inocência em relação ao capital que possui.” – contra argumentou o Movimento Correnteza ao A Verdade.

Independente do que declaram, a UMC de certo está obtendo um amontoado expressivo de capital enquanto os alunos não utilizam seus prédios. A universidade pode ter declarado que “o momento atual, de recolhimento domiciliar, é extremamente propício para o estudo e para a reflexão, essencial para uma aprendizagem de qualidade e crítica”. Porém, ainda assim a realidade continua sendo desproporcional aos mais pobres, e essas declarações se tornam apenas estéreis de qualquer validade prática. Como colocou um estudante anônimo de Análise de Desenvolvimento de Sistemas. “Muitos alunos da nossa turma estão querendo trancar a faculdade, pois estão com medo de pegarem [dependência] por não terem acesso as aulas e não conseguirem realizar exercícios. […] Muitos alunos não tem um computador para realizar as tarefas e alguns apenas conseguem acessar a aula.”

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