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quinta-feira, 28 de março de 2024

Se nenhuma ação for efetiva morreremos na linha de frente

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A Realidade dos trabalhadores da saúde diante da pandemia do coronavírus

Trabalhadores da saúde protestam por melhores condições de trabalho em Porto Alegre. Foto: Sindisaúde – RS.

Por Priscila Voigt
Coordenadora nacional do MLB

Presidenta estadual da Unidade Popular no RS

RIO GRANDE DO SUL – “Durante 4 anos atuando na saúde pública enfrentei diversos obstáculos como: demandas, desrespeito, humilhação e violação de direitos. No momento atual, para que possam entender, não dispomos de EPIs adequados para atuar na linha de frente contra o covid-19. Se nenhuma ação for efetiva morreremos na linha de frente e fora isso, como se não bastasse, junto a todo este quadro, estamos sofrendo com a insegurança nos tornando alvo de violência dentro dos nossos postos de trabalho. Estamos jogados à própria sorte, literalmente, pois o Estado como sabem, é mínimo. A saúde pede socorro!!! Diante desse quadro acabamos adoecendo mentalmente, pois quem cuida também deve ser cuidado e o que vemos é a desvalorização e o desrespeito. Temos também junto a tudo isso nossos processos de trabalho conflituosos e desgastantes. Gestores sem posicionamento adequado fazendo com que equipes se dividam e com isso nos sentimos impotentes e não conseguindo acreditar em dias melhores” – Relato de uma trabalhadora, agente comunitária de saúde de Porto Alegre.

Esse é um dos relatos dos trabalhadores e trabalhadoras que já sofrem a muito tempo com a precarização do SUS e das relações de trabalho. Diante da pandemia do coronavírus, sentem tudo isso de forma ainda mais intensa.

Em Porto Alegre os trabalhadores do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF) estão desde o ano passado em risco de serem demitidos, sofrendo assédio moral e sendo pressionados a assinarem sua rescisão – mesmo o sindicato tendo garantido a permanecia nos seus postos de trabalho – e não sabem como será o dia de amanhã. Em meio a tudo isso, novas empresas hospitalares passam a assumir a gestão de algumas unidades numa lógica de cuidado hospitalocêntrica, desmontando a saúde da família; outras estão sendo fechadas. Um verdadeiro caos.

Os servidores públicos estaduais como os do Hospital Sanatório Partenon, que atuam diretamente com ações e serviços de promoção e recuperação da saúde, com ênfase em tuberculose, HIV/AIDS, hepatite e doenças associadas – ou seja, com grandes grupos de risco – estão com seus salários cortados em 25% pelo governador em retaliação à greve, forma legítima de luta e reivindicação dos trabalhadores, realizada em novembro do ano passado.

Tudo isso em meio uma profunda crise econômica, político-social, uma das maiores crises do sistema capitalista. Na Itália – um país chamado de primeiro mundo, civilizado e desenvolvido – apesar de haver um sistema de saúde público considerado avançado, os dados de contaminação e mortes pelo coronavírus mostraram que não estavam preparados para enfrentar uma pandemia. Logo nos primeiros dias da crise ficou evidente a escassez de leitos de UTI e a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs).

Em Porto Alege as vagas em leitos de UTIs estão com 70% de ocupação, sendo que casos suspeitos ou confirmados de covid-19 ocupam 11% desses leitos. O número de internados graves dobrou ao longo de uma semana. Isso significa que se não houver uma política séria para evitar o contágio e um forte investimento no SUS e na ampliação de leitos hospitalares públicos, nosso sistema de saúde entrará em colapso rapidamente e assim como na Espanha e na Itália os trabalhadores terão que escolher quem vive e quem morre.

Além disso, quando o Estado não garante os insumos mais básicos para um trabalho seguro como os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) coloca em perigo a saúde dos trabalhadores que estão na linha de frente do combate ao coronavírus. Os que recebem os pacientes na porta, os que fazem a triagem, os que atendem, os que visitam as casas, os que higienizam o estabelecimento de saúde. O resultado na Itália da falta de EPIs, por exemplo, foi que muitos profissionais da saúde contraíram o vírus durante os atendimentos aos pacientes de covid-19, contaminando seus colegas, familiares e pacientes.

Essa é uma situação grave, e no fim, quem está na linha de frente para nos cuidar não está sendo cuidado. Com isso, seus esforços de não propagar e não contaminar outras pessoas vai ralo abaixo. Um duplo sofrimento. Além disso, com a contaminação dos trabalhadores da saúde vai acontecer, por óbvio, um afastamento do trabalho para poderem se recuperar. No Brasil, no Hospital Sirio Libanês em São Paulo, 104 trabalhadores foram afastados por 14 dias por testarem positivo para o covid-19. No SUS, como há um déficit no quadro de funcionários diante da falta de concursos públicos e de contratação, a situação tende a se agravar. E mais que isso, são vidas colocadas em risco deliberadamente, o que conflagra um crime contra a humanidade. Em Goiás uma trabalhadora da saúde, técnica de laboratório, morreu vítima do coronavírus depois de ficar 4 dias na UTI. Ela tinha 38 anos e não tinha outra doença.

Com tudo isso, imaginemos o impacto que uma rápida propagação do vírus causará em nosso país – um país chamado subdesenvolvido – com todo esse sucateamento do SUS somado à grande desigualdade social em que vivemos e a um presidente lunático, fascista, genocida, que não tem levado a sério essa pandemia e que na prática defende a morte do nosso povo, em especial os mais pobres.

Para exemplificar a situação pegamos um relato de outra trabalhadora da saúde. “Aqui na minha unidade em Sapucaia não dispomos de muitos EPIs. Temos máscaras cirúrgicas, óculos, uma N95 que é usada pela médica para atender sintomáticos e bastante pressão da gestão pelo racionamento do pouco que temos. Antes do primeiro pronunciamento do presidente a equipe estava lidando melhor com a situação, conseguíamos fazer mais piadas e segurar um bom clima de trabalho, apesar de tudo. No dia após o pronunciamento a equipe ficou muito desmotivada, se sentiu muito desvalorizada e algumas profissionais até optaram por se afastar durante alguns dias. É estranho se formar e encontrar um cenário completamente atípico, parece que tu não tá nada preparada pra atender os pacientes, a gente se sente muito insegura. Eu tenho me sentido bastante desmotivada porque sei que que vai dar uma ‘merda’ muito grande e não parece que tenha muito a fazer a não ser esperar acontecer. Tá difícil ficar sem contato com a família e tenho muito medo de passar qualquer coisa para o meu companheiro, apesar de adotar todas as medidas de higiene quando chego em casa. Algo que minha unidade tem de bom é que a equipe é inteiramente formada por mulheres, então conseguimos nos apoiar bastante” – Amanda, médica residente em uma unidade de saúde na cidade de Sapucaia do Sul.

Conseguimos perceber também que, mesmo diante de tanto caos, temos inúmeros trabalhadores dando seu melhor e dedicando suas vidas para salvar outras, e inúmeras ações de solidariedade. Isso demostra que o povo trabalhador é um povo que luta, que batalha, e que em toda história do Brasil não aceitou as situações de injustiça de forma passiva e agora não será diferente.  Essa luta contra o coronavírus, e mais, a luta contra esse sistema de exploração que não dá condições iguais de vida e, portanto, de tratamento de saúde para todos nós, é uma luta daqueles comprometidos de fato com um Brasil mais justo e solidário. Pode tudo parecer terra arrasada e que não temos mais nada a fazer, mas companheiros, há esperança. Há esperança porque cada vez mais se desmascara o verdadeiro caráter desse Estado Burguês, de fome e de morte, e mais pessoas se enchem de indignação e compreendem que precisamos lutar por uma nova sociedade, pelo poder popular e pelo socialismo. Acreditemos no poder do povo e da classe trabalhadora, vamos à luta, sabendo que a batalha não será fácil, nunca foi, mas que ao fim venceremos. 

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