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terça-feira, 16 de julho de 2024

O feminismo marxista e a luta pela emancipação da mulher negra

Foto: Jornal A Verdade

Por Paolla Izídio
Juiz de Fora-MG

Desde o início de sua existência, com o intuito de aumentar ao máximo o lucro a partir da exploração, o sistema capitalista busca aprimorar as formas de opressão criadas para dominar a classe trabalhadora sem que houvesse revoltas. Aqui se dá o conceito de oprimir para explorar, o qual institui os preconceitos em prol do capital. Dentro disso, é inegável que a mulher negra sempre esteve na linha de frente da mira de todos os tipos de opressão impostos estruturalmente, como o machismo e o racismo, e se dá a relação entre classe, gênero e raça, que é reconhecida e enfrentada eficientemente no feminismo marxista.

A questão da opressão racial se iniciou no processo de acumulação primitiva que, por meio da colonização e escravidão, buscava explorar terras, força de trabalho e roubar riquezas para acumular capital nas grandes potências europeias. Para que isso ocorresse sem resistência dos povos que estavam sendo vítimas, se introduziu o sistema de opressão física e moral que constituem o racismo. As mulheres e homens negros e indígenas eram igualados em âmbito do escravagismo, sofrendo com os mesmos trabalhos exaustivos e desumanos e os mesmos castigos. A raça passou a ser utilizada não apenas para criar uma imagem que fizesse esses povos serem desprezados e humilhados, mas também tê-los como propriedade que serviam somente com objetivo de serem explorados.

Já a questão de gênero – apesar de, ao contrário do racismo, a opressão das mulheres não ter começado para todos os grupos essencialmente no capitalismo – é utilizada como forma de exploração mais intensa e para proferir violência e controle sobre o corpo feminino. Durante a colonização, o que era referente a trabalho igualava as opressões aos homens e mulheres escravizados, entretanto os abusos sobre as mulheres eram também facilmente executados.

Havia, por exemplo, as chamadas fazendas de procriação, onde mulheres negras eram estupradas por homens brancos e os negros eram obrigados a engravidar pelo menos 12 mulheres negras ao ano. As grávidas eram postas ao trabalho pesado até o momento do parto e ainda sofriam com os açoites, enquanto as crias, ao nascerem, eram imediatamente afastadas de suas mães e vendidas como escravas. Assim se iniciou para as mulheres negras a chamada reprodução social, na qual o intuito estava em produzir mais mão de obra a partir do estupro. Dessa forma se dava o mecanismo de opressão e exploração imposto exclusivamente para gerar mais lucros, o que permite a manutenção do capitalismo.

Contudo, ao contrário das ideias vendidas pelos setores liberais, os problemas da população escravizada não foram resolvidos com a abolição, a qual foi feita com desmazelo apenas para controlar a pressão popular e a organização do povo negro no Brasil. Em muitas fazendas, a escravização ainda se seguiu sem nenhuma mudança durante décadas pós abolição. O Estado nunca se responsabilizou pela vida das pessoas negras, nem elaborou políticas públicas para os inserir na sociedade. Ficaram, então, sem moradia, direito à educação ou à cidadania, com trabalhos escassos e, quando recebiam, muito mal pagos. A segregação, apesar de nunca ter se tornado constitucional, era realidade clara no país, dividindo, por exemplo, calçadas, comércios e transportes, deixando sempre as piores condições às pessoas negras. Assim, a população negra sempre ficou excluída dessa sociedade falsamente pautada na liberdade. Atualmente, 132 anos pós abolição, ainda sofremos as consequências do processo colonialista com a constante exclusão e políticas estatais de extermínio do povo negro e indígena.

Nesse sentido, apesar da opressão racial e de gênero manifestarem suas consequências nas relações individuais, elas são relações sociais de exploração que se concretizam apenas na sociedade das classes antagônicas. Ou seja, o racismo e machismo não podem ser vistos como separados, mas questões que se interligam para um único fim. Ambos, e essencialmente o racismo, não são meramente problemas de ética ou comportamento moral de indivíduos, mas uma relação social que se estrutura política e economicamente na base de conservação do sistema capitalista e, portanto, nunca devem fugir das análises materiais marxistas.

A partir da compreensão dessas opressões como consequência da exploração, é evidente o conceito de classe não como uma experiência de opressão individual unicamente, mas sim a base de uma sociedade em que a reconciliação entre essas é inconcebível, pois a classe dominante é sempre a exploradora. Assim, é necessário entender que a constituição da classe trabalhadora explorada no Brasil é formada em mais da metade por mulheres, sendo a maioria negras.

Entre as pessoas com os menores rendimentos 78,5% são negros. Os trabalhadores pretos são maioria também entre os desempregados: a média de desocupação entre esses é 18,1% superior aos trabalhadores brancos. Em um país onde 55% da população é negra, 48% dos seus trabalhadores estão na informalidade.

As taxas de feminicídio de mulheres negras é mais de 70% maior que a de mulheres brancas. Enquanto na última década o feminicídio para mulheres brancas diminuiu, o aumento para as negras foi drástico. A classe trabalhadora brasileira é, portanto, composta pelo povo preto e lutar por sua emancipação, ou seja, pelo fim do capitalismo, é lutar pelo fim do racismo e do machismo. Quebrar o capitalismo é indispensável para quebrar o racismo, pois é ele que precisa do papel das pessoas negras nas classes mais baixas para sua manutenção.

Nessa perspectiva, fica evidente como a mulher negra acaba por ser o alvo central da exploração a partir das opressões e pela formação social. Não basta reconhecer que a mulher negra tem uma experiência e história diferente, pois isso já é deixado óbvio no dia a dia da nossa sociedade, muito menos se abster da luta política, ou apenas admitir a relação entre classe, gênero e raça, ou até oferecer um lugar de fala para essas mulheres, pois nenhum desses mudam a estrutura da ordem social do capital.

Algumas vertentes que também possuem uma ótica do feminismo negro ao apresentarem uma perspectiva de diferenciação se tornam ineficazes pela falta de um programa de emancipação da classe. É indispensável a compreensão de que os preconceitos e exclusões se materializam apenas na sociedade porque ela é baseada na exploração, pois ela necessita das opressões para ser efetuada.

Por isso é necessário o feminismo marxista, pois, se contrapõe aos interesses do capital e possui um programa que atende à realidade do povo preto. Além disso a proposta desse feminismo é lutar diariamente pelo fim da exploração, do sistema opressor e pela construção de uma sociedade na qual não exista uma estrutura política, econômica e social que precise sempre difundir o racismo e machismo para sua manutenção.

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1 COMENTÁRIO

  1. Bravo! Muito bem escrito e com colocações muito pertinentes à realidade que vivemos no nosso país.

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