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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A necessidade de um Programa de Garantia de Emprego no Brasil

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DESAMPARO – Em todo o país, 24 milhões de brasileiros enfrentam a tragédia do desemprego (Foto: Luis Alvarenga / Getty Images)

O desemprego é uma enorme prova da ineficiência econômica do capitalismo. Ao impedir que milhões de trabalhadores tenham uma ocupação, os capitalistas privam também a sociedade de usufruir dos bens e serviços que seriam produzidos caso essas pessoas estivessem trabalhando. A existência de trabalhadores desempregados responde não à necessidade das forças produtivas, mas sim à necessidade do capital para sua valorização econômica e hegemonia política.

Por Beto Silva
Rio de Janeiro

OPINIÃO – Em maio de 2020, a taxa de desemprego no Brasil atingiu 12,9%. São quase 13 milhões de trabalhadores que tentaram, em vão, conseguir um posto de trabalho. A esses milhões de desempregados, somam-se os mais de 5,4 milhões de brasileiros que estão no desalento, isto é, pessoas que gostariam de trabalhar, mas, como não têm perspectivas de serem contratadas, sequer procuram emprego. Por fim, mesmo entre os empregados, 5,8 milhões estão sub-ocupados, ou seja, vivem de “bicos”. Assim, no total, 24 milhões de brasileiros enfrentam a tragédia do desemprego e todas as consequências econômicas, sociais e psicológicas que essa situação acarreta. Na verdade, a existência desse enorme exército industrial de reserva impacta todos trabalhadores porque a ameaça de demissão é a mais eficaz ferramenta de que dispõem os capitalistas para coagir e enfraquecer a luta e a organização dos trabalhadores.

Por que existe desemprego?

No capitalismo, os meios de produção são propriedade privada. Isso significa que as principais decisões econômicas do país, inclusive a decisão de contratar ou demitir, depende da vontade dos capitalistas. Além disso, como não há planejamento ou planificação econômicas, essas decisões cruciais são tomadas individualmente, empresa a empresa. A consequência é que a decisão de produzir, investir, contratar, etc., só acontece se o capitalista vislumbrar possibilidade vantajosa de vender a sua produção. Caso contrário, as máquinas param e os trabalhadores são demitidos.

O fato do poder de decisão fundamental da economia estar concentrado nos capitalistas faz com que diversas forças políticas, quando ocupam posições nos municípios, estados ou no governo federal, se empenhem em conceder todo tipo de vantagens, subsídios e isenções aos capitalistas e seus representantes, além de recuarem em posturas e princípios programáticos. A esperança é que, sob essas condições, os capitalistas voltem a investir e a contratar. Se, por um lado, essa estratégia pode trazer alguns resultados positivos sob determinadas condições, por outro, ela se sustenta em bases frágeis pois está sempre sujeita às “expectativas do mercado”. E, como temos visto em várias ocasiões, o mercado está sempre disposto a jogar sobre os trabalhadores todo o peso das crises.

O que é Programa de Garantia de Emprego?

Porém, há outras estratégias que podem ser adotadas pelos partidos de esquerda quando assumem espaços de poder na administração pública. O Estado pode, ele mesmo, passar a contratar diretamente. Ou seja, pode criar um Programa de Garantia de Emprego (PGE) que assegure um posto de trabalho remunerado a todos os desempregados.

Os empregos criados pelo Estado podem ser em diversas áreas, de obras de infraestrutura à produção cultural, a depender das habilidades e capacitações dos trabalhadores e do interesse coletivo. Num primeiro momento, pode se focar em setores intensivos em mão de obra, como mutirões de construção habitacional e urbana, serviços de cuidados a crianças e idosos, restaurantes populares, etc. Trabalhos educacionais e artísticos, evidentemente, também são considerados. Paralelamente, deve-se criar ou engajar empresas estatais para a viabilização de obras de maior envergadura. O importante é assegurar o trabalho como um direito e que todo brasileiro que deseje e precise trabalhar encontre um posto de trabalho.

O PGE é uma eficaz ferramenta de amortização dos ciclos econômicos, isto é, o programa cresce e emprega mais pessoas nos momentos de crise e se reduz nos momentos de estabilidade e crescimento.  Ele é também a única forma de estabelecer, na prática, a vigência de um salário mínimo que, por consequência lógica, será igual ao salário oferecido pelo PGE. Sabendo que terá um emprego garantido pelo Estado, nenhum trabalhador aceitará trabalhar por menos do que receberia do governo. Na verdade, sem o PGE, o salário mínimo, de fato, é zero, já que é essa a renda de um trabalhador desempregado.

A segurança de ter um emprego garantido traz outros benefícios aos trabalhadores que extrapolam a esfera econômica. Em primeiro lugar, elimina a falsa ideia de que o emprego é um “favor”, quase que uma dádiva dos capitalistas. Com a eliminação do desemprego, os capitalistas perdem seu principal instrumento de chantagem contra governos e sindicatos. Fica, assim, explícito que é o capital, como trabalho morto, que precisa da força de trabalho viva dos trabalhadores para conseguir se reproduzir e se valorizar, não o contrário. 

Viabilidade econômica da garantia de emprego

A crítica mais imediata a um programa de garantia de emprego é, muito provavelmente, baseada na suposta incapacidade financeira do Estado de executá-lo. Se o setor público está “falido”, com déficit fiscal bilionário, etc., de onde viria o dinheiro para pagar os salários dos beneficiados pelo programa? Não vai gerar inflação? Para responder a essas perguntas, é importante entender como funciona o gasto público em uma economia moderna.

Ainda no séc. XIX, Marx apontou a tendência à dissociação entre o valor real e nominal do dinheiro. “A existência do ouro como moeda dissocia-se radicalmente de sua substância de valor. Coisa relativamente sem valor, bilhetes de papel, podem, portanto, funcionar, em seu lugar, como moeda” (O Capital, Cap. 03). Já no séc. XX, em 1971, todo o resquício do padrão-ouro foi abolido, quando os Estados Unidos deram o maior calote internacional da história e se negaram a honrar seu compromisso de trocar dólares por ouro. Assim, nas economias atuais, o dinheiro não possui lastro em ouro ou em qualquer outro metal precioso e o gasto público depende unicamente de decisões, diretas ou indiretas (através de legislação), do governo. Diferentemente do que acontece com as pessoas, os governos podem emitir dinheiro e, portanto, não possuem restrição financeira. 

O que acontece se o governo decide realizar um gasto e contratar trabalhadores desempregados para, por exemplo, construir uma creche? Para concretizar essa decisão, a primeira medida é avaliar a disponibilidade dos meios materiais necessários para a construção da creche. Ou seja, deve-se perguntar: há, na economia, operários, engenheiros, máquinas, tijolos, cimento, etc., disponíveis/desocupados? Caso todos esses fatores do processo de trabalho estejam ocupados, haverá uma pressão nos preços que gerará inflação. Porém, se há trabalhadores desempregados e meios de produção e matérias primas não utilizados, sua contratação pelo governo não levará a um aumento de preços. Mesmo os capitalistas proprietários das fábricas de matérias primas (por exemplo, cimento) terão dificuldades de aumentar seus preços porque estão com seus estoques cheios e porque enfrentam a concorrência de outros capitalistas na mesma situação. 

Com os pagamentos dos salários, outras compras ocorrerão na economia. Os trabalhadores, agora empregados, gastarão seus salários comprando meios de subsistência e outros bens e serviços desejados. Mais uma vez, a questão se repete: se não há disponibilidade desses meios de subsistência, tenderá a haver um aumento de preços nesse setor. Por outro lado, se a crise é sistêmica, isto é, se atinge todos os setores da economia, também haverá meios de subsistência que seriam ofertados sem gerar inflação. 

Do lado financeiro, o gasto com o PGE aumenta a liquidez da economia (grosso modo, a quantidade de dinheiro em circulação). Além disso, com maior renda, crescerão as importações de insumos e produtos finais e os bancos podem aproveitar a maior liquidez para comprar dólares. Isso aumenta o fluxo de divisas para fora do país e pressiona pela desvalorização do real. No entanto, esses efeitos podem ser administrados pela ação estatal: a liquidez “extra” pode ser revertida pela política monetária e a desvalorização cambial pode ser enfrentada com políticas de controles de capital. 

Na verdade, a existência dessa cadeia de acontecimentos reforça a necessidade do planejamento econômico. Com a direção do Estado, é possível harmonizar o crescimento do nível de atividade, garantindo o equilíbrio entre a oferta, a demanda e o setor externo. A eliminação do desemprego é menos uma impossibilidade econômica e mais uma decisão política de não orientar a ação estatal para atender as necessidades dos trabalhadores.

Vale destacar que o argumento de que a emissão monetária leva, necessariamente, à inflação é desmentido pela própria história recente dos Estados Unidos. Entre agosto e dezembro de 2008 durante a crise financeira daquele ano, o Banco Central dos EUA emitiu, sem lastro (como toda emissão atualmente), US$ 1 trilhão, aproximadamente 6,5% do PIB norte-americano de então. E, apesar disso a inflação no país foi inferior a 3% em 2009. O fato de que esse dinheiro foi utilizado para salvar o sistema financeiro diz mais sobre as prioridades dos governos capitalistas do que sobre a impossibilidade de emissão monetária. No Brasil, o projeto de Lei 5491/19, do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), institui um fundo nacional de garantia de emprego no Brasil. Segundo os cálculos da assessoria econômica do deputado, o gasto público com esse fundo seria entre 1% e 2% do PIB brasileiro, a depender do momento do ciclo econômico.

No Socialismo não há desemprego

O desemprego é uma enorme prova da ineficiência econômica do capitalismo. Ao impedir que milhões de trabalhadores tenham uma ocupação, os capitalistas privam também a sociedade de usufruir dos bens e serviços que seriam produzidos caso essas pessoas estivessem trabalhando.

O desemprego não é inevitável. Pelo contrário, é uma condição específica do capitalismo. A existência de trabalhadores desempregados, ou seja, do exército industrial de reserva responde não à necessidade das forças produtivas, mas sim à necessidade do capital para sua valorização econômica e hegemonia política. A luta contra o desemprego evidencia os limites da direção capitalista de atender ao anseio básico dos trabalhadores por emprego. Une, assim, a luta política geral com a luta econômica cotidiana. A luta contra o desemprego é a luta pelo Socialismo.

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